terça-feira, 21 de abril de 2009

Krugman e a falência da Irlanda

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Erin Go Broke

por PAUL KRUGMAN - New York Times, 20/04/2009


"Qual é", perguntou meu interlocutor, "o pior cenário para o futuro da economia mundial?". Só no dia seguinte surgiu a resposta certa: os Estados Unidos podem seguir o caminho da Irlanda.

O que tem de ruim nisso? Bem, o governo da Irlanda agora prevê uma queda do PIB este ano de mais de 10% em relação ao pico, cruzando a linha que algumas vezes é usada para distinguir entre a recessão e a depressão.

Mas há mais nisso do que parece: para satisfazer credores nervosos, a Irlanda está sendo forçada a aumentar impostos e cortar gastos do governo -- uma política que vai aprofundar a crise.

É este sumiço das opções de política econômica que, temo, pode acontecer para o resto de nós. O slogan "Erin, vá se gabar", normalmente traduzido como "Irlanda para sempre", é em geral usado como declaração de identidade irlandesa. [Erin, na Irlanda, é um nome tão popular quanto José no Brasil] Mas também pode ser lido como uma previsão para a economia mundial.

Como é que a Irlanda foi parar na situação atual? Sendo como nós [americanos], ou talvez mais. Como a Islândia, a Irlanda saltou com os dois pés no bravo mundo novo dos mercados globais não supervisionados. No ano passado a Heritage Foundation [instituição conservadora e livre-mercadista dos Estados Unidos] declarou a Irlanda a terceira economia mais livre do mundo, depois de Hong Kong e Cingapura.

Uma parte da economia irlandesa que se tornou especialmente livre foi o setor bancário, que usou sua liberdade para financiar uma monstruosa bolha imobiliária. A Irlanda se tornou uma versão fria e sem serpentes da Flórida.

Então a bolha estourou. O colapso da construção mandou a economia para o buraco, enquanto a queda no preço dos imóveis deixou muita gente devendo mais do que valiam as casas. O resultado, como nos Estados Unidos, foi uma enxurrada de inadimplência e perdas pesadas para os bancos.

E os problemas com os bancos são largamente responsáveis por colocar o governo irlandês numa camisa de força.

Na véspera da crise a Irlanda parecia estar em boa situação, do ponto de vista fiscal, com um orçamento equilibrado e um nível baixo de dívida pública em relação ao PIB. Mas a arrecadação do governo -- fortemente dependente do boom imobiliário -- despencou junto com o estouro da bolha.

Ainda mais importante, o governo irlandês se descobriu obrigado a assumir a responsabilidade pelos erros de banqueiros privados. Em setembro passado, a Irlanda tentou aumentar a confiabilidade de seus bancos dando garantias governamentais para as perdas -- colocando, assim, o contribuinte como responsável pelas perdas potenciais de mais de dois PIBs do país, o que seria equivalente nos Estados Unidos a 30 trilhões de dólares.

A combinação de déficits e a exposição às perdas bancárias levantaram dúvidas sobre a solvência de longo prazo da Irlanda, refletida no aumento do prêmio de risco na dívida da Irlanda e a ameaça de redução no rating de agências de classificação de risco.

O que nos leva às novas políticas. No início deste mês o governo irlandês anunciou simultaneamente um plano para comprar muitos dos bens tóxicos dos bancos -- pendurando ainda mais o contribuinte --, enquanto aumentou impostos e cortou gastos para dar segurança aos credores.

O governo da Irlanda está acertando? Quando leio o debate entre especialistas irlandeses, noto que há críticas amplas ao plano de resgate dos bancos, com muitos dos economistas mais importantes pedindo a nacionalização temporária. (A Irlanda já nacionalizou um grande banco). Os argumentos desses economistas são similares aos de um número de economistas americanos, inclusive eu, sobre como enfrentar a crise bancária.

Não há desacordo sobre a necessidade de austeridade fiscal. Como resposta à recessão, a Irlanda parece realmente, verdadeiramente, sem opções, a não ser esperar por uma recuperação baseada em exportações se e quando o resto do mundo se recuperar.

Mas o que isso diz sobre nós que não somos irlandeses?

Por enquanto, os Estados Unidos ainda não estão numa camisa de força fiscal do tipo da irlandesa: os mercados financeiros ainda consideram a dívida dos Estados Unidos mais segura do que qualquer outra coisa.

Mas não podemos dizer que isso sempre será verdadeiro. Infelizmente, não economizamos para o dia de chuva: graças aos cortes de impostos e à guerra do Iraque, os Estados Unidos saíram do "Boom do Bush" com um relação dívida/PIB maior que antes. E se aumentarmos essa relação mais 30 ou 40 pontos -- o que não pode ser desconsiderado se a política econômica não for bem gerenciada nos próximos anos -- podemos começar a enfrentar nossos próprios problemas com o mercado de títulos [do Tesouro].

Para deixar claro, essa é uma razão pela qual estou tão preocupado com o plano do governo Obama para os bancos. Se, como alguns de nós tememos, dinheiro do contribuinte for usado para dar lucro a operadores financeiros em vez de consertar o que precisa ser consertado, pode ser que não tenhamos dinheiro para tentar de novo.

E a lição da Irlanda é de que você realmente, verdadeiramente não quer se colocar na posição de ter que punir sua própria economia para salvar seus bancos.

Fonte: Vi o Mund0

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Um comentário:

Tony O'Sullivan disse...

Oi Alê,
Interessante esse artigo- vou procurar o original e passar pra frente.
É estranho que enquanto a maioria dos paises europeios estão aumentando gastos para controlar a crise, Irlanda está cortando.

Mas mudando de assunto vi um artigo nujm jornal irlandes outro dia sobre a cidade de Limerick. Essa cidade sempre teve uma infama de ser perigosa mesmo sendo a terceira cidade da republica. Ultimamente as coisas vão piorando por causa de um tipo de 'mafioso desorganizado', bandidos cujos icones são gangstas americanos. A filosofia "get rich or die tryin- se torna rico ou morre tentando" (do rapper 50 cent) é comum entre esses bandidos que controlam as drogas da cidade. Recentemente mataram um comerciante por falar contra eles na midia. Sei que esse tipo de delinquencia parece tão habitualmente aqui no Brasil mas na Irlanda 'jovens cam armas' sempre teve um lado politico vindo da luta contra os poderosos britãnicos. É triste ver como o pais tem mudado tanto que hoje em dia não passa de ser um estado americano qualquer, influenciado demais por os EUA em termos economicos, culturais, socias.

Sobre o seu outro email- não sei se a memória do chicote é desculpa para nada. Todo povo que conheço já teve que sofrer bastante no seu desenvolvimento.

Feliz dia 21!