terça-feira, 21 de abril de 2009

E agora, Josés?

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O importante é ver para onde essa caravana está indo, sob os latidos, ao lado, dos que viam nos governos latino-americanos de ou à esquerda apenas um bando de desengonçados eleitos e apoiados por um bando de gente mais desengonçada ainda: os nossos povos.

Depois do término da Cúpula das Américas, no último fim de semana, em Trinidad-Tobago, restou um enigma para os nossos comentaristas da extrema à médio-direita na nossa mídia convencional. O campo de manobra deles está ficando cada vez mais estreito, embora continuem a se debater entre as micro e macro legendas que criaram, que vão desde a busca contínua por supostas gafes ou supostos erros de avaliação que ridicularizem o presidente Lula e nossa política externa, até a louvação – permanente, embora hoje mais mirrada, do deus-mercado que deveria tirar os pecados do mundo.

As loas aos mercados que sempre entoaram foram pulverizadas. Agora, os gestos trocados na cúpula, ainda que sejam nada mais mas nada menos do que gestos, jogaram mais areia ainda no teclado dos seus computadores.

O que fazer? Devem eles se debater entre perguntas e trejeitos de rosto. Claro, sempre resta o caminho de desqualificar o que houve na cúpula. “Foram sorrisos e apertos de mãos”, nada mais, sempre se pode dizer. Mas não se pode fugir do comentário que um analista conservador como Michael Shifter, do Inter-American Dialogue, registrou no The Guardian de 19/04, sobre o comportamento do presidente Obama: “He means business”, cuja tradução mais adequada é metafórica, “ele falou a sério”. Shifter não é um modelo para nossas análises e reflexões. Há tempos ele escreveu, por exemplo, um artigo no Washington Post em que comparava Fidel Castro e Pinochet, dizendo que a América Latina de agora fugia dos métodos de governo dos dois, mas buscava conciliar a política de mercado do segundo com a preocupação social do primeiro, o que equivale a dizer que o milagre do vinho estaria em algumas proporção da mistura de água com vinagre. Mas isso não quer dizer que um ponto de vista, ou uma observação de alguém como Shifter, vice-presidente de uma organização de análise sistemática do tema “América Latina”, seja irrelevante para nós. Exatamente por partir de alguém que definiríamos como sendo do campo conservador, ela é relevante: o campo que, na imprensa de fora do Brasil, os analistas conservadores da nossa deveriam ler com mais atenção.

Quer dizer: os sorrisos, os apertos de mãos, as declarações de “amizade” fazem sim parte de uma política de mudança, o que não quer dizer, também, que devamos aceitá-la de modo amplo, geral e irrestrito. Mas quer dizer sim que devemos reconhecer que essa mudança existe, para que se possa discernir o que nela haja de benéfico assim como o que nela haja de complicado.

Esperar que uma cúpula dessa natureza traga algo mais do que uma declaração de intenções como a que foi registrada na carta final – sabiamente, aliás, assinada apenas pelo anfitrião, é chover em pátio de brita: a água vai embora, perde-se o significado da chuva, dos gestos que ali aconteceram. Nem na União Européia, que tem 50 anos a mais de projeto do que uma possível união americana, um encontro dessa natureza produz mais do que gestos e declarações. As medidas concretas ficam para os encontros bilaterais ou multilaterais entre ministros e técnicos de áreas específicas.

O que os governantes foram fazer lá foi algo que os nossos analistas de direita costumam desprezar: P – O – L –Í – T – I – C – A . Também não cabe esperar que em dois dias os Estados Unidos mudem sua política de discriminação de meio século para com Cuba, por exemplo. Os campos continuarão minados, as tensões continuarão existindo. Mas o importante é ver para onde essa complicada caravana está indo, sob os latidos, ao lado, dos que viam nos governos latino-americanos de ou à esquerda apenas um bando de desengonçados eleitos e apoiados por um bando de gente mais desengonçada ainda: os nossos povos. Para eles, esses nossos povos, em matéria de soberania, não deveriam sequer lamber o sorvete, quanto mais comer o arroz com feijão ou o filé do prato principal.

Para quem assim pense, seria melhor meditar sobre a frase que vem de seu próprio campo, mas em outra moldura, não paroquial nem provinciana: “he means business”. E agora, Josés?

*Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior.

Fonte: Carta Maior

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