quarta-feira, 1 de abril de 2009

JORNALISMO POLÍTICO - Uma barriga e muitos vazamentos

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Por Luiz Antonio Magalhães

O distinto público anda até meio atordoado com a cobertura da imprensa brasileira sobre o cenário político do país. Dia sim, dia não, tem denúncia nova saindo do forno. O cardápio anda variado, tem para todos os gostos: deputado democrata usa verba de gabinete para pagar a faxineira; dez partidos políticos levam uma boa graninha de empreiteiros, intermediados pela Fiesp, que ficam discutindo como mandar a "tulipa", se era para fazer a coisa "por dentro" ou "por fora"; um nobre senador filiado ao PT empresta o telefone celular funcional para a filhota viajar ao exterior; tudo isto sem falar dos cento e tantos diretores para assuntos aleatórios do Senado Federal ou na inacreditável história da filha de um ex-presidente, contratada por outro senador, este integrante do DEM, que revela não dar expediente no gabinete do parlamentar e confessa, até com certo deboche, não saber se recebeu horas extras pelos dias (não) trabalhados durante o recesso legislativo.

Foi lama demais em período tão curto. Se é possível estabelecer um marco inicial na nova onda de corrupção que assola o Brasil (ou não é isto que todos estamos assistindo na televisão, ouvindo nas rádios e lendo nos jornais?), a coisa começou depois que o ex-presidente da República José Sarney (PMDB-AP) assumiu o comando do Senado Federal. Não, não deu tempo para Sarney aprontar todas as falcatruas que vem sendo divulgadas, o descaminho parece ser mais antigo. De toda forma, depois que Sarney sentou na cadeira antes ocupada pelo discreto Garibaldi Alves (PMDB-RN), o bicho pegou.

Este Observatório não trata de análise política, portanto a relação de causalidade entre a nova onda denuncista e a posse de Sarney fica para outro artigo, em outro veículo, pois o que realmente importa aqui é tentar perceber se a imprensa está ou não fazendo um bom trabalho na cobertura dos recentes episódios. E não é fácil mensurar a qualidade do que vem sendo apresentado ao público. Antes de tudo, é evidente que quanto mais informação houver sobre o que é feito com o dinheiro público, melhor. Mas exigir apenas isto da imprensa é muito pouco. Senão, vejamos.

O caso Luciana Cardoso

Grosso modo, as histórias escabrosas que estão aparecendo na mídia são fruto de denúncias de partes envolvidas no processo e há muito pouca apuração dos jornalistas nas matérias apresentadas nos veículos impressos, telejornais e noticiário radiofônico. Pelo que é possível perceber até aqui, as acusações chegam redondas aos repórteres e editores. Há, evidentemente, uma checagem básica sobre o teor da acusação e então o escândalo do dia está prontinho para o deleite do público. Sem contextualização alguma, sem indicação dos interesses da fonte que denunciou, enfim, sem maiores investimentos dos órgãos de comunicação em explicar o que está por trás de tanta falcatrua.

Antes de analisar mais de perto o problema, cabe logo apontar a honrosa exceção ao desleixo geral: no episódio envolvendo Luciana Cardoso, filha do ex-presidente Fernando Henrique, que trabalha para o senador Heráclito Fortes (DEM-PI), a jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, fez exatamente o que manda o figurino: de posse da denúncia de que a moça era absenteísta, a repórter ligou para o gabinete por três dias consecutivos, verificou que de fato Luciana não frequentava o local e por fim conseguiu falar com a denunciada após a ligação ser transferida para o telefone da casa dela, Luciana. Fez uma excelente entrevista, publicada na sexta-feira (27/3), com destaque, na coluna que leva o nome da jornalista, na página 2 do caderno "Ilustrada". No fundo, Mônica expôs ao ridículo a filha de Cardoso e provou que não tem medo da cara feia do pai da moça. Jornalistas não devem mesmo ter medo da cara feia de ninguém.

Nos demais casos, há pouco a comemorar no comportamento da imprensa. Os episódios envolvendo os diretores do Senado ou as horas extras recebidas durante o recesso parlamentar só apareceram porque gente com bala na agulha e algum interesse em espalhar a fedentina resolveu botar a boca no trombone. Não é possível, como bem lembrou Alberto Dines em seu comentário para o programa radiofônico do OI de segunda-feira (30/3), que os repórteres que há anos freqüentam o Congresso nunca tenham percebido a fila diária de funcionários no início da noite para bater o ponto e receber as horas extras na Câmara, ou simplesmente não soubessem o número de diretores que tinha o Senado Federal.

Versão fajuta

Os vazamentos de informações sigilosas de inquéritos da Polícia Federal também têm marcado a cobertura da Operação Castelo de Areia. O grande problema é que o vazamento tem sido seletivo. Inicialmente, da lista de partidos que receberam doações da empreiteira Camargo Corrêa, investigada na operação, não constava o PT. Segundo reportagem do Jornal Nacional de segunda-feira (30/3), o partido também está citado no relatório da operação, ao lado do PV e PTB, que também não foram acusados inicialmente.

Evidentemente, os jornalistas não têm poder divinatório e não poderiam escrever, como fez, erroneamente, a Folha Online, na semana passada, que os petistas também estavam sendo investigados. Coisa muito mais simples e ao alcance de qualquer cidadão, porém, é pesquisar no site do Tribunal Superior Eleitoral as doações feitas pelas empreiteiras em campanhas passadas – ajuda a entender o contexto e revela que as empresas do setor financiam praticamente todos os partidos políticos brasileiros, sem distinção ideológica. Muito concentrados em seguir a apuração policial, os jornais, emissoras de televisão e rádio acabam oferecendo pouca informação analítica, do tipo que realmente ajuda o público a entender melhor o que está em curso.

No caso da Operação Castelo de Areia, especificamente, o jornal O Estado de S.Paulo teve a infelicidade de publicar, na sexta-feira (27/3) matéria "informando" que o presidente Lula teria "convencido" o criminalista Márcio Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça, a entrar no caso em defesa da Camargo Corrêa. O problema é que na reportagem em questão, como bem observou o blogueiro Luiz Weis, neste Observatório ("A falta que fazem os goleiros"), não havia uma única linha que confirmasse a "informação" do título.

Sim, Bastos esteve por cinco minutos com o presidente dois dias antes de a matéria ser publicada, tomou um café, cumprimentou o ex-chefe e foi cuidar da vida. Confirmou o encontro ao jornal e negou ter recebido qualquer pedido de Lula. A explicação mais simples, de que a Camargo Corrêa, encrencada que está, tenha decidido contratar um dos melhores, senão o melhor criminalista do país, certamente não passou pela cabeça de quem escreveu a reportagem. Não, foi mesmo o Lula que chamou Bastos... para defender o DEM e o PSDB, inclusive. E, como bem assinalou Weis, pode até ser que o presidente tenha mesmo conversado com Bastos sobre o caso, mas não havia nada na reportagem do Estadão que autorizasse tal versão. Barriga, não das piores, mas barriga.

Manipulações a rodo

Tudo somado, o que está faltando na cobertura desses eventos é a capacidade de contar uma história com começo, meio e fim, que faça algum sentido. É evidente que existe uma disputa política por trás de tudo que está aparecendo na imprensa. Luciana Cardoso é funcionária de Heráclito Fortes há seis anos, a empregada doméstica (já exonerada) que recebia seus proventos pelo gabinete do deputado Alberto Fraga (DEM-DF) limpava a casa do parlamentar fazia pelo menos quatro anos, as filas pela hora extra não começaram ontem, nem os 180 diretores do Senado foram nomeados agora por José Sarney.

Em Brasília, todo mundo sabe de tudo, mas o que aparece nos jornais e nas telas da televisão depende da vontade de alguns em contar o que sabem, muito mais do que da disposição investigativa dos órgãos de comunicação. E quando alguém conta uma história cabeluda, algum interesse está em jogo.

O grande problema do jornalismo político praticado no Brasil é que muitas vezes os veículos, que também têm lá os seus interesses e as suas preferências ideológicas, preferem deixar o público no escuro e iluminar apenas as acusações e denúncias que lhes convêm, abrindo caminho a toda sorte de manipulação de informação. O que realmente se passa, o pobre leitor só vai saber muitos anos depois, nos bons livros de história.

Fonte: Observatório da Imprensa

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