quinta-feira, 2 de julho de 2009

Traindo o planeta

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'Momento decisivo'. Paul Broun, representante do estado da Geórgia, declarou que as mudanças climáticas não passam de uma "farsa"


por Paul Krugman*
Dos Estados Unidos

O Congresso americano aprovou a lei Waxman-Markey sobre as mudanças climáticas. Em termos políticos, foi uma conquista impressionante.

Mas 212 congressistas votaram contra o projeto. Muitos desses votos contra vieram de congressistas que consideram a lei inconsistente, mas a grande maioria rejeitou a lei porque eles rejeitam o conceito de que algo precisa ser feito a respeito do efeito estufa.

Assistindo aos discursos da turma do contra, não conseguia evitar a sensação de estar presenciando um ato de traição - uma traição contra o planeta.

Para se ter noção da irresponsabilidade e imoralidade de negar a existência das mudanças climáticas, é necessário saber dos resultados nada encorajadores das últimas pesquisas de avaliação do clima.

O fato é que o planeta está mudando mais rápido do que os pessimistas esperavam: as calotas polares estão desaparecendo e as zonas áridas estão aumentando em um ritmo assustador. E de acordo com os números revelados em estudos recentes, uma catástrofe - um aumento de temperatura impensável - já não pode mais ser considerada uma mera possibilidade. Mas sim o efeito mais possível se continuarmos agindo da mesma forma.

Os pesquisadores do MIT - o Instituto de Tecnologia de Massachusetts - que previam anteriormente um aumento de temperatura de menos de quatro graus até o final do século, estão acreditando que este aumento chegue a nove graus. Por quê? Os gases que causam o efeito estufa estão aumentando mais rápido do que o esperado; alguns fatores atenuantes, como a absorção do monóxido de carbono pelos oceanos, estão respondendo menos do que o esperado; e há provas cada vez mais fortes de que as mudanças climáticas se autoperpetuam - por exemplo, o aumento de temperaturas causa o degelo do Ártico, o que emite ainda mais dióxido de carbono na atmosfera.

Os aumentos de temperatura previstos pelo MIT e outros institutos criariam efeitos devastadores em nossas vidas e em nossa economia. Como foi apontando em um relatório do governo dos EUA, até o final deste século, New Hampshire poderá acabar com um clima parecido com o que hoje tem a Carolina do Norte, o estado de Illinois poderá acabar com o clima do leste do Texas e ondas de calor extremas podem assolar o país anualmente ou bi-anualmente - coisa que até agora só costuma acontecer uma vez em cada geração.

Em outras palavras, estamos encarando um perigo real e iminente ao nosso estilo de vida, e até para a nossa civilização. Como alguém pode ter a coragem de cruzar os braços?

Bem, às vezes até os analistas mais especializados cometem erros. E se esses formadores de opinião e políticos do contra baseiam sua discordância em trabalho e reflexões árduos - se eles estudaram a questão, consultaram especialistas e concluíram que o consenso científico maciço está equivocado - eles deveriam pelo menos argumentar que estão agindo de forma responsável.

Mas quem assistiu ao debate na última sexta-feira não viu nenhum indício de que aquelas pessoas pensaram bem a respeito dessa questão crucial, nem que elas estivessem tentando fazer a coisa certa. O que se viu foram pessoas que não se interessam pela verdade. Eles não estão felizes com as implicações políticas e de regulamentação que a mudança climática impõe, então optaram por não acreditar nela - e eles se apóiam em qualquer argumento, não importa o quão frágil, para sustentar sua discordância.

Não há dúvidas de que um dos momentos mais decisivos do debate foi quando Paul Broun, representante do estado da Geórgia, declarou que as mudanças climáticas não passam de uma "farsa" que tem sido "perpetuada pela comunidade científica". Até poderíamos dizer que essa declaração é mais uma teoria de conspiração, mas isso seria uma ofensa a todos que acreditam em teorias de conspiração. Afinal de contas, para acreditar que o aquecimento global é uma farsa, é preciso acreditar também na existência de uma irmandade de milhares de cientistas - tão poderosa a ponto de conseguir criar relatórios falsos de assuntos que vão desde as temperaturas globais até o gelo marinho do Ártico.

Ainda assim, a declaração de Broun recebeu aplausos dos seus colegas republicanos.

Com tanto desrespeito pela ciência séria, não me parece necessário dizer que esses relutantes políticos são desonestos em questões econômicas. Além de rejeitar a ciência climática, os oponentes à lei do clima fizeram questão de apresentar interpretações fraudulentas sobre o efeito econômico da lei, que todos dizem ser consideravelmente baixo.

Mesmo assim, é justo chamar a negação climática de traição? Será que tudo isso não passa de politicagem normal?

A resposta é sim - o que torna o ato ainda mais imperdoável.

Lembra quando os oficiais da administração Bush disseram que o terrorismo era uma "ameaça à existência" dos EUA, uma ameaça para a qual as regras normais não se aplicavam? Aquilo era uma hipérbole - mas a ameaça da mudança climática à nossa existência é absolutamente real.

E, mesmo assim, alguns políticos estão escolhendo conscientemente ignorar a ameaça climática, colocando as próximas gerações em sério perigo só porque faz parte do seu jogo político fingir que não há nada com que se preocupar. Se isso não for traição, eu não sei o que é.

*Paul Krugman é economista, professor da Universidade de Princeton e colunista do The New York Times. Ganhou o prêmio Nobel de economia de 2008. Artigo distribuído pelo New York Times News Service.

Fonte: Terra Magazine

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