quarta-feira, 10 de junho de 2009

A truculência de Serra

::

por Miguel do Rosário

As notícias sobre a violência policial na USP mostram o grave risco que a estabilidade democrática brasileira e o frágil equilíbrio social atingido nos últimos anos sejam enviados para as cucúias caso o governador José Serra vença as eleições presidenciais em 2010.

Leiam o relato de um professor da USP sobre o caso.

Não, não se trata de "estudantes" vagabundos que não deixam outros estudarem. Ocorreu uma greve de funcionários, o governador mandou a polícia militar para o local, e professores e alunos aderiram à greve em protesto.

Serra continua sem falar nada. Mudo. E não há questionamentos na mídia. Não há editoriais ou colunistas abordando o tema. A mídia também se emudece. Quer dizer, a mídia procura minimizar o caso, não humanizando as reportagens com relatos dos personsagens envolvidos.

O que me impressiona é que não é o primeiro conflito semelhante causado pela truculência do governo paulista. O governo de José Serra alimenta uma agressividade latente, uma brutalidade desumana, uma hostilidade constante, contra o funcionalismo público paulista. Há um fundo ideológico nesses sentimentos. Em todos os comentários pró-Serra que lemos em blogs observamos sempre esse desprezo contra o funcionalismo público. E há um preconceito partidário repugnante. As demandas trabalhistas dos funcionários sempre são atribuídas ao jogo partidário. O grevista, na tosca visão ideológica alimentada pela grande mídia e pelo próprio governador de SP, não é um cidadão que almeja condições melhores de trabalho; não, ele é um petralha desprezível querendo desgastar a gestão Serra. Na questão da polícia, Serra atribuiu os conflitos entre a PM e a Polícia Civil ao PT e à CUT, embora os sindicatos e os trabalhadores que vivenciaram o imbróglio tenham garantido que essas entidades não tinham nada a ver com isso. Eu fico pensando: e quando grevistas ou manifestantes pertencerem ao PT? É ilegal? Isso os torna menos dignos? Menos honestos e sinceros em suas demandas por melhores condições de trabalho? O fato é que, por uma razão óbvia, os trabalhadores organizados, em sua grande maioria, pertencem à agremiações de esquerda; são opositores, portanto, das forças conservadoras que detêm o poder em São Paulo; isso não legitima, porém, nenhuma truculência; os trabalhadores possuem o direito democrático de se filiarem ao partido que desejarem, e isso não pode desmerecer a sinceridade de suas demandas trabalhistas. Quando empresários ou grandes agricultores fazem lobby junto ao governo para exigirem tal ou qual auxílio, com vistas a manterem o nível de emprego de suas atividades, ninguém lhes indaga o partido de sua preferência; são representantes de setores econômicos importantes e a sociedade entende a necessidade de ajudá-los de vez em quando.

O mais grave é que a brutalidade contra professores, médicos, trabalhadores, sem-terra, sem-teto, é encarada pelos correligionários de Serra como virtude política e apanágio ideológico.

Um blogueiro Judas tenta minimizar o fato alegando que a PM apenas "cumpria ordens judiciais" e que, não o fizesse, aí sim é que Serra estaria agindo ditatorialmente. Ora, o juiz ordenou a reocupação por pedido da reitora, aliada de Serra e indicada por ele; e mesmo assim, a decisão final sempre fica por conta do governador, que pode solicitar o cancelamento da ida da PM e, em última instância, orientar as forças de segurança para que evitem, a todo custo, agressões contra estudantes e trabalhadores.

Aí a mídia trata uma situação em que policiais com armas de fogo, escudos, bombas de gás lacrimogênio e gás pimenta, cacetetes, além de todo treinamento (e os inevitáveis vícios daí decorrentes) para combater bandidos perigosos, atacam jovens estudantes e trabalhadores desarmados e sem nenhum preparo (ou mesmo intenção) militar, como "enfrentamento", ou como se os policiais estivessem apenas reagindo às "pedras" lançadas pelos estudantes.

Ora, o vestibular da USP é um dos mais difíceis do Brasil. Então, por mais revoltados que sejam os estudantes (e todo estudante universitário é revoltado; é uma condição biológica e, portanto, passível de tolerância e compreensão), eles representam uma das elites intelectuais mais importantes do Estado de São Paulo. É incrível, é trágico, é risível, que sejam tratados com tamanha truculência.

Se o governador de São Paulo fosse alguém de outro partido, a imprensa certamente estaria voltando todas as suas baterias contra ele, e com razão. Por que é um absurdo e como tal deve ser tratado. O fato da imprensa abafar, minimizar e distorcer os acontecimentos, apenas reforça um sentimento que se torna cada vez maior: o de que os grandes jornais perderam o pouco escrúpulo que tinham em aparentar um mínimo de isenção e honestidade e ética.

Há outro fator, porém, que explica o desprezo das elites paulistanas e seus jornais para com os estudantes da USP. É que, há algum tempo, que esta elite desistiu, de uma vez por todas, em matricular seus filhos em universidades públicas. Com a ascenção social de milhões de brasileiros, houve uma democratização natural da USP. A presença de jovens pertencentes às famílias mais ricas diminuiu bastante na USP e outras universidades públicas. Então, pau neles!

Que seja! Serra e seus asseclas na mídia, na internet e na sociedade continuam a subestimar a inteligência e a força e a cultura do povo brasileiro! E quando falo povo, não esqueçam, incluo aí as suas vanguardas intelectuais. Pra continuar a tendência dos últimos posts, termino com uma citação, desta vez de Glauber: "mais fortes são os poderes do povo!"

*

O professor Hariovaldo e seus comentaristas, como sempre, realizaram uma cobertura impagável dos acontecimentos.

***

Depois da Associação Brasileira de Imprensa e da Ordem dos Advogados do Brasil defenderem o blog da Petrobrás, o Globo finalmente descobriu alguém disposto a atacar a iniciativa: o filósofo Roberto Romano! Que novidade! O "especialista em ética"! O sacerdote supremo da grande imprensa! Quem falta entrevistar agora? Marco Antonio Vila?

***

Legal a crônica do Carrara, sobre as mazelas políticas recentes.

Fonte: Óleo do Diabo

::
Share/Save/Bookmark

Nenhum comentário: