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Volta e meia fica no ar essa história (de que muito professor também participa) de que o espaço das reivindicações é “inadequado”, porque envolve o “mundo do trabalho”, e nós, professores universitários, não somos “trabalhadores”. É hora de acabar com esse anacronismo.
por Flávio Aguiar*
Sobre esse tema, ler também: Polícia: fora da USP!
A agressão da polícia à Faculdade de Filosofia, aos estudantes, aos funcionários, aos professores, à autonomia universitária, nesta última semana, foi algo inominável. Mas não foi algo que caiu do céu, como raio em céu de brigadeiro. Tem história.
Vamos examinar alguns papéis. E pela quase primeira vez, em muito tempo nesta coluna, vou citar nomes. Até imaginando que, se quiserem direito de resposta, a Carta Maior lhes dará. Afinal, a Carta Maior, ao invés da imprensa tradicio-convencional, é um órgão da e pela democratização da mídia no Brasil.
Vamos começar pela reitora, Suely Vilela. Ela é a primeira reitora da USP, ou seja, a primeira mulher que dirige a instituição. Comecei nessa crise a ouvir (ler, pela internete, o que lingüistas me explicaram que equivale a “ouvir”) expressões a respeito dela, do tipo do nosso detestável e brasileiríssimo, “essa mulher”. “Essa mulher” fez isso, fez aquilo, etc. Não é por aí. Imagino, mas nunca ouvi, a respeito de reitores do tempo da ditadura, como Alfredo Buzaid, ou Gama e Silva, do tipo “esse homem”...
Buenas, Suely enfrenta um preconceito. Chegou à reitoria num movimento de transformação da política interna da USP, em que a pós-graduação assumia o papel de ser o espaço principal de determinação das políticas universitárias. Não era a candidata dos setores mais conservadores da universidade. Agora está nessa encalacrada.
Tem um ponto de razão: num quadro extremamente conservador, que é o do governo (leia-se, José Serra, que de ex-líder estudantil hoje só tem o verniz do passado, se é que tem) e do sistema judiciário de São Paulo, um dos mais reacionários do país, se ela não fizesse algo diante do tipo “reintegração de posse” diante da situação na USP, ela cairia. Seria talvez indiciada pelo próprio setor jurídico da USP, que é muito conservador. Mas daí a chamar a PM, vai a distância de uma escolha equivocada.
Há quem peça que ela renuncie, como meu amigo Chico de Oliveira (alô Chico, peço permissão para descordar de você...). Nada disso. Meteu-se nesta, e nós com ela, vai ter que nos tirar desta, inclusive perdendo o sono, se for o caso. A reitora foi eleita para um mandato de quatro anos, e vai ter que cumpri-lo até o fim. Vai ter que sentar e negociar, com seu vice, Franco Lajolo (também meu amigo), a saída desse pantanal em que o sinal verde para a PM (qual o papel de Serra nisso?) foi o atoleiro.
Aí, seguindo a FSP, onde estava o Chico, vêm a professora Maria Hermínia e o professor Gianotti (meu amigo também, espero que continue; da Maria Hermínia não tive o privilégio da amizade) defendendo posições que são profundamente anacrônicas, Nossa Senhora do Bom Resguardo! A professora Maria Hermínia defende que a democracia se assenta, nesse caso, sobre o direito de administrar a USP, e que isso implica na reintegração de posse dos prédios da universidade, perturbada pela ação dos piquetes. O professor Gianotti diz que as pautas de reivindicação dos movimentos são “fantasias”, e que tudo, nos movimentos, é um “faz-de-conta”. Pela Virgem de Aparecida! Parecem viver num mundo anterior a 1930!
Quero dizer: existem milhares de funcionários (não só as direções que, sim, são complicadas), de estudantes, de professores reivindicando direitos trabalhistas (esse nome é um pecado para os saudosos do pré-30), mas isso fica “no reino do faz de conta” ou então no problema de “atrapalhar a administração”. Parece que o mundo real, a que nós devemos prestar atenção, é o das estrelas, das constelações das idéias que, como num relógio ideal, pré-Galileu, pré-Copérnico, pré-Newton, pré-tudo, deveria se ajustar como a música das esferas. Até o maravilhoso mundo de Bach era mais moderno do que isso.
Buenas, aí temos a complicação dos que querem, de fato, aproveitar a oportunidade para jogar pedras na polícia. Isso existe. É verdade. Não vamos fingir que não existe, e que esse tipo de atitude está presente no meio estudantil e também no dos funcionários. O que fazer? Trancá-los num campo de concentração, como o de Dachau, aqui perto de onde eu moro, ou no DOI-CODI, perto de onde eu morava?
Na verdade, é preciso reconhecer que isso é uma realidade, isso existe, e a única maneira de impedir que eles dominem o espaço político é se antecipar, através da negociação. Caramba! Esse é o único caminho.
Quando em 1991 assinamos o protocolo de negociação com o Fórum de Reitores das universidades estaduais paulistas, mais o Secretário de Ciência e Tecnologia, os representantes das entidades sindicais das universidades, esse era o caminho aberto. Mas desde então, volta e meia e meia volta, fica no ar essa história (de que muito professor também participa) de que esse é um “espaço inadequado”, porque envolve o “mundo do trabalho”, e nós, professores universitários, não somos “trabalhadores”. É hora de acabar com esse anacronismo, que anima as posições de Gianotti, de Maria Hermínia, e também as atitudes das reitorias, muitas vezes, das universidades. Uma pauta e um calendário positivo de negociações, marcado com antecedência, e previsto para ser permanente, teriam prevenido muito dessa confusão.
*Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior.
Fonte: Carta Maior
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