Ricardo Kauffman Redação Terra
Grandes agências de comunicação corporativa oferecem serviço cujo objetivo é amenizar o desgaste do cliente na mídia, em momentos de crise. O produto recebe o nome de "gerenciamento de crises".
Entre outras coisas, trata-se de abafar o noticiário negativo ao cliente, e, quando a poeira baixar, conquistar espaço positivo na mídia. No Brasil este serviço atrai pessoas físicas e jurídicas de variados meios.
Companhia aérea que protagonizou grande acidente; cervejeiras acuadas pela ameaça de restrição à propaganda; e governos constrangidos por tragédias em obras públicas fazem parte do público-alvo.
As agências deslocam "equipe especializada" para tratar do assunto com os veículos de comunicação. Um repórter de São Paulo conta que deu de cara com os mesmos assessores cuidando de abafar acidentes de diferentes responsáveis.
"Eles são simpáticos, mas sempre tem uma conversa mole para negar informação", diz. "Organizam coletivas bem-servidas de comida e bebida, em que a fonte aparece, responde pela metade uma ou duas perguntas, dá uns tapinhas nas costas e vai embora", completa.
A cobertura destinada ao rabino Henry Sobel nos últimos meses poderia servir de "case de sucesso" deste tipo de serviço, caso este tenha sido o caso, ou não.
Após ser flagrado furtando gravatas nos Estados Unidos, o rabino praticamente sumiu da mídia tradicional. Intensas movimentações na coletividade judaica culminaram com a destituição de Sobel do cargo que ocupava na Congregação Israelita Paulista (CIP), instituição que o trouxe dos EUA para o Brasil em 1975.
Portanto havia notícia, mas não boa cobertura, com exceções principalmente na internet. À época do flagra, conseguiu-se propagar na imprensa a versão oficial do fato: o rabino estava sob efeito de fortes medicamentos. Quando chegou ao Brasil, Sobel foi direto para o Hospital Albert Einstein, divulgaram os jornais.
Eis que oito meses de quase silêncio depois, o rabino ressurge em grande estilo na grande mídia. Ele é alvo da reportagem principal da mais recente edição da revista Época, muito bem produzida e fotografada.
A capa da publicação expõe saborosa foto em que Sobel posa com forte olhar azul, ajeitando sua gravata. "Errei, mas não sou ladrão", diz a manchete.
No editorial, o diretor de redação Helio Gurovitz afirma ao leitor que a reportagem "não absolve nem condena o rabino. Como todo bom texto jornalístico, seu objetivo é informar". Um atraente convite à leitura.
Para escrever o texto de nove páginas (extensão rara para o veículo) a revista convidou Paulo Moreira Leite, ex-diretor de redação de Época.
Na reportagem, o autor diz que acompanhou a rotina social de Sobel durante três semanas. Astuto e bem escrito, o texto afirma questionar o líder religioso sobre o episódio das gravatas.
E publica explicações de amigos dele: "O que aconteceu em Miami foi a explosão de uma crise que se manifestava havia tempos", declara um advogado próximo.
Segundo a matéria, atualmente Sobel anda pelas ruas de São Paulo recebendo mensagens de apoio. No Mosteiro de São Bento, "muitos fiéis o abraçaram", testemunha o repórter.
"Aqui todos gostam dele, disse uma senhora católica que acompanhou a cena", completa a reportagem, que lança mão largamente de menções apócrifas.
Época dá amplo espaço à defesa de Sobel, mesmo a afirmações que não param em pé: "Tive um problema de saúde, mas roubar gravatas não faz parte de minha biografia". "Errei e tenho de assumir o que fiz. Não sou um santo."
Se Sobel foi vítima do efeito de medicamentos, qual foi seu erro? A pergunta não foi feita, ou a resposta não foi publicada.
O competente texto de Moreira Leite não deixa de citar pontos desfavoráveis ao rabino, mas não sem simpatia ao personagem: "Está muito calor, rabino. Por que não tira a gravata?", provoca um interlocutor, segundo a matéria.
"Sem mover um músculo da face, Sobel respondeu que se sentia bem assim ... Manteve-se impassível e foi para casa, colarinho fechado, gravata no peito." Com esmero, Moreira Leite elogia Sobel - nem sempre de maneira direta.
Ao final da reportagem, não é possível saber: Por que ele não pagou as gravatas? A que tipo de efeito químico o rabino atribui o seu comportamento?
Que remédio estava tomando? Qual é a sua doença? O que o teria levado a uma situação limite? Por que teve de se internar na chegada ao Brasil?
O que diz o laudo do hospital? Por que ele foi parar misteriosamente em Miami? O que o rabino tem a dizer sobre o seu comportamento à comunidade? O que a CIP tem a dizer sobre o seu desligamento? Ele foi punido? Por quê?
No lugar destas informações, o texto contém impressões retóricas do autor: "É certo que os amigos podem ter razão sobre os efeitos malignos de uma dose excessiva de remédios sobre a consciência de uma pessoa", afirma.
"E o rabino parece sincero quando diz que estava em situação emocional frágil e que, na origem de tudo, está um problema de saúde", completa.
Não tenho para mim que veículos devam pressionar um personagem como Sobel a se explicar. Seria aceitável que ele permanecesse calado, arcando com ônus e bônus da posição. Trata-se de decisão e responsabilidade exclusivas dele.
Mas bom jornalismo, como diz o editorial de Época, não absolve e nem condena; informa.
Terra Magazine
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