Adital -
Ela concedeu a entrevista que segue, por telefone, ontem pela manhã, à redação da IHU On-Line, diretamente de Brasília, onde está participando do Fórum Brasileiro de Economia Solidária, que começou na terça-feira, dia 26 de junho, e termina hoje, dia 29-6-2006. Além de tratar da aplicação da proposta da economia solidária no modelo econômico atual, questionamos a professora Tânia sobre a conjuntura nacional, principalmente no aspecto econômico.
IHU On-Line - Qual é a sua análise do modelo econômico adotado pelo governo Lula? Como o classifica? Ele é um modelo direcionado ao consumo popular?
Tânia Bacelar - Gostaria de fazer uma primeira distinção entre a política macroeconômica e a política econômica mais geral, que inclui outras políticas econômicas que não são o que chamamos de política macro. A política de juros, a política fiscal e a política monetária não estão voltadas para o consumo popular. Elas pretendem garantir a estabilidade da inflação e privilegiam o pagamento da dívida pública, com taxas de juros ainda muito elevadas, embora menores do que as do governo anterior. Mesmo assim, seguiu privilegiando os aplicadores, as pessoas mais ricas, que podem comprar títulos do governo. Com isso, essas pessoas financiam o governo e são muito bem remuneradas.
A política econômica é mais ampla porque ela inclui, por exemplo, a política industrial. O governo anterior não tinha política industrial e o atual tem. Ele inclui a política de apoio à agricultura familiar. Aí o governo atual faz diferença. O Pronaf, quando terminou o governo Fernando Henrique, aplicava R$ 2,4 bilhões por ano. Nessa safra, nós estamos aplicando R$ 9 bilhões. É um aumento muito significativo e isso amplia o consumo popular, porque os produtores agrícolas são pessoas que produzem alimentos para o mercado interno brasileiro.
Uma outra política diferente é a política de crédito, que foi muito ampliada. A participação do crédito no PIB cresceu e isso facilita e mobiliza o consumo das classes médias para a baixa. O aumento real do salário mínimo foi mais significativo, coincidindo com o índice de inflação baixo e com os preços dos alimentos principais sem crescer muito. Eu gosto de fazer uma comparação: quando surgiu o plano real, um salário mínimo comprava 70% da cesta básica. Hoje o salário mínimo compra duas cestas básicas. É inegável que o consumo popular está crescendo no País. Não é a toa que Lula tem uma imensa predominância de intenção de voto nas camadas mais pobres da população.
IHU On-Line - Quais as principais conseqüências que estamos sofrendo do modelo de crescimento adotado nos últimos 50 anos? Como a senhora define esse modelo?
Tânia Bacelar - O modelo hegemônico no mundo é o modelo organizado pelo capitalismo. Ele tem esse traço importante que o distingue, por exemplo, da economia solidária. E, além disso, foi marcado nos últimos anos por uma mudança nos padrões tecnológicos de grande dimensão. Nós ainda vivemos nessa conjuntura de um modelo que busca, principalmente, assegurar lucros. Coincidentemente, vivemos também com uma mudança muito importante nos padrões técnicos, ao ponto de a chamarmos na academia de "revolução científico-tecnológica", pois se trata de uma verdadeira revolução, que se dá pela passagem do paradigma mecânico para o paradigma eletrônico. É nesse paradigma que estamos entrando agora. Na verdade já estamos nele.
E essa é uma mudança que requer um outro tipo de trabalho, outras habilidades dos trabalhadores. Por outro lado, o modelo atual é comandado pela esfera financeira da economia, considerando que ele opera em duas esferas: a produtiva e a financeira. A produtiva está em revolução e os agentes econômicos estão ganhando muito mais dinheiro hoje, aplicando no mercado de moeda e na bolsa de valores. Isso aumenta a contradição do capitalismo: ele é muito bom para aumentar a produtividade e modernizar a economia, mas é muito incompetente para resolver o problema social, que tem aumentado no mundo e no Brasil. O resultado dessas tendências é o agravamento da crise social do mundo.
IHU On-Line - O Brasil tem atualmente um modelo de desenvolvimento? Qual seria esse modelo?
Tânia Bacelar - As elites brasileiras têm um modelo para fazer do Brasil uma economia capitalista, moderna e uma das principais economias capitalistas do mundo. Esse é o projeto hegemônico das elites brasileiras. O grande problema dessa visão é que o Brasil é um país muito desigual e não vai conseguir ser uma grande economia, nem uma das principais potências, com o quadro de desigualdade social que ele tem. Por isso que é preciso, mesmo crescendo um pouco menos, inserir melhor a sociedade brasileira na vida produtiva do País. Eu não conheço nenhum país entre as potências no mundo que tenha o tamanho da exclusão social que o Brasil tem. Esse é o equívoco da elite brasileira. Ela acha que pode fazer do Brasil uma grande potência com o tamanho da desigualdade social que nós temos. E não pode. Basta ver a crise social instalada nas principais capitais do País.
IHU On-Line - Entre os economistas há duas principais correntes de pensamento em relação ao desenvolvimento brasileiro. Uma diz que o Brasil teria um modelo de desenvolvimento capitalista e uma outra que diz que o País não tem um modelo de desenvolvimento, que ele está parado, estagnado, desde a década de 1980. Com qual dessas posturas a senhora mais se alinha?
Tânia Bacelar - Em primeiro lugar, basta juntar dois economistas e teremos duas opiniões. Eu partilho mais da primeira opinião. Nós temos um modelo, que é um modelo típico do capitalismo contemporâneo, só que vivemos uma crise financeira muito profunda do Estado brasileiro, que vem dos anos 1980 e que faz com que o modelo não esteja dinâmico como já foi. Nós temos um modelo, mas ele não está dinâmico. E também concordo com o segundo grupo, na segunda parte da afirmativa, de que estamos crescendo pouco há 25 anos.
IHU On-Line - Como seria um progresso sustentável? Como se podem integrar as possibilidades energéticas no Brasil e na América Latina ao modelo econômico vigente?
Tânia Bacelar - Eu acho que não pode. Nós teríamos que gradualmente mudar esse modelo hegemônico, que não dá conta das necessidades da maioria da população do Brasil, nem dá conta das nossas grandes potencialidades. Ele desperdiça muita potencialidade existente no Brasil, exatamente porque ele é excludente, seletivo, apropriado para o pedaço mais moderno do Brasil. E o País não é só o pedaço mais moderno. Mas essa fatia dita "não moderna" tem muito potencial. Temos que fazer uma mudança desmontando a máquina de desigualdade que foi instalada aqui. Só isso muda o Brasil.
IHU On-Line - Quais são as suas impressões do evento de Economia Solidária em que está participando aí em Brasília? Quais os principais temas que estão sendo discutidos no evento? O que você tira de mais importante até então?
Tânia Bacelar - Primeiro, destaco a força que esse tipo de economia já tem no País. O encontro revela isso. Eu achava que tinha menos. Desse ponto de vista, o encontro é positivo para revelar mesmo para pessoas como eu, que sou interessada no assunto, o potencial e os avanços que já se fez. Isso é muito positivo. Em segundo lugar, o evento mostra que é muito difícil consolidar esse tipo de economia no quadro da hegemonia do capitalismo. É difícil, mas não é impossível.
IHU On-Line - Quais as limitações da economia solidária?
Tânia Bacelar - A principal limitação que ela encontra é o aparato institucional, que está montado para a economia capitalista. Então, temos que atuar com o padrão de economia que se organiza em torno de outros valores, de outras relações sociais e de produção, num ambiente que está organizado para a economia capitalista. Esse é o principal entrave, tanto que há várias faixas no encontro pedindo mudança do aparato institucional, por exemplo, "novo aparato institucional para as cooperativas".
IHU On-Line - Qual a importância de se debater sobre Economia Solidária na sociedade contemporânea? Quais as possibilidades da sua aplicação dentro desse modelo conservador neoliberal vigente? O que a senhora pensa dessa proposta?
Tânia Bacelar - Estamos discutindo as suas vantagens, mas o fato é que ela existe e já tem uma dimensão interessante. Pelo que tenho lido recentemente, há uma estimativa que esse tipo de economia já deve representar algo em torno de 1/5 da produção brasileira e está mobilizando muita gente. O grande limite é que ele opera num ambiente desfavorável, organizado para outro tipo de economia, que é a economia capitalista. A base conceitual avançou muito. Hoje já se tem uma produção acadêmica muito mais consistente e as experiências concretas também avançaram muito. Só que o que nós temos hoje ainda é um subsídio do que poderá ser quando isso crescer no futuro. O interessante é que isso não acontece só no Brasil. Esse é um debate mundial.
IHU On-Line - A senhora aposta na proposta da economia solidária?
Tânia Bacelar - Aposto. Tenho paciência. É uma construção lenta, mas consistente. É importante destacar que o governo Lula criou uma secretaria de economia solidária. Essa é outra diferença. E essa secretaria tem hoje uma política, um programa de apoio. Eu não acredito que o governo construa a economia solidária, quem constrói é a sociedade, mas se o governo apoiar, é melhor.
* Instituto Humanitas Unisinos
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