quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Em Caracas, o morro desceu politizado - por Luiz Carlos Azenha - fonte: http://viomundo.globo.com


Em Caracas, o morro desceu politizado





É o mesmo cenário, por quilômetros e quilômetros de extensão. Nada substitui a presença física para entender o que é a Venezuela e em que contexto histórico surgiu Hugo Chávez e sua revolução bolivariana. Só vendo, como fez Eduardo Guimarães quando pegou um ônibus, um jipe com tração nas quatro rodas e foi ao topo de um dos "cerros".

Lá em cima eles se dividem, na gozação popular, entre os luz-azul e os luz-amarela. Os luz-azul foram contemplados, pelo governo, com lâmpadas de longa duração que economizam energia. Os luz-amarela teriam ficado de fora por serem da oposição.

É mais uma piadinha de um país rachado, em que Chávez é o "mono" ou o "zambo", respectivamente macaco e mestiço e aqueles que sempre mandaram são os "esquálidos", que vivem na "esqualidolândia", um conjunto de bairros de classe média e classe média alta.

Essa é a foto clássica, que pode ser vista em quase toda grande cidade da América Latina. Mas em Caracas é pior. Só um vôo de helicóptero daria a vocês a idéia do que estou falando. Como um país riquíssimo em petróleo chegou a esta situação? Por falta de um projeto de país.

Os líderes da "social-democracia" e da "democracia cristã" se sucederam torrando o dinheiro em importações sem se preocupar com a infraestrutura do país, nem com a inclusão social. A Venezuela é, ainda hoje, uma das campeãs mundiais de importação de uísque 18 anos, consumido pelo pessoal que vive do lado direito da foto acima. O pessoal que mora à esquerda bebe cerveja, quando não a versão local da pinga.

O golpe de abril de 2002, dado com apoio dos Estados Unidos e da Espanha, foi um gigantesco erro da oposição. Como escreveu o jornalista Teodoro Petkoff, ex-guerrilheiro, ex-ministro e ex-candidato à presidência, o golpe deu a Chávez e seus alidos "el plomo e la plata", o chumbo do Exército e o dinheiro do petróleo. Nenhum episódio contribuiu tanto para a radicalização da Venezuela. A intervenção bizarra do governo Bush, com sua política externa aloprada, cristalizou a divisão do país em dois blocos, com um discurso feroz.

O projeto de Chávez sempre foi definido como "autóctone", ou seja, se baseia na idéia de que é preciso industrializar a Venezuela com a renda do petróleo. A centralização do poder, contida na proposta de reforma constitucional, tinha o objetivo de dar ao Executivo o poder e a agilidade necessários para praticar um "getulismo" à venezuelana. Implantar um estado forte capaz de tirar o país da era pré-industrial. Criar um mercado interno através de políticas de transferência de renda e de concessão de benefícios sociais, como a aposentadoria para empregadas domésticas.

O papel atribuído ao movimento estudantil como "fiel da balança" no referendo aprovatório é uma criação da mídia. A ação dos estudantes nas ruas gerou as imagens necessárias à campanha de desgaste de Chávez, promovida pela mídia venezuelana por motivos eleitorais e pela mídia internacional para garantir o isolamento de Chávez, se ele resistisse a um resultado negativo e fosse derrubado.

O que pesou, mesmo, foram as defecções do ex-ministro da Defesa, Raúl Baduel, e do partido Podemos, que tem 30 cadeiras no Congresso e era aliado de Chávez. É em torno deles que vai ser construída uma aliança para enfrentar o chavismo, com o objetivo de capturar os 3 milhões de eleitores do presidente venezuelano que abandonaram o projeto de "democracia socialista" entre as eleições presidenciais de 2006 e o referendo de domingo passado.

Baduel era o único capaz de articular o afastamento de Chávez se ele se negasse a aceitar o resultado do referendo. O projeto da oposição passa por chamar um segundo referendo revogatório quando Chávez completar a metade de seu mandato e afastá-lo do poder pelo voto. Caso contrário, Baduel será o candidato à presidência em 2013, contra alguém que represente o projeto de Chávez.

Porém, não se sabe se a Casa Branca aceitará a presença de Chávez no poder com suas alianças com a Rússia, o Irã, a China e a política de empurrar para cima os preços do petróleo, atuando para isso na Organização dos Países Exportadores de Petróleo, a OPEP.

Chávez, claramente, "deu um tempo". Disse, depois da derrota, que a Venezuela ainda não está preparada para adotar o socialismo. Vai tentar recuperar, com um discurso mais moderado, os eleitores que perdeu para o "medo" de seu projeto bolivariano. Vai fortalecer as alianças regionais. E esperar para ver quem virá depois de George Bush.

Trocando em miúdos, depois de 11 vitórias eleitorais Chávez entrou com salto alto para o que seria a partida decisiva. Fez uma campanha curta, marqueteira, do "nós contra eles", atirando para todos os lados para "energizar" sua base nacionalista. Cometeu vários erros políticos, mas num projeto personalista o chefe nunca erra.

À oposição venezuelana, Chávez até agora não deu os argumentos necessários para que tome corpo a campanha que tem o claro objetivo de afastá-lo do poder, escancarando as gigantescas reservas de petróleo e gás da Venezuela para exploração pelas petroleiras ocidentais, com preços compatíveis com a "segurança energética" dos Estados Unidos.


Fui a Petare, sim, apontado como o bairro mais violento de Caracas. O processo de verticalização das favelas, que está em andamento no Brasil, já está quase completo na capital venezuelana. Responsável por mais da metade da atividade industrial da Venezuela, a cidade continua a inchar: 50% dos moradores vivem em favelas. Aqui o morro "desceu", mas não para fechar túneis. Desceu politizado, tomou o palácio presidencial pelo voto e não vai ser fácil tirá-lo de lá, com ou sem Chávez.


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