Revolução digital: Internet democratiza acesso à informação
O mundo moderno vive um fenômeno jamais visto na história da civilização. Em nenhuma era as inovações tecnológicas surgiram com tamanha velocidade e se incorporaram ao cotidiano da sociedade como ocorre desde o término da Segunda Guerra Mundial. A corrida científica protagonizada através da Guerra Fria proporcionou uma revolução ainda não compreendida em sua plenitude, tamanha sua abrangência e significado histórico. Do telégrafo de Marconi à Internet sem fio, o século 20 é marcado pelo uso da comunicação como instrumento de doutrina, convencimento e dominação. Através da propaganda e da comunicação massiva, um modelo de “vida ideal" foi difundido e implantado.
As diversas formas que o homem criou para se comunicar cumpriram a rigor este papel e facilitaram o trânsito das informações e do conhecimento. Infelizmente essa função foi extrapolada e hoje a comunicação, nos moldes em que se apresenta mundialmente, é uma forma de poder não constituído. Neste contexto surge a Internet, que numa primeira análise soa como um expoente deste modelo globalizador e dominante. No documentário de Silvio Tendler, “Encontro com Milton Santos ou o mundo global visto do lado de cá”, Milton Santos aborda com muita propriedade o assunto mostrando como a Internet pode ser o caminho para a democratização dos meios de produção e divulgação, além de poderosa ferramenta aos que estão à margem da sociedade.
Neste sentido, uma grande rede alternativa tem se estabelecido na periferia dos modelos centralizadores de profusão da informação e criando um novo conceito. Com ela é possível conceber e distribuir toda forma de produção cultural, da informação ao entretenimento, bem como acessá-los de forma gratuita. Essa independência conquistada por meio de uma produção cultural descentralizada e diversificada também provoca uma nova relação com o público, um novo paradigma na sociedade da informação denominado de "Cultura Livre". É baseado no espírito das comunidades de software livre onde o conhecimento tem que ser acessível e a tecnologia tem de facilitar essa troca, não impedi-la. Além disso, os bens culturais tradicionais passaram a ser mais acessíveis: livros, notícias, músicas, filmes e outros tipos de informação.
Ventos da mudança
Em recente artigo no site vermelho.org, Nelson Hoineff diz que "a era da massificação acabou". Na análise, o autor cita como exemplo a queda na audiência de vários programas globais. Segundo ele, o público está caminhando na direção de outras mídias "as pessoas estão desligando seus aparelhos de televisão e ligando seus computadores. Cerca de 36 por cento dos televisores brasileiros estão desligados em pleno horário nobre. Isso nunca havia acontecido. O índice vai cair muito na medida em que o brasileiro tenha acesso à Internet em banda larga."
Dados confirmam uma tendência de expansão da grande rede no país. Graças a uma conjuntura favorável – incentivo aos fabricantes, redução de juros e aumento do crédito -, neste ano, pela primeira vez na história, a venda de computadores ultrapassou a de televisores, numa curva ascendente prevista até o final da década. Já o aumento da procura por notebooks ajudou o país a saltar para a quarta posição no ranking mundial de vendas. O público brasileiro é um dos campeões mundiais em tempo de navegação, com uma média superior à de países como França, Japão e Estados Unidos. Outro índice aponta que os sites já se tornaram fonte primária de informação para 7 por cento dos brasileiros, deixando para trás meios consagrados como o rádio (4 por cento) e as revistas (1 por cento), e não está distante dos jornais impressos que respondem por 12 por cento. Em 2007, o Brasil obteve o maior crescimento do mundo no número de pessoas com acesso a computadores: 44 por cento da população de áreas urbanas já usam o equipamento e se conectam à rede mundial. Em 2002, apenas a metade. O fenômeno das lan-houses na periferia das grandes cidades, que estão possibilitando o acesso à rede mundial com custo reduzido, gerando renda e trazendo informação e cultura a locais desprovidos até mesmo de uma biblioteca ou escola ajudou nesse processo de crescimento.
Incluir para diversificar
Paulo Henrique Amorim, 65 anos, jornalista há mais de 30, é um convicto defensor da popularização da rede mundial como forma de diversificar a informação. Pioneiro na tv pela Internet, hoje mantém comentários e entrevistas no blog "Conversa Afiada" onde expõe com toda a acidez, temas que jamais serão tratados ou discutidos nos meios de comunicação tradicionais. Em artigo intitulado “Vênus perde o Laquê”, Amorim comenta a concorrência que os meios tradicionais passam a enfrentar: "A chamada mídia convencional nunca mais será a mesma, um exemplo disso é que no Brasil a Internet já é mais lida que os jornais, que vêem sua receita publicitária em queda. Eu digo que a democratização da mídia vai se dar nas Casas Bahia”.
Um aspecto que revoluciona uma característica fundamental da comunicação tradicional ajuda a compreender a tendência de preferência pela Internet. Ao proporcionar a interação entre o emissor e o receptor, através dos espaços para comentários e troca de e-mails, o sistema virtual acaba com a unilateralidade na comunicação. Para o jornalista Luiz Carlos Azenha, este é o grande diferencial proporcionado pela rede. Ele acredita que a popularização crescente destes espaços vem da vontade do espectador de deixar de ser um agente passivo “O grande fato que transforma a mídia é que a audiência não quer mais ficar apenas sentada no sofá. Quer participar. E a interatividade permite isso, principalmente na Internet”.
Jornalista há mais de 20 anos, em abril passado Azenha rescindiu seu contrato com a Rede Globo e passou a se dedicar exclusivamente ao seu blogo "Vi o mundo", com mais de 100 mil visitas mensais "Estreei em 2003 e o blog foi crescendo nas indicações de leitores. Troquei a Globo pelo site porque acho que o futuro está na Internet". Para ele, os blogs e sites podem dispor da mesma credibilidade dos meios tradicionais "como é que você sabe que o que vem escrito no jornal é verdade? A mídia corporativa realiza um trabalho contínuo de autopromoção, como se detivesse o monopólio da verdade. Porém, essa credibilidade vem sendo questionada com a disseminação de todas as notícias e opiniões que essa grande mídia esconde. Eu sempre pergunto: o que é que não saiu no telejornal? É tão importante quanto o que saiu”.
Paralelo ao debate sobre a concentração dos meios de comunicação, a Internet tem servido com uma importante ferramenta. Os blogs se constituíram em um espaço alternativo de informação e discussão da política nacional, onde anônimos e consagrados passaram a expor seus pontos de vista e informações diferentes das veiculadas na imprensa tradicional. O representante comercial Eduardo Guimarães, 46 anos, é um destes ‘blogueiros’ anônimos que se tornou referência na crítica à mídia, em especial durante as últimas eleições e na cobertura tupiniquim sobre a não-renovação da concessão do canal venezuelano RCTV "O que me levou a colocar no ar o blog é o mesmo que levaria um sociólogo, um jornalista ou qualquer cidadão a fazer o mesmo, isto é, o inconformismo com o nível da informação que se recebe".
Hoje o blog lidera uma mobilização nacional concebida através da Internet. O Movimento dos Sem-mídia (MSM) que promoveu uma manifestação em frente o jornal Folha de S. Paulo "eu não esperava toda essa repercussão. A expectativa era de que seria duro mobilizar as pessoas, mas vi que é possível fazê-lo. Se você levar em conta que o blog de um desconhecido levou 200 pessoas até de outros Estados para diante do maior jornal do país, as perspectivas são animadoras." Quanto à utilidade do espaço, Guimarães é modesto: "acredito que os blogs estão complementando a grande mídia, até por conta de omissões dela que levam as pessoas a procurar outras fontes de informação".
A Internet possibilita hoje um acesso ao conhecimento que jamais foi possível na história. Entretanto, paralela a esta produção incontida, é preciso vigilância para a qualidade, pois há uma enxurrada de inutilidades e informações falsas despejadas diariamente na rede. A regulação e o debate sobre o conteúdo na Internet são tão complexos quanto as inúmeras funcionalidades que a rede oferece. Entretanto, a utilização deste novo meio para a democratização dos espaços de comunicação deve ser incentivada, pois são iniciativas deste tipo que contribuem para uma sociedade mais justa e plural, em contraponto às grandes corporações, que a todo custo buscam manter sua hegemonia sobre o inconsciente coletivo.
Alvaro Andrade é estudante de jornalismo e colaborador do Fazendo Media.
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