sábado, 15 de dezembro de 2007

Frias explica - por Eduardo Guimarães - fonte: http://edu.guim.blog.uol.com.br/

Frias explica


Você quer saber por que a oposição precisava derrubar a CPMF de qualquer jeito? O jornal da família Frias, em editorial, explica tudo.

O título do texto é "Depois da queda" (14/12). Já sugere a "grande derrota" de Lula que a Folha "explicará", pois "queda" e derrota são irmãs. Além disso, o texto tripudiará sobre o "derrotado".

Há, entretanto, que ler as entrelinhas. Não tem jeito. Eu gostaria de pegar um jornal, abrí-lo e lê-lo com uma certa dose de confiança de que seu conteúdo me traria rapidamente as informações de que necessito. Porém, quando um meio de comunicação, pretensamente "isento", publica textos que suscitam mais perguntas do que respostas - se forem lidos atentamente -, alguma coisa está errada.
Assim sendo, adoto, a seguir, uma prática que está sendo cada vez mais comum nos EUA, por exemplo. O que seja, a prática de se fazer o contraponto sistemático de notícias de meios de comunicação autocráticos como a Folha de São Paulo e outros até piores do eixo Rio-São Paulo, que são os mais perigosos hoje em dia por conta de sua capacidade de gerar crises e de interferir (modificando) na governança do país e no funcionamento das instituições.
Para fazer esse contraponto, optei por comentar em negrito depois de cada parágrafo do editorial, materializando a leitura "nas entrelinhas" à qual me referi acima.

Folha de São Paulo, 14 de dezembro de 2007 - editorial

Depois da queda

Fim da CPMF requer corte emergencial no gasto público e retomada de negociação para mudar a estrutura tributária.
Já começo pelo subtítulo: li ontem na mesma Folha, e assisti no jornal da Globo e no Bom Dia Brasil, que o país está crescendo aceleradamente ao mesmo tempo em que a inflação vem caindo. Os veículos disseram também que este país conta hoje com a maior taxa de investimentos (internos e externos) privados dos últimos onze anos. Ora, nada contra "mudar a estrutura tributária", contanto que se saiba que "mudança" é essa que a Folha propõe, mas eu me apego mesmo é ao "corte emergencial de gasto público". Essa afirmação, genericamente como foi feita, esconde que gasto o jornal quer que o governo interrompa. Mais adiante, porém, descobre-se o que pretende a Folha - e em favor de quem.
O FIM abrupto da cobrança da CPMF não foi o melhor desfecho. Retirar de chofre R$ 40 bilhões do Orçamento, sem programa negociado de corte de despesas, não é o modo indicado para obrigar o setor público a gastar melhor o dinheiro dos impostos. De positivo, a sessão encerrada na madrugada de ontem mostrou que o Executivo nem sempre pode tudo no Congresso.
"O fim abrupto da CPMF não foi o melhor desfecho"? Bem, então, como foi a aposição tucano-pefelista que propôs - e conseguiu - esse "fim abrupto da CPMF", por que raios a Folha - e o resto da mídia - não fez uma daquelas monumentais campanhas que sempre faz quando está contra o governo? Se tirar "de chofre" 40 bilhões de reais do Orçamento da União foi ruim, isso foi ruim para quem? É claro que foi para o país. Assim, a oposição agiu contra o país. Pergunta: cadê a crítica à oposição?

Todo o processo de negociação conduzido pelo Planalto foi de um amadorismo espantoso. A soberba de quem julgava a renovação do tributo um evento de fim de ano tão certo como os fogos em Copacabana deu lugar, nos últimos dias, ao pasmo diante da derrota possível. A chegada de uma carta do presidente Lula que prometia 100% da CPMF para a saúde, quando a sessão no Senado rumava para o final, fechou a novela em cena patética.
Aí está: em vez de críticas a quem fez acontecer alguma coisa que a Folha considera, no parágrafo anterior, que não foi boa para o país, o jornal prefere criticar o governo por seu "amadorismo espantoso". Mas... "amadorismo" em quê? São as perguntas que vão surgindo, pessoal. O amadorismo é em enfrentar um ataque contra os interesses do país. Amadorismo, aliás, é o contrário de profissionalismo. Haveria que ser "profissa", como diz a juventude. Em política. O governo Lula, tão acusado de fazer da política um balcão de negócios, é amador e patético. E sobre os que criaram essa situação inoportuna num momento em que o país passa pelo único bom momento econômico desde o fim dos anos 1970, não será dito nada? Não, não será.
Controle de gastos públicos, destinação total da CPMF à saúde, baixa gradual da alíquota do imposto, redução de outros tributos, abatimento no Imposto de Renda, isenção para a baixa renda... A dispersão de "propostas" que circularam nas últimas semanas indica que nem governo nem oposição entraram nesse jogo para confrontar visões de Orçamento, tributação, gasto público e política econômica.
Mais uma vez, aparece o tal "controle de gastos públicos" sem que se diga que gastos querem que se corte. Mas vamos em frente, que, mais adiante, Frias explica isso.
Essa tal "destinação total da CPMF à Saúde" nunca ocorreu, até porque dinheiro, como diz a Miriam Leitão, não tem "carimbo". O dinheiro entra nos cofres do governo e destiná-lo totalmente à Saúde poderia até configurar redução nos gastos com essa rubrica do Orçamento, pois poder-se-ia fazê-lo inclusive retirando dinheiro proveniente de outros impostos.
Já propor "redução de outros tributos" (que tributos?) num momento em que o Estado está investindo - com excelentes resultados - para fazer o país crescer, e inclusive fazendo acontecer o crescimento que a mídia vem cobrando incessantemente, é demagogia pura. Em nenhum país desenvolvido toma-se medida de corte de impostos dessa forma, mudando o orçamento nacional em cima da hora. As sociedades desenvolvidas cobram responsabilidade da oposição para que não atrapalhe o funcionamento dos países.
Mas o que é escandaloso é que a Folha afirma a enormidade de que "nem governo nem oposição entraram nesse jogo para confrontar visões de Orçamento, tributação, gasto público e política econômica". Ah, é? Entraram para quê, então? O editorial não diz por que a oposição entrou "nesse jogo", mas, dizendo por que os Frias acham que o governo entrou, o texto deixa saber os motivos oposicionistas. Vejam só o próximo parágrafo.

O único interesse do Planalto era manter os cofres cheios por mais três anos. A oposição no Senado fixou-se no objetivo tático de impor uma derrota ao governo, contra a vontade explícita, no caso dos tucanos, de cinco governadores de Estado do PSDB. Não havia ninguém disposto a conciliar o imperativo de baixar os impostos e os gastos públicos com a necessidade de fazê-lo de forma ordenada e paulatina.
O que sugere a Folha, quando diz que "o único interesse do Planalto era manter os cofres cheios por mais três anos", é que o governo Lula pretendia ter dinheiro para gastança no período que antecede a eleição presidencial de 2010. Só que insinua-se gastança, mas o governo está gastando de forma que o país está crescendo aceleradamente, progressivamente, e isso, para a oposição, é péssimo eleitoralmente, pois com o país crescendo de forma sustentada - e até os "especialistas" da Globo dizem que esse crescimento é sustentado - o poder do presidente da República de influir na própria sucessão será arrasador, pois as pessoas quererão continuar com o grupo político com o qual o país está se desenvolvendo de forma tão consistente, por mais que a mídia tente atribuir todos os méritos aos tucanos, que governaram antes de Lula e entregaram o país em frangalhos, e todos os deméritos ao PT.

É importante que o governo Lula demonstre, após a derrota, a maturidade que lhe faltou ao longo do processo. Optar pela vingança e pela manipulação atabalhoada de outros impostos e de rubricas orçamentárias seria piorar as coisas. Agiu bem o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao assegurar as metas de superávit primário -a poupança para abater dívida pública.
Tradução: o governo deve arcar com a redução de suas despesas, mas não deve se vingar de quem é dos partidos que lhe retiraram receita, ou melhor, dos governadores da oposição ao governo federal que têm projetos para 2010, que, como todos sabem, são Aécio Neves e José Serra. E o governo também não deve aumentar impostos para substituir a CPMF a fim de ter como dar curso a um crescimento acelerado da economia que pode favorecê-lo eleitoralmente.

A adaptação emergencial à falta da CPMF deveria começar pela suspensão de gastos novos previstos para 2008, tais como aumentos reais para servidores e salário mínimo. Um pente fino nas emendas parlamentares se justifica. Na regulamentação da emenda 29, que tramita no Senado, pode-se trocar o indexador de gastos para a saúde: em vez do PIB nominal, um índice de inflação. A economia está crescendo com força, o que facilita a diluição dos custos do ajuste.
É aí, pessoal, que a Folha finalmente abre o jogo. E desprezemos os tais "aumentos reais para servidores" públicos. O que a oposição teme são aumentos anuais fortes no salário mínimo como os que o governo vem dando nos últimos anos. Esses aumentos estão distribuindo renda fortemente. Melhorarão a posição do Brasil no índice de Gini e farão dezenas e dezenas de milhões de pessoas ficarem satisfeitas com o governo Lula e com medo de trazer de volta ao poder políticos que quando estiveram no poder achataram o salário mínimo e mantiveram intocada a concentração de renda. É esse o sentido de "controle de gastos públicos" que você leu lá em cima. E não nos esqueçamos do PAC, que será fortemente prejudicado com o fim da CPMF. E trata-se de um programa que está funcionando, logrando acelerar o crescimento, como se está vendo pelos números recentemente divulgados.

Mas é preciso, sobretudo, que governo e oposição voltem logo às negociações com espíritos desarmados e ambições mais elevadas. A maneira de solucionar esse impasse de modo duradouro é reformar a estrutura da tributação e do gasto público no Brasil. Nesse diálogo o governo poderia recuperar parte do que perdeu na CPMF. O imposto do cheque poderia ganhar status permanente, no lugar de tributos mais perversos. E poderia ser costurado um pacto suprapartidário a fim de conter as despesas de custeio, mediante um programa para aumentar a qualidade e a produtividade dos serviços que o Estado presta à população"
Finalmente, a Folha dá o recado de Serra e Aécio ao governo federal: "Conceda-nos meios de também produzirmos benesses ao eleitorado e deixaremos vocês implementarem parte do vosso projeto de forma calculada, de forma que um de nós não herde um país em dificuldades e nos atribuam a derrocada do país depois dos anos de ouro de Lula".
Os tucanos acham que podem calcular como fazer o país chegar "morno" a 2010. O problema é que a experiência que tivemos com eles no poder mostra que eles são ruins de cálculo. A fórmula que usaram para calcular o câmbio fixo custou o sangue dos brasileiros.
E tem mais uma coisinha que muita gente talvez não tenha percebido: diante da pregação de que o governo não aumente o salário mínimo, quem pagará a conta, como sempre, serão os mais pobres. A menos que Lula tenha peito e faça exatamente o contrário do que recomenda o jornal.
*
Leiam, logo abaixo, o excelente comentário da profa. Vera Pereira, vice-presidente do MSM, sobre o assunto deste post. Um texto curto, divertido, inteligente, que diz tudo e mais um pouco. Parabéns, Vera.
"Tô pasma: O Globo online tem uma enquete mostrando que "artistas, celebridades e leitores" aprovam o fim da CPMF. O Faustão, a Xuxa, a Ana Maria "Brega", que devem ganhar aí uns 100 milhões ou mais por ano, certamente pagam uma baba! Segundo um site de tributaristas, uma conta bancária que movimenta 100 mil por ano, sem a CPMF, deixará de recolher tão somente 380 reais por ano. Se movimentar um milhão, poupará R$ 3.800 anuais; 10 milhões produzirão uma folga de 38 mil ao ano. Fiz minhas contas e concluí que no mês passado paguei justos R$ 19,25. E foi um mês excepcional. Por ano, dá quanto? Uns duzentos e poucos. Procurei uma sandália numa boutique de Ipanema e custava mais do que isso. Desisti da sandália. Daquela.Comprei outra pela metade do preço. Taí, graças ao PSDB/DEM vou poder comprar uma sandália chique no fim do ano que vem. E graças a eles vou ter de continuar pagando mais de mil (MIL) reais por MÊS de Unimed. E são esses cínicos que querem eleger o presidente em 2010 ! "


Escrito por Eduardo Guimarães - http://edu.guim.blog.uol.com.br/

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