sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Bolívia, Paraguai e as ações do governo Bush na vizinhança brasileira - por Luiz Carlos Azenha - fonte: http://viomundo.globo.com


Bolívia, Paraguai e as ações do governo Bush na vizinhança brasileira






Posada Carriles em uniforme do Exército americano, quando fazia treinamento numa academia militar americana em 1962. Agente da CIA, mais tarde ele se naturalizou venezuelano e, a partir de Caracas, promoveu atentados terroristas e fez carreira na polícia local, sendo denunciado por tortura e assassinatos.

Enquanto tenta promover a derrubada de Hugo Chávez e Evo Morales, através do financiamento a grupos de oposição da "sociedade civil", o governo de George W. Bush está sob fogo em Washington. Cai pelas tabelas, mas a mídia corporativa brasileira faz que não vê, ou quase não vê.

Dan Froomkin, do Washington Post, diz que Bush quer "liberdade para torturar", depois que a Casa Branca prometeu vetar legislação em análise no Congresso que pretende colocar os serviços de inteligência americanos sob as mesmas regras hoje seguidas pelas Forças Armadas em interrogatórios.

Essas regras, de acordo com Pamela Hess, da Associated Press, proíbem explicitamente "forçar a nudez de prisioneiros, a performance de atos sexuais ou poses simulando atos sexuais, a colocação de capuzes ou sacos na cabeça dos presos, colocar tape sobre os olhos dos presos; espancar, queimar ou dar choques elétricos nos detidos; ameaça-los com cães; a exposição ao frio ou calor extremo; promover execuções falsas; tirar a água, a comida ou o cuidado médico e waterboarding (a simulação de afogamento que causa no preso a sensação de que está morrendo sufocado)."

Esse é o governo que está bombardeando a Argentina e a Venezuela com propaganda. É o governo que prendeu cinco homens em Miami acusando-os de serem agentes secretos de Hugo Chávez mas deixa solto o Posada Carriles, que vive livre, leve e solto nos Estados Unidos, depois de cumprir breve pena por entrar ilegalmente no país.

O ex-agente da CIA, naturalizado venezuelano, é acusado de ser o mentor intelectual do atentado que derrubou o vôo 455 da Cubana de Aviação, em 6 de outubro de 1976. Numa entrevista ao New York Times, assumiu ter organizado atentados contra hotéis de Havana, em 1997. Quando era policial de carreira na Venezuela, foi acusado de ordenar a tortura de prisioneiros e de ter assassinado pessoalmente presos políticos.

Dois pesos e duas medidas...

A política externa do governo Bush tenta criar cisões no Mercosul porque não aceita um bloco econômico e político em seu quintal e está de olho nas reservas energéticas da Bolívia e da Venezuela. Para fazer propaganda, Washington conta com a ajuda de órgãos de imprensa brasileiros como "O Globo", que destacou hoje, em primeira página, não a notícia, mas uma conclusão editorial, ou seja, julgou e condenou: "Escândalo da mala mancha o início da gestão Cristina." A mulher tem três dias no poder e já foi condenada pelo "O Globo", o mesmo que escreveu, sobre a CPMF, que "o grande derrotado foi o modelo de carga tributária sempre em alta para financiar a gastança."

Para quem não sabe, o escândalo da mala envolve um empresário venezuelano-americano que está em Miami e foi preso em Buenos Aires com cerca de 800 mil dólares que teriam sido enviados por Hugo Chávez para financiar a campanha eleitoral de Cristina Kirchner. O empresário está sob proteção do governo Bush e vai ser utilizado nos próximos meses para vazar, aos poucos, "informações" sobre a interferência de Chávez em processos eleitorais de outros países.

Tudo indica que isso de fato aconteceu, mas é uma piada que os americanos se considerem aptos a dar lição de moral neste particular, especialmente quando despejaram milhões de dólares para "promover a democracia", "a formação de líderes políticos" e partidos de oposição na Venezuela e na Bolívia.

Em recente artigo distribuído pela BolPress, a advogada norte-americana Eva Golinger, autora de dois livros sobre a intervenção civil americana na Venezuela, disse que desde março de 2004 funciona um OTI, Office of Transition Initiative, na Bolívia, com dinheiro da United States Agency for Internacional Development, o braço civil do governo americano que é um dos condutos de dinheiro público americano para "promover a democracia".

A USAID contratou uma empresa privada, a Casals & Associates, para gerenciar 13,3 milhões de dólares que foram dados a 379 organizações, partidos políticos e projetos na Bolívia.

Segundo Golinger, que é chavista, "a USAID-OTI focou seus esforços para combater e influir na Assembléia Constituinte e no separatismo das regiões ricas em recursos naturais, como Santa Cruz e Cochabamba".

Dentre os projetos patrocinados estão, segundo a autora, "a educação cívica de líderes emergentes" e a "difusão de informação". Se não apóiam ativamente o separatismo na Bolívia, os Estados Unidos estão prontos para aceitá-lo, dentro de uma política externa pragmática que jamais desprezaria relações próximas das regiões que controlam os recursos naturais da Bolívia.

Uma Bolívia partilhada seria um desastre na fronteira do Brasil, já que o país é o maior fornecedor de gás natural para o Brasil, a Argentina e o Chile.

A interferência americana na política interna de outros países agora segue um novo modelo, abraçado tanto por republicanos quanto por democratas nos anos 80 para promover a instalação de regimes favoráveis, o que já aconteceu na Sérvia, na Ucrânia, na Geórgia, brevemente na Venezuela em 2002 e fracassou na Bielorrúsia. Se existem, essas iniciativas não deram resultado em países aliados dos Estados Unidos, como o Egito, a Arábia Saudita e o Paquistão.



Em análise publicada em 18 de setembro deste ano, os especialistas Adam Isacson, Joy Olson e Lisa Haugaard destacaram que a presença militar americana na América Latina, em grandes bases, é coisa do passado. O Comando Sul dos Estados Unidos, aquele que ajudou a organizar o golpe militar no Brasil, em 1964, mudou-se do Panamá para Miami.

A presença militar mais importante dos Estados Unidos na América Latina está em Guantánamo, Cuba, e nas instalações de Enrique Soto Cano, em Honduras. Desde o fechamento da base aérea americana no Panamá, o Pentágono adotou uma postura flexível. É uma presença militar conhecida como "Forward Operating Location", que mais tarde trocou de nome para Cooperative Security Locations, ou CSL. Trata-se de colocar em posições estratégicas um pequeno número de especialistas em logística, comunicações e coleta de informações. Uma boa parte do trabalho que era da CIA agora é feito por empresas prestadoras de serviço.

Sob o argumento de monitorar e combater o tráfico de drogas, um pequeno contingente de militares, agentes da DEA, da Alfândega e da Guarda Costeira americana opera no aeroporto Eloy Alfaro, de Manta, no Equador; no aeroporto Reina Beatrix, de Aruba; e no Hato International Airport, em Curaçao, parte das Antilhas Holandesas. São cerca de 450 homens em Manta e 250 em Curaçao.

Para não dar a impressão de que tem pretensões coloniais na região, o Pentágono, segundo os analistas acima citados, "parece ter fechado acordos em vários lugares da América do Sul, particularmente na Colômbia, onde pessoal militar americano apóia e assessora o Exército colombiano em várias bases (Tolemaida, Larandia, Tres Esquinas e outras); e no Peru, onde pessoal americano de combate ao tráfico de drogas tem uma presença semi-permanente em bases e radares de Pucalpa, Iquitos e Palmapampa, entre outros. Segundo a imprensa do Panamá, o SouthCom (comando militar Sul) também coordena vôos do aeroporto de Tocumen, na Cidade do Panamá."

É nesse contexto que se deve entender a declaração feita pelo presidente Lula em Caracas, depois de encontro com Hugo Chávez, segundo a qual os países mais ricos da região devem contribuir com o desenvolvimento dos mais pobres. O recado tinha destino: o Paraguai, país que fez vários exercícios militares conjuntos com os Estados Unidos até 2006. Houve intensa especulação de que os Estados Unidos passariam a usar a base aérea de Mariscal Estigarribia, que fica a cerca de 180 quilômetros da fronteira sul da Bolívia, perto das maiores reservas de gás natural do continente e do aqüífero Guarani, a maior reserva de água doce subterrânea do mundo.

Quando o Paraguai ameaçou fazer um acordo comercial em separado com os Estados Unidos, o ministro Celso Amorim foi claro: "O Paraguai deve entender que a escolha é entre o Mercosul ou outros parceiros possíveis".

Na campanha eleitoral paraguaia todos os candidatos atacam o Brasil, dizendo que o país é imperialista e está levando quase de graça o único recurso do país, a energia produzida por Itaipu.

As eleições no Paraguai acontecem em abril de 2008. A pesquisa mais recente, feita pela empresa Ati Snead, deu os seguintes resultados: o bispo católico Fernando Lugo, 43,5%; Luis Castiglioni, 32,5%; Lino Oviedo, 12,7%; Pedro Fadul, 2% e não sabem 9,3%.

Em entrevista a Dario Pingotti, em abril deste ano, Lugo afirmou:

"O Paraguai é uma ilha de abundância para umas 500 famílias rodeada por um mar de miseráveis. Por isso falo de um crescimento com equidade, não falamos de um socialismo igualitário. Depois de percorrer o país digo­‑lhe que se nota a falta da presença do Estado e também de investimentos privados. Não creio no estatismo nem no capital que busca a completa desregulamentação.

– O sr. incomoda­‑se quando é comparado com Hugo Chávez e com Evo Morales?

Há quem queira desqualificar a minha figura associando-a à de Chávez, mas creio que somos diferentes desde as nossas raízes. Ele é um militar, eu venho de uma formação social e eclesiástica. Sobre Evo digo que ele pode ser muito válido na Bolívia, mas eles têm uma porcentagem muito alta de população indígena, e no Paraguai isso não ocorre. Creio que Evo rompe com o paradigma político tradicional e é importante fazer uma leitura correcta do que isso significa. Ao mesmo tempo, não se pode ser presidente só dos indígenas num país pluricultural e pluriétnico. De todo modo, parece­‑me importante que o ingrediente étnico, que esteve tanto tempo esquecido, marque o governo de Evo. Estamos no século das grandes maiorias esquecidas pelos regimes oligárquicos que marcaram todos os nossos países e creio que a política é um processo, não creio nas torpezas irracionais. Creio que a flexibilidade não é sinal de fraqueza, mas de busca da verdade."

O bispo tem dito que corre o risco de ser assassinado, diante da ameaça que representa para a oligarquia local.

A estratégia política, econômica e militar americana para a América Latina ainda não pôde ser adaptada às rápidas mudanças na região, especialmente por causa do envolvimento dos Estados Unidos no Afeganistão e no Iraque. Embora tenham sido acusados de abrir ilegalmente escritórios de representação da Embaixada americana em várias cidades do interior da Venezuela, para se aproximar de políticos de oposição e dos recursos naturais do país, assim como foram acusados pelo governo da Bolívia de promover o separatismo, os Estados Unidos estão fazendo apenas o que sempre fizeram: defender seus interesses políticos, econômicos e estratégicos.



A Doutrina Monroe, que pregava a América para americanos, é de 2 de dezembro de 1823. Diante da ameaça de poderes externos europeus de interferir na região, o presidente James Monroe declarou:

"É impossível que os poderes aliados tentem estender o seu sistema político para qualquer porção do continente sem colocar em perigo nossa paz e felicidade; ninguém acredita que nossos irmãos do sul, se deixados por conta própria, adotariam a política (dos poderes aliados) por sua própria vontade. É impossível, portanto, que nós aceitemos essa imposição com indiferença".

Cento e oitenta e quatro anos depois eles continuam "nos protegendo".

Por Luiz Carlos Azenha - http://viomundo.globo.com

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