segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

A imprensa e o Código Penal - por Mauro Santayana - fonte: Blog do Mello(http://blogdomello.blogspot.com/)

‘Nenhum jornalista honrado aceitará a recomendação do chefe ou do patrão para atacar esse ou aquele cidadão’

No Jornal do Brasil de hoje:

A imprensa e o Código Penal

- Mauro Santayana

Propôs o deputado federal Miro Teixeira a revogação da Lei de Imprensa, remanescente da ditadura militar. Posto que, desde 1891, imitamos os constituintes de Filadélfia, seria conveniente adotar, na atual Constituição, ou em outra (que a consciência nacional pede), a interdição de que se legisle contra a liberdade de imprensa. Faz falta incorporar, em nosso Direito, a proteção do Bill of Rights de 1791, em sua Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos. O fato de que tenham precedido todos os outros direitos dos cidadãos pelo de expressão é significativo. No Brasil, essa liberdade é limitada. Entre outros fatores, há uma lei, também de 1967, que exige licença acadêmica para a profissão de jornalista. A lei admite a liberdade de os especialistas escreverem, nos jornais, sobre o assunto de sua ciência, mas impede que pessoas vindas do povo possam trabalhar nos jornais sem o diploma universitário, e neles publicar sua opinião. Nos Estados Unidos - e sob a proteção da Primeira Emenda - essa restrição não existe. Qualquer medida que restringisse a liberdade de expressão violaria o mais significativo dos rights do homem. Jornalista é qualquer um que saiba escrever.

A história política não seria escrita sem o conflito permanente entre a palavra e os poderosos. O poder sempre procurou amestrar os homens de talento, cooptando-os (algumas vezes com grande benefício para o Estado), ameaçando-os ou, finalmente, os matando. O saber e o mando são duas categorias da razão quase sempre em conflito, ainda que, em raríssimos momentos da História, saber e mando se equilibrem em espíritos excepcionais, como ocorreu entre os fundadores dos Estados Unidos. Há também homens de saber que se associam aos grandes líderes (o que houve na colaboração de Malraux com De Gaulle) para levar ao poder a ordem da razão. Mas, no caso da liberdade de imprensa, há argumentos mais fortes. O direito de cidadania não está limitado, nem poderia estar, aos conhecimentos escolares. Toda pessoa nasce com os mesmos direitos políticos, sem exceção, quaisquer que sejam sua origem de classe e suas aptidões intelectuais. Esse direito ela o tem por pertencer à espécie - e ponto. O uso dessa liberdade só estará submetido à sua própria vontade.

A liberdade de expressão é o primeiro dos direitos políticos invioláveis. A expressão não se limita à palavra. O termo é amplo. O homem se expressa pelas palavras, com que enuncia os seus juízos e a sua vontade, mas se expressa também em sua ação. Expressar-se não é apenas o logos, mas também é a práxis. É ser e agir, saindo para fora de si mesmo. Sem liberdade de expressão não se pode falar em constituições políticas ou em democracia.

Não se deduza que a liberdade de imprensa seja carta de corso para o assalto à reputação alheia. O jornalista não pode sair por aí, vociferando (muitas vezes sem provas) contra quem quer que seja, e permanecer impune. Ele deve responder pelos deslizes que cometa. E mais: a ética - não "ética jornalística", porque o vocábulo não aceita adjetivos - impede-o de revelar suas fontes. Cabe-lhe o dever de examinar os fatos, antes de divulgá-los. A Justiça não socorre os que dormem, diz o brocardo latino. Mas tampouco socorre os ingênuos. Dele é a plena responsabilidade pelo que escreve. Por isso, nenhum jornalista honrado aceitará a recomendação do chefe ou do patrão para atacar esse ou aquele cidadão, sem que assuma responsabilidade pessoal pelo que fizer.

A lei de imprensa é dispensável. Os jornalistas não se distinguem dos demais cidadãos. Não devem ser privilegiados, pelo fato de exercerem esse modesto ofício, nem castigados pela mesma razão. Cabe aos jornalistas e empresários dos meios de comunicação responder pelos seus atos, como qualquer pessoa, de acordo com a lei penal, que prevê os delitos de difamação, injúria e calúnia, e, sendo o caso, reparar as ofensas. Se a lei é branda ou rigorosa demais, que seja agravada ou suavizada conforme os fatos delituosos, com a reforma dos códigos aplicáveis. E que os parlamentares tenham a coragem que tiveram os fundadores da grande República do Norte: o Estado não pode penetrar na alma dos cidadãos, a fim de amordaçá-la, impor-lhe normas, conduzir sua fé, amolgar suas convicções. Por isso, o Congresso não deve legislar contra a liberdade de expressão. Há exageros e leviandade de alguns jornalistas e meios de comunicação, mas não é com leis arbitrárias que o problema será resolvido. Basta aplicar o Código Penal, o mesmo que se usa contra qualquer difamador e caluniador de botequim.


Share/Save/Bookmark

Nenhum comentário: