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por Luiz Carlos Azenha
Na quinta-feira da semana passada o Jornal Nacional do Ali Kamel produziu uma "reportagem" justificando o golpe em Honduras.
Já escrevi a respeito, está aqui
Teria sido apenas um "golpe constitucional", baseado no artigo 239 da Constituição hondurenha. Um golpe democrático, ou para salvar a democracia. A mesma justificativa que o jornal O Globo deu, em editorial, para festejar o golpe de 64 no Brasil.
Leia aqui como o jornal O Globo amou o "movimento de 64"
Ali Kamel aparentemente não leu toda a Constituição hondurenha. Convenientemente, ele se esqueceu de ler os artigos que dizem respeito ao direito de defesa e à presunção de inocência. Talvez ele não se interesse tanto assim por Honduras. Ou talvez subscreva cegamente a teoria neocon segundo a qual Hugo Chávez é culpado pelo aquecimento global, pelos congestionamentos em São Paulo e pelo mato que cresce no Jardim Botânico.
Os neocons americanos e a versão caricatural deles que cresce mais que mato no Brasil já faz tempo se dedica a fazer do antichavismo a versão recauchutada do anticomunismo. São trapaceiros intelectuais cujo discurso irracional encobre a falta de argumentos. Desde o macartismo o discurso dessa turma é o mesmo: o mundo está cheio de bichos papões dos quais você não conseguirá se defender, a não ser com nossa ajuda.
Isso até faz algum sentido político quando dito em Washington. Afinal, o neoconservadorismo é um movimento genuinamente americano, cujo valor central é a promoção da supremacia política, econômica e militar dos Estados Unidos. É a versão contemporânea daqueles discursos que sustentavam a supremacia racial dos europeus para justificar as barbáries que praticavam na África, na Ásia e na América Latina.
Há um tom religioso, milenarista na argumentação dos neocons. Eles precisam desesperadamente apresentar os outros como encarnações do demônio. Só assim conseguem vender seus serviços como exorcistas. Já viram as capas de Veja sobre o MST? Então já entenderam o que quero dizer.
Mas eu dizia que os neocons americanos fazem sentido no contexto político e econômico dos Estados Unidos. E lá eles genuinamente se dão bem. São requisitadíssimos como tropa de choque intelectual de interesses econômicos gigantescos. Querem saber quem são? É só ver quem sustenta as duas dúzias de institutos de Washington que servem de poleiro aos neocons locais. E dar uma olhada nos patrocinadores de revistas tipo Weekly Stardard, onde eles pagam marra de "inventores do mundo" diante da elite subintelectual de Washington.
Os neocons brasileiros são subamericanos, assim como a parte "bem-sucedida" da geração de FHC era subeuropéia. Só conseguem se ver assim, ora em uma relação de subordinação, ora em um relação de superioridade diante de seus interlocutores. Trocando em miúdos, descontam no Hugo Chávez e no Evo Morales o profundo sentimento de inferioridade que nutrem em relação aos genuinamente brancos de olhos azuis. Qualquer idéia original, não sectária, é uma ameaça a essa construção mental e, por isso, precisa ser esmagada, especialmente se não tiver recebido "certificação" superior. Por isso, Lula é a encarnação de tudo o que deu errado com o Brasil. E Chávez, na Venezuela.
O que nos leva a Zelaya, que é Chávez. E, se Zelaya é Chávez, tem parte com o demônio. Portanto, quem combate Zelaya é divino. Assim, Micheletti é divino. Do que resulta a reportagem segundo a qual Micheletti assumiu o poder de forma constitucional.
É esse pensamento simplista, binário -- no popular, de tico e teco -- que guia hoje o jornalismo da mais importante empresa de televisão do Brasil. E é divertido quando os fatos se encarregam de espancá-lo.
Horas depois da Globo dizer que Micheletti tinha apenas seguido o artigo 239 da Constituição hondurenha ao assumir o poder, o homem baixou um AI5. Fechou uma rádio e uma emissora de TV. Hoje, em Tegucigalpa, a polícia espancou um colega da Globo, jornalista da maior competência, que aparentemente "ameaçou" os soldados fortemente armados. O mesmo já havia acontecido com repórteres locais e mexicanos. Sem falar nas centenas de pessoas que foram mortas, presas ou espancadas ao longo dos últimos noventa dias pelo "governo interino e constitucional" do JN, pelas quais a emissora passou batido.
O golpe em Honduras não foi golpe apenas porque o presidente constitucional foi tirado de pijama do país, sem direito a defesa, nem julgamento. O golpe representou repressão a todas as demandas sociais dos eleitores de Zelaya. Ele aconteceu em uma região marcada pela supressão brutal e histórica de demandas sociais, frequentemente promovida e em benefício de um pequeno grupo e em detrimento da grande maioria. Foi, portanto, uma quartelada clássica, independentemente das filigranas jurídicas que o editorialista "ditabranda" da Folha e o Ali Kamel nos querem impingir.
Nessa hora eu gostaria muito de ver o Kamel em Tegucigalpa, cobrindo o "governo interino" de Micheletti, aquele que assumiu o poder "por acaso".
Fonte: Vi o Mundo
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