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Os homens podem ser solidários à luta contra o sexismo
por Maria Fro
Estou muito contente de ter sido convidada para fazer parte desta equipe de mulherada atenta e combativa.
Peço desculpas às parceiras do blog e aos leitores, pois a correria está grande e não estou com tempo de escrever.
Hoje no twitter, Flávio Sousa (@flavio_as) perguntou a mim, @denisearcoverde @semiramis : “existe homem feminista?”
Minha resposta foi algo assim: Como existem mulheres que reproduzem discurso e práticas machistas na educação de filhos e filhas ou que criticam mulheres que se opõem ao sexismo, pode haver homens solidários à luta das mulheres pelos seus direitos e que não reproduzam sexismo
Por isso gostaria de deixar registrado um belo post do Maurício Caleiro (@M_Caleiro) sobre sexismo e eleições e peço licença a ele para reproduzir seu texto na íntegra, aqui:
Sexismo e eleições
25/08/2009
Por Maurício Caleiro
Quem acompanha o blog há tempos sabe que eu, embora apoie o núcleo duro das lutas feministas – e atue na prática na defesa de suas demandas -, tenho uma visão extremamente crítica do feminismo xiita norte-americano, anti-sexo e anti-homem, cada vez mais presente entre nós com sua obsessão pela linguagem e por códigos reguladores de expressão e de conduta e com sua crença no construcionismo social como forma de reprimir o pulsar da natureza. Vi de perto o resultado social disso e não gostei nem um pouquinho.
Mais: tenho a absoluta convicção de que as mulheres brasileiras, com sua sexualidade aberta e pró-ativa, tem muito a ensinar às propagadoras desse feminismo assexuado e baseado na vitimologia, que vira e mexe ameaça – como agora – virar moda nos círculos acadêmicos, intelectuais ou de vanguarda – que vêm a ser justamente os mais colonizados da vida cultural brasileira. Parafraseando um texto feminista recente, traduzido de forma coletiva ao português, mulheres e homens não são o problema; são a solução.
Isso posto, afigura-se assustador o grau de sexismo e de chauvinismo que ronda a próxima disputa eleitoral – em que três candidaturas à Presidência situadas, em gradações variadas, à esquerda do espectro político, podem vir a ser representadas por mulheres: Heloísa Helena (PSOL-AL), Marina Silva (provavelmente PV-AC) e Dilma Rousseff (PT-RS).
Com mais de um ano de campanha pela frente, três episódios recentes justificam tais temores – sobretudo por não serem desferidos pelas forças mais conservadoras da sociedade, mas por comentadores culturais mais ou menos liberais.
Machismo proustiano
O primeiro foi o post de Marcelo Coelho intitulado “Lina Vieira, Dilma Rousseff” no qual a análise sobre o caso envolvendo as duas mulheres limita-se a um contraste sexista entre a “feminilidade de Lina Vieira e a dureza de Dilma”. Num episódio que se tipificou, na “grande imprensa”, pela inversão do princípio consagrado do Direito segundo o qual o ônus da prova cabe ao acusador, Coelho promove outra inversão: entre acusadora e acusada. Assim, acrescenta miopia política e abordagem tendenciosa a um sexismo a la anos 50: Lina, após ter sido, segundo ele, “massacrada no Senado por Romero Jucá, líder da base governista”, “Tornou-se frágil, delicada, do jeito que todo homem espera de uma mulher. Triste e bonito destino”. Sem comentários.
Já contra Dilma, Coelho brada as acusações de sempre: autoritarismo, “ausência de charme”, falta de feminilidade. Quanto a Marina Silva, Heloísa Helena e Marta Suplicy (?), ele pergunta, em tom de acusação: que mulheres são essas?
Sob o pretexto de responder à pergunta-acusação, elenca preconceitos em série: Heloísa Helena, embora “pudesse ser atraente”, “Representa, na verdade, a mesma dureza que Dilma encarna, numa versão mais burguesa. Por que, indago, não ser simplesmente uma mulher?”. É mais uma das muitas platitudes chauvinistas de um texto recheado de pérolas do tipo “O grande problema de uma mulher combativa é o de não parecer histérica” e no qual a inclusão inexplicada de Marta Suplicy – sobretudo se analisada face à exclusão de qualquer outra política da direita nacional, como Yeda Crusius, Roseana Sarney, Rosinha Garotinho ou Kátia Abreu – é significativa das antipatias político-ideológicas do colunista, que ao sexismo vêm se somar.
A grosseria maior de Coelho é direcionada a Marina Silva, que segundo ele não tem nenhum charme e contra a qual, como um machão de pornochanchada dos anos 70, comete a agressão suprema de afirmar que ela “Não é desejável sexualmente”. Educação refinada a do rapaz. Como apontou Marjorie Rodrigues em algum lugar que infelizmente não retive qual, ninguém pensaria em analisar a masculinidade de José Serra.
Embora Coelho tenha tido, ao menos, a decência de, com rapidez e de forma clara, sem subterfúgios, reconhecer que errou e pedir desculpas – procedimento raríssimo nas cercanias da alameda Barão de Limeira – , fica a pergunta: que ódios tamanhos teriam levado um crítico cultural de auto-proclamados laivos proustianos, da melhor estirpe uspiana (ex-aluno de Maria Victoria Benevides, como apontou @Maria_Fro), que sempre se caracterizou por análises equilibradas e detalhadas, a descer tão baixo?
Liberais chauvinistas
O segundo episódio deplorável foi um tweet enviado, na segunda-feira, 24/08, às 23:09h, pelo jornalista Jorge Pontual: “Se você receber um email intitulado: “Fotos nuas de Dilma Roussef”. Não abra!!! Pode realmente conter fotos de Dilma Roussef nua”.
Fiquei chocado. A imagem vendida pelo correspondente da Globo em Nova Iorque busca associá-lo à urbanidade e ao liberalismo, não a uma piada tão infame e sexista. Mas fui checar e, ao que tudo indica, não se trata de um perfil falso. Assim, por mais que o Twitter ultrapasse o âmbito da representação “institucional’ e ceda espaço à expressão do universo pessoal, uma declaração dessas atinge, a um tempo, o ser humano e o jornalista enquanto profissional – pondo em questão tanto sua imparcialidade para lidar, de agora em diante, com tudo que se refira à candidata em questão, quanto, de forma mais ampla, seu sistema de valores enquanto mediador de sentidos (inclusive morais) para milhões de telespectadores.
O terceiro e último episódio chegou a mim também via Twitter: a inacreditável coluna de Ruth de Aquino em Época intitulada “Abaixa esses dedos em riste, Dilma”. Sim, leitor(a), o tom imperativo é um indicativo da truculência verbal que está por vir – truculência esta que Aquino acusa em Dilma Rousseff, como parte dos esforços para “colar”, pela enésima vez, o rótulo de autoritária na pré-candidata do PT. Dessa vez, até um “expert” é chamado para dar bases pseudo-científicas à operação.
O machismo feminino
A coluna, de forma geral, é de uma baixeza e de um ódio figadal que a tentativa de afetar imparcialidade soa não apenas canhestra, mas má-intencionada à canalhice (desculpe, leitor(a), é a primeira vez que emprego tal substantivo adjetivado em um texto analítico, mas não há outra classificação cabível). Distorce os dados relativos às pesquisas de intenção de votos em Dilma, pintando, a partir dessa leitura distorcida, um quadro político-eleitoral inverossímil, baseado sempre no ouvi-dizer, sem citar uma fonte passível de checagem; acusa, por vias transversas, Dilma de mentirosa por, entre outras coisas, ela ter negado o encontro com Lina (como se esta tivesse produzido uma prova sequer de que ele de fato ocorrera); e, por fim, apresenta até “informações” equivocadas (como a que a ministra não teria concluído o mestrado, quando na verdade o fez; o que ela não concluiu foi o doutorado).
Mas o pior é a crítica sexista que domina o artigo, perpetuada através do contraste da figura de Dilma com uma imagem idealizada do feminino como docilidade e “bons modos” – como se estivéssemos na Inglaterra vitoriana. Para tanto, Aquino utiliza-se de uma série de fotos que captam flagrantes ocasionais de Dilma apresentando-se em público, descontextualizando-as e imbuindo-as de uma significação pré-definida de um modo tão tosco que uma criança que nunca ouviu falar em Análise do Discurso desconstruiria tal leitura em poucos segundos. Para tentar reforçar a pífia argumentação, A colunista chama um “psicanalista”, o dr. Daudt.
Daudt, como me lembrou @bruno_pinheiro, é aquele mesmo que, no dia posterior ao acidente com o avião da Tam em Congonhas declarou à Folha de S. Paulo que “”Gostaria imensamente de ter minha dor amenizada por uma manchete que estampasse, em letras garrafais, “GOVERNO ASSASSINA MAIS DE 200”. Ou seja, demonstra não ter nem equilíbrio emocional para exercer a psicoanálise nem isenção política para opinar no caso, como se vê (e as investigações sobre o acidente comprovam, desmentindo-o). Trata-se de mais um desses pseudo-experts sempre à disposição da mídia para referendar seus ataques políticos de baixo nível – na linhagem de Marco Antonio Villa e Demétrio Magnolli, mas de nível intelectual ainda mais baixo do que o desses dois.
Trechos da entrevista falam por si:
“Dilma fez plástica porque a cara que ela tinha antes da plástica era assustadora, era a cara de uma pessoa agressiva, autoritária, impositiva, de dar medo”.
Pergunta: “O que representa esse dedo erguido, a mão crispada?”
Resposta: “Há vários tipos de dedo em riste (…) O dedo cujas costas da mão estão viradas para o interlocutor, enquanto os outros estão fechados, é um gesto stalinista, reflete o desejo de impor uma opinião (…) O dedo erguido é quase um lembrete: olhe, a anágua está aparecendo.”
Armadilhas de gênero
Como essa “taxonomia do dedo”, exata em sua cientificidade e fina em sua expressão, demonstra com brilho, o artigo de Aquino é um lixo. Serve, porém, como um alerta para as armadilhas das questões de gênero – ao mesmo tempo em que reforça o equívoco do feminismo anti-homem made in USA – com o ataque mais pesado à Dilma vindo das penas de outra mulher, uma semana após uma coluna extremamente agressiva à candidata ter sido escrita por Danuza Leão.
Confesso que após ler o texto da colunista da Época fui acometido de uma tristeza profunda. Por um lado, por constatar, uma vez mais, que à tal dieta “cultural” é submetida uma legião de leitores – no caso de Aquino, de leitoras, sobretudo –, inocentes do lixo que se lhes é oferecido e crentes que aquilo é bom jornalismo.
Por outro lado, por dar-me conta de que conheço muita, mas muita gente boa, que não só escreve pra caramba como tem um senso ético apurado que os credencia a exercer um jornalismo incomparavelmente superior ao colunismo de baixo nível de Aquino – porém que simplesmente não encontram emprego.
Ao final, ao realizar uma última checagem para concluir este post, deparei-me com uma constatação que me desolou ainda mais e que se relaciona à razão de ser destes escritos: a de que a responsável pelo tal texto ética e jornalisticamente de quinta categoria é nada menos do que diretora da revista Época no Rio. Numa triste ironia, trata-se de uma mulher que se alçou a uma alta posição ocupada majoritariamente por homens – realizando, assim, um dos objetivos básicos do feminismo de resultados -, mas que se utiliza de sua posição para desferir ataques sexistas à candidata presidencial com mais chances, na história do Brasil, de ser a primeira mulher a assumir a Presidência. Lamentável.
P.S. Cerca de uma hora após publicar este post fiquei sabendo que Flávia Cera também escrevera sobre o tema – um ótimo texto publicado em um blog novo, criado em reação à atmosfera descrita acima e que, como seu nome indica, dedica-se a analisar justamente o Sexismo na Política.
Fonte: Sexismo na Política
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