por Pedro Fiori Arantes*
Desde o momento em que o pacote habitacional começou a ser negociado com a Casa Civil, as empresas de construção civil têm prometido ao presidente Lula sistemas "pré-fabricados" miraculosos para "resolver o problema da habitação". Foram diversos empresários que apresentaram sistemas construtivos inovadores com o objetivo de baratear o custo de construção da casa popular e viabilizar uma política massiva.
A miragem de que o problema da habitação é um problema de tecnologia faz parte do imaginário dos engenheiros e arquitetos há ao menos um século, quando a questão da habitação operária se tornou uma emergência nas grandes cidades européias. Foram testados os mais diversos meios de "baratear" a construção civil e a moradia passou a ser pensada como uma mercadoria industrial, uma "máquina de morar". Sob essa ideologia foram construídos grandes conjuntos habitacionais, em geral terríveis, seja na reconstrução européia, nos países do socialismo real, nas periferias em industrialização e mesmo nos Estados Unidos – onde um dos mais emblemáticos conjuntos pré-fabricados, em Saint-Louis, foi dinamitado em 1972, tornando-se o marco do fracasso desse tipo de intervenção.
No Brasil talvez o caso mais emblemático da panacéia tecnológica tenha sido a Cohab 7 de Carapicuíba, na grande São Paulo, construída no fim do BNH, em 1982, segundo a "nova tecnologia" batizada de Processo Coan. O objetivo era reduzir o tempo e o custo de construção e para tanto foi empregada uma técnica de alvenarias com 60% de gesso e 40% de cimento. Em três anos as placas começaram a trincar e a se desfazer, principalmente aquelas da cozinha e do banheiro – a ponto de os moradores terem que tampar com papelão ou jornal as frestas para poderem tomar banho. Coube à Luiza Erundina, do PT, derrubar o conjunto de cerca de 500 apartamentos em 1991, no que foi noticiado como a maior implosão da história. Mas, depois de acionados os explosivos, os edifícios surpreendentemente não caíram e depois tiveram que ser demolidos manualmente.
A população de baixa renda, dada sua incapacidade financeira para comprar uma mercadoria cara como a habitação, sempre serviu de cobaia para a adoção de "métodos não tradicionais de construção". A disparidade entre o custo do produto e a renda do comprador servia de álibi para que empresas e políticos ganhassem com o lançamento de novas soluções milagrosas a cada novo pacote habitacional. Mesmo que o resultado fosse trágico, a operação lucrativa teria durado o suficiente para produzir os ganhos econômicos e eleitorais dos agentes envolvidos.
A nova miragem tecnológica que está sendo vendida pelas empresas de construção ao governo, e na qual milhares de famílias terão que morar (ou sobreviver), é a casa de paredes de concreto. Ela é executada em poucos dias graças a um jogo de formas de alumínio que são posicionadas de modo a que o concreto seja despejado, enchendo as paredes que já ficam prontas para pintura. Cada jogo de formas para uma casinha térrea de 40 m2 custa aproximadamente meio milhão de reais, o que significa que ela deve ser utilizada centenas de vezes para ser amortizada. A Associação Brasileira de Cimento Portland e a Votorantim (maior produtora de cimento no país) estão divulgando a tecnologia, já empregada por algumas construtoras do setor econômico e "importada do México", como o modelo tecnológico que irá hegemonizar a produção – e afirmam que 50% a 70% das casas populares a serem produzidas no pacote habitacional contarão com esse sistema construtivo. Um crime!
Quais os problemas dessa tecnologia? Ela pressupõe a execução de conjuntos habitacionais periféricos de casas térreas sempre iguais, que têm se mostrado uma solução inadequada do ponto de vista urbanístico e social – pois promovem um caro espraiamento da infra-estrutura e serviços públicos, além da produção de guetos em bairros distantes e desprovidos de emprego. Trata-se de uma expansão que é predatória do ponto de vista ambiental e da sustentabilidade urbana em todos os níveis, socializando seu prejuízo para o conjunto da sociedade. É o "modelo Cidade de Deus", como apelidou Raquel Rolnik, em referência ao conjunto carioca que se tornou notoriamente conhecido com o livro de Paulo Lins e o filme de Fernando Meireles.
Do ponto de vista da casa-mercadoria produzida, ela é igualmente agressiva ao meio ambiente, por consumir desmedidamente cimento (cuja extração e beneficiamento são nocivos ao ambiente) e utilizar grandes formas de alumínio, material cujo consumo energético para ser produzido é imenso. As paredes de concreto têm baixo desempenho térmico e acústico e são inadequadas para um clima com grande oscilação de temperaturas ao longo do dia e ao longo do ano. No verão a casa vira um forno e no inverno uma geladeira, e o mesmo ocorre entre o dia e a noite. Os moradores também não podem fazer nenhuma reforma ou mudança nas paredes, que são estruturais, e mesmo para pregar um simples quadro na parede é preciso uma furadeira de alto-impacto, pois o prego não resiste.
Trata-se de uma pré-fabricação eficaz apenas para o capital, pois é baseada em um sistema fechado, como se produzir casas fosse o mesmo que "fazer geladeiras". Isso não quer dizer que toda a pré-fabricação seja inadequada. Sistemas abertos, modulares, que não condicionam um produto único, e que permitem alta qualidade arquitetônica e urbanística, já foram testados, inclusive por fábricas públicas, como as coordenadas pelo arquiteto João Filgueiras Lima na produção de hospitais e escolas. Transformar a casa em produto similar a uma geladeira é também negar a qualidade urbana necessária para a moradia nas cidades, a importância do território e da paisagem, a densidade construída, a integração de múltiplos usos e culturas, enfim, negar o que é fundamental para a riqueza da "vida urbana".
Como se sabe, o pacote habitacional do governo Lula não foi feito para melhorar as cidades e resolver o problema da moradia, mas para salvar o setor da construção. Para os empresários, o que conta são os milhões de litros de concreto que ali serão derramados.
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*Pedro Fiori Arantes, arquiteto, é coordenador da Usina, assessoria técnica de movimentos populares em políticas urbanas e habitacionais.
E-mail: pedroarantes@uol.com.br
Fonte: Correio da Cidadania
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