por Conceição Lemes
Em 22 de julho, o Viomundo denunciou: Reportagem da Folha sobre gripe suína é totalmente furada; uma irresponsabilidade.
A matéria da Folha de S. Paulo foi publicada no dia 19 de julho, domingo, com esta manchete na capa: Gripe suína deve atingir ao menos 35 milhões no país em 2 meses. Internamente, no caderno Cotidiano, o título Gripe pode afetar até 67 milhões de brasileiros em oito semanas e o primeiro parágrafo da reportagem, mais atemorizadores, previam uma catástrofe muito pior:
A pandemia de gripe provocada pela nova variante do vírus A H1N1 poderá atingir entre 35 milhões e 67 milhões de brasileiros ao longo das próximas cinco a oito semanas. De 3 milhões a 16 milhões desenvolverão algum tipo de complicação a exigir tratamento médico e entre 205 mil e 4,4 milhões precisarão ser hospitalizados.
Na ocasião, o médico epidemiologista Eduardo Hage Carmo, diretor de Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), do Ministério da Saúde, alertou: “Os parâmetros utilizados pela Folha de S. Paulo são totalmente furados. Não têm base epidemiológica, estatística, científica. Foi um chute a quilômetros de distância do alvo. Uma irresponsabilidade. Ao final desta fase da pandemia os números não serão os da reportagem da Folha. Serão bem menores”.
Hoje, 19 de setembro, faz dois meses (ou nove semanas) que a reportagem da Folha foi publicada. A realidade provou que o doutor Eduardo Hage, do Ministério da Saúde, estava absolutamente certo e a Folha completamente errada.
Nessa quarta, dia 16, o Ministério da Saúde divulgou o balanço da influenza A (H1N1), gripe A, mais conhecida como gripe suína. Nele, estão computados os números de junho, quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) confirmou a pandemia, até 12 de setembro.
* Nesse período de pouco mais de três meses, foram confirmados 9.249 casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) por influenza A. São casos graves de gripe pelo novo vírus: as pessoas apresentam febre, tosse e dificuldade para respirar, acompanhada ou não de outros sinais ou sintomas.
* Das 9.249 pessoas que tiveram gripe suína grave, 899 morreram. A taxa de mortalidade é de 0,46 para cada 100.000 brasileiros. É a quinta maior do mundo. Lembrem-se de que os casos, semelhantes à gripe sazonal, comum, representam 95% dos casos.
* Desses 9.249 casos graves, nem todos foram internados. “O fato de nem todos os casos graves de gripe A precisar de internação já evidencia o chute grosseiro do articulista da Folha”, observa Hage. Ele se refere a Hélio Schwartsman, autor da reportagem.
* Ainda existem casos aguardando confirmação laboratorial. Mesmo que todos sejam positivos para gripe suína, não atingiriam o dobro dos já confirmados.
“Este número, portanto, está muito longe da estimativa equivocada de que haveria de 3 a 16 milhões de pessoas com alguma complicação. Longe também se consideramos somente a estimativa de 205 mil a 4,4 milhões de casos”, atenta Hage. “Note que estamos levando em conta aqui um período de mais de três meses, quando o Ministério da Saúde começou a priorizar o monitoramento de casos. Logo, superior aos dois meses da estimativa da Folha.”
A Folha teve esta semana a segunda chance de assumir o erro pela reportagem irresponsável. Lamentavelmente, não o fez. A primeira foi quando questionada por seus leitores e pelo ombudsman Carlos Eduardo Lins e Silva.
Resultado: em 19 meses, a Folha de S. Paulo cometeu dois crimes contra a saúde pública brasileira. Não aprendeu que fazer política com notícias de saúde causa sérios efeitos colaterais e pode até matar.
O primeiro foi em dezembro de 2007/janeiro de 2008 durante a epidemia midiática de febre amarela. Junto com grande parte da mídia corporativa gerou pânico e levou milhões de pessoas a se vacinar inutilmente e a correr riscos desnecessários devido aos efeitos colaterais. Duas morreram estupidamente.
O segundo foi em 19 julho, quando publicou a reportagem com previsões absolutamente furadas sobre a gripe suína no Brasil.
Ambos os crimes com o objetivo político de atingir o governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva em benefício do governador José Serra, de São Paulo, candidato da Folha para presidente em 2010. Um jogo mesquinho e sujo em que vale tudo, inclusive prejudicar a população; ela que se dane. Conversamos um pouco mais com o doutor Eduardo Hage sobre o assunto.
Dr. Eduardo Hage, do Ministério da Saúde.
Viomundo – Como o senhor interpreta hoje a reportagem irresponsável da Folha, prevendo números catastróficos de gripe suína no Brasil?
Eduardo Hage – Representou uma tentativa mal sucedida e perigosa de desacreditar o Ministério da Saúde e gerar o pânico na população, utilizando malabarismos estatísticos que, já se sabia, não poderiam ser aplicados para a presente pandemia. Durante a entrevista ao articulista da Folha, eu alertei-o, mas ele ignorou. Indubitavelmente um equívoco colossal que em nada contribuiu para esclarecer a população, apenas confundir e alarmar.
Viomundo – A gripe suína matou até 12 de setembro 899 pessoas. Quantos óbitos a gripe comum causou nesse mesmo em anos anteriores?
Eduardo Hage – Nós temos fechados os dados de 2007. Se juntarmos as mortes por influenza + pneunomias + bronquites, já que muitas vezes uma doença leva à outra, temos 77 mil óbitos. A maioria dos países, porém, tem feito comparações com os casos e óbitos por influenza + pneumonias. Aí, se utilizarmos este parâmetro, foram 44.171 mortes em 2007. Se pegarmos apenas julho e agosto foram, respectivamente, 4.636 e 4.085 óbitos. Dá um total de 8.721 mortes. Em todo o período da pandemia de gripe A foram registradas no Brasil 899 mortes pelo novo vírus. Mesmo que juntássemos os demais casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) e os resultados laboratoriais pendentes, esse total é inferior à média de mortes registradas todos os anos por gripe comum e pneumonias. A síndrome respiratória aguda grave inclui os casos graves de gripe comum e as pneumonias.
Viomundo – Se poderia dizer então que a gripe suína mata menos do que a gripe comum, sazonal?
Eduardo Hage – Por enquanto, é preciso ter ainda alguns cuidados para fazer comparações sem correr o risco de malabarismos estatísticos. O mais prudente – e isso nós já começamos a fazer – é revisar todas as informações para comparar todos os óbitos por influenza + pneunomias de 2009 com os óbitos de anos anteriores.
Viomundo – Qual a grande lição da gripe suína?
Eduardo Hage – Nesta primeira onda da pandemia, a gravidade e a letalidade foram menores do que se supunha no seu início, quando surgiram os primeiros casos no México e Estados Unidos. A absoluta maioria das pessoas infectadas pelo novo vírus se recupera bem, como ocorre todo ano com a gripe sazonal. Na maioria dos casos, os sintomas também se assemelham muito ao da gripe sazonal. Em compensação, foram observadas algumas diferenças entre os grupos mais afetados, com predomínio de casos numa faixa etária inferior à que se observa na gripe comum.
Viomundo – A gripe sazonal afeta mais gravemente as pessoas acima de 60 anos e a gripe suína não.
Eduardo Hage – É o que indicam os dados até agora. A maior proporção de casos de gripe está concentrada na faixa de 15 a 49 anos de idade. Em adultos jovens – muitos sem fator de risco conhecido mas que tiveram a forma grave – se observou evolução para um tipo de pneumonia que não é comum na influenza sazonal. Nas análises mais recentes feitas pelos países, inclusive Brasil, se verificou que a maioria dos casos da nova gripe tem pelo menos um fator de risco que torna a pessoa mais vulnerável a desenvolver a forma grave da doença e evoluir para o óbito. Essas informações são fundamentais para a preparação para uma segunda onda da pandemia. Estima-se que ela ocorrerá a partir de outubro/novembro, quando começa o inverno nos países do Hemisfério Norte, como Estados Unidos, Canadá, Europa.
Viomundo – Mas para esta segunda onda já haverá a vacina.
Eduardo Hage – Exato. Só que não há capacidade de produção para imunizar toda a população do mundo. Então precisaremos estabelecer prioridades. São prioridade os grupos com maior risco de desenvolver a forma grave e óbito e os profissionais de saúde. No Brasil, existe o único laboratório da América que produzirá a vacina. Isso nos assegura maior tranqüilidade quanto ao acesso a ela.
Viomundo -- Vale a pena relembrar: quem tem maior risco de desenvolver as formas de gripe suína?
Eduardo Hage -- Crianças menores de dois anos de idade; pessoas acima de 60 anos; gestantes; pessoas com imunodepressão (por exemplo, pacientes com câncer, em tratamento de aids ou em uso regular de corticosteróides), hemoglobinopatias (doenças provocadas por alterações da hemoglobina, como a anemia falciforme), diabetes, cardiopatia, doença pulmonar ou renal crônica e pacientes com obesidade mórbida.
Viomundo – Qual a outra grande lição desta pandemia de gripe suína?
Eduardo Hage – Que a melhor forma de evitar o pânico é divulgar continuamente e de forma transparente para população e profissionais de saúde todas as informações sobre a pandemia no mundo e no Brasil. Para a população, a fim de que se proteja. Para os profissionais de saúde, para que atuem com mais segurança e proteção. Infelizmente, alguns setores da mídia e mesmo alguns profissionais de saúde contribuíram para que esta tranqüilidade não fosse mantida por todos.
Viomundo – De que forma?
Eduardo Hage – Por exemplo, alguns setores da imprensa fazendo previsões catastróficas E disseminando-as. Alguns profissionais de saúde recomendando medidas de saúde pública sem base científica, diferentes das preconizadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), pelo Ministério da Saúde. Foi o caso do debate sobre o uso do oseltamivir [Tamiflu]. Alguns profissionais de saúde e alguns setores da mídia recomendavam o uso do antiviral para todas as pessoas que tinham gripe sem nenhum sinal de agravamento ou fator de risco.
Viomundo – Esses mesmos setores alegaram que o Ministério da Saúde indicava o tratamento com antivirais apenas para aqueles grupos determinados porque não se dispunha de medicamento suficiente para todas as pessoas.
Eduardo Hage – Isso é mentira. É fácil demonstrar a inconsistência dessa afirmação. O número de tratamentos de oseltamivir distribuídos desde 24 de abril, pouco mais de 820 mil, é quase dez vezes maior que o número de pessoas que se enquadraram na definição de caso grave, ou seja, os casos de SRAG. Mesmo que tratássemos todas as pessoas gripadas sem fator de risco que procurassem os serviços de saúde, ainda assim teríamos quantidade mais do que suficiente do medicamento. A questão central é a seguinte: até o momento, não há nenhuma evidência científica de que se deve tratar todas as pessoas com sintomas gripais. Tanto que OMS, Estados Unidos e Canadá, entre outros países, só estão indicando o antiviral para os casos graves e para as pessoas com maior risco de desenvolver complicações. É o que adotou o Brasil. Esses países e a OMS têm reiterado que existe, sim, o risco de que o uso do antiviral fora das indicações citadas aumenta a probabilidade de o novo vírus desenvolver resistência ao medicamento. Mesmo quando não se conhece tudo sobre uma doença, como é o caso da nova gripe, precisamos ter muita tranqüilidade para adotar as medidas que sejam as mais indicadas com base científica.
Viomundo – O senhor esteve esta semana em Miami, Estados Unidos, numa reunião de países das Américas para tratar da segunda onda da pandemia de gripe suína. O Brasil já está se preparando para enfrentar a segunda onda?
Eduardo Hage – Neste momento, os países concentram os seus esforços para a segunda onda da pandemia da nova gripe. Daí essa reunião científica em Miami. Com certeza, estamos tomando todas as medidas necessárias para enfrentamento da segunda onda. Com as avaliações que estamos realizando com profissionais de saúde de outros estados e outros países bem como com outros setores da sociedade, as medidas de enfrentamento serão ainda mais aperfeiçoadas. Nesta semana, já haverá uma reunião no Ministério da Saúde, em Brasília, com todas as Secretarias de Saúde para tratar a segunda onda da pandemia da nova gripe. A estimativa é que deverá começar em outubro/novembro nos Estados Unidos, Canadá e Europa, entre outros países do Hemisfério Norte. Nos países do Hemisfério Sul, como Brasil, Argentina, Chile, Uruguai, e no continente africano, em maio/junho de 2010.
Viomundo – O Brasil tem a quinta taxa de mortalidade do mundo. A “grande” imprensa noticia com prazer cada vez que o Brasil sobe nesse ranking. Em cima disso, um leitor do Viomundo quer saber por que o Brasil tem mais casos atualmente do que os Estados Unidos, Canadá e Europa.
Eduardo Hage – É um detalhe que parte da mídia brasileira ainda não percebeu, não quer entender ou simplesmente ignora. A questão é simples. A nova gripe se disseminou primeiramente nos países do Hemisfério Norte. Os primeiros casos foram detectados em fevereiro/março. Em abril, a OMS fez o alerta global. Naquela altura, existiam casos confirmados no México, Estados Unidos e Canadá. Daí foi se disseminando para os países da Europa, da América do Sul. Acontece que a primeira onda da nova gripe no Hemisfério Norte coincidiu com a primavera. E gripe -- a nova ou a comum -- acontece principalmente no inverno. Portanto, a nova gripe chegou aos países do Norte -- inclusive na Europa -- fora do inverno. Diferentemente do que aconteceu no Hemisfério Sul. Ela chegou no final do outono e prosseguiu durante todo o inverno. E como no inverno há maior número de casos de gripe todos os anos, é natural que, neste momento, existam mais casos nos países do Hemisfério Sul, inclusive no Brasil, do que Hemisfério Norte.Fonte: Vi o Mundo
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