por Leonardo Sakamoto
A cadeia produtiva do algodão pode esconder vários problemas em suas diferentes etapas. Um exemplo do que pode conter sua cueca ou calcinha, se foram feitas de forma imprudente, ilegal ou imoral: desmatamento ilegal do Cerrado, contaminação de rios e lençóis freáticos pelo excesso de agrotóxicos, trabalho escravo ou infantil na produção do algodão, trabalho escravo ou superexploração na confecção de roupas por imigrantes ilegais latino-americanos em São Paulo. Poucos querem saber de onde veio o produto, contanto que ele custe barato. Com isso, surgem histórias como esta.
Pelo menos duas famílias inteiras (pai, mãe e filho) estavam sendo escravizadas na fazenda Paus Pretos, município Sebastião Laranjeiras, Bahia. A situação foi descoberta por meio de denúncia recebida pela Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego. A informação foi apurada por Bianca Pyl, aqui da Repórter Brasil.
(Sempre que dou essas notícias, coloco o nome do responsável pela propriedade. Dessa vez, não consegui descobrir ainda. Assim que souber, posto aqui.)
Os fiscais viajaram por mais de 150 km em estrada de terra para chegar até o local indicado e encontraram 70 escravos. Integravam o grupo 20 mulheres, uma criança de 12 anos e um adolescente de 17. “É uma região de difícil acesso: área de caatinga, sem estradas, placas ou informações. No local, constatamos a gravidade da situação. Eram muitos trabalhadores, muitas crianças acompanhando as mães e duas trabalhando com as famílias. O ambiente de trabalho era extremamente degradante”, detalha o auditor fiscal Joatan Gonçalves Reis.
Os trabalhadores foram aliciados por dois “gatos” (intermediários de mão-de-obra) nos municípios de Malhada (BA) e Iguanambi (BA), na mesma região da fazenda. Até o dia da chegada da fiscalização em setembro, os trabalhadores ainda não tinham recebido nenhum pagamento. O valor acordado com os “gatos” foi de R$ 3 pela arroba colhida da pluma de algodão. Para “receber” R$ 12 por dia, os empregados mantinham jornadas que se estendiam por dez horas. Uma jornada doce, igual a da cana.
Segundo Joatan, o pagamento por um mês de trabalho não chegaria nem a um salário mínimo (R$ 456) porque os trabalhadores eram obrigados a comprar a alimentação vendida pelos gatos e o valor era anotado numa caderneta para posterior desconto. “Além do isolamento geográfico, ficou clara a servidão por dívida, duas das situações que caracterizam o trabalho escravo contemporâneo”, argumenta o fiscal da Gerência de Vitória da Conquista. Nenhum empregado recebeu Equipamentos de Proteção Individual (EPIs).
As 20 mulheres libertadas também colhiam algodão. Elas foram trabalhar na fazenda carregando os filhos. Durante o dia, uma delas mantinha um bebê de apenas seis meses nos barracos que serviam de alojamento. “A maioria das mulheres não veio acompanhada dos maridos. Elas estavam somente com os filhos”, explica o auditor fiscal do trabalho.
O fazendeiro usou um galpão em que guardava o maquinário para alojar as famílias, separadas por uma lona. A Norma Regulamentadora 31 (NR-31) proíbe moradia coletiva nesses moldes. Os outros trabalhadores e trabalhadoras dormiam em barracos de lona e chão de terra batido. Não havia camas nos alojamentos. As pessoas dormiam em espumas, papelões e até diretamente no chão. Elas não tinham acesso a instalações sanitárias nem à água potável. Para cozinhar, as mulheres improvisavam um fogareiro no chão.
Os trabalhadores receberam os valores referentes à rescisão do contrato de trabalho e retornaram aos seus municípios de origem. Foram lavrados 17 autos de infração. “Alguns trabalhadores não tinham nem a Carteira de Trabalho, que foi emitida pelos fiscais”, conta Norma Pereira, superintendente regional do trabalho e emprego da Bahia.
Fonte: Blog do Sakamoto
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