domingo, 20 de setembro de 2009

A `Folha´ e o resmungo de Rossi: `jornalismo sou eu´

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por Rodrigo Vianna


"O Estado sou eu" ("L´État c´ést moi") foi a frase dita por um famoso monarca francês (Luis XIV), algumas décadas antes de as cabeças do rei e da rainha rolarem nas guilhotinas da Revolução.

A frase virou um emblema do Absolutismo.

Clóvis Rossi - colunista da "Folha" - escreveu um texto que me lembrou a frase absolutista.

Quem não vive em São Paulo talvez nem saiba direito quem é ele. O Rossi costumava ser um grande repórter. Ainda hoje, quando vai à rua, produz bons textos. Os colegas o respeitam, até pela disposição de - aos 60 e poucos anos - ainda dar plantão e participar de entrevista coletiva...

Como colunista, porém, ele tem aquela mania execrável de escrever mais para o patrão (e para a "turminha" da "Folha") do que para o leitor... Mas essas são considerações genéricas... Vamos ao fato concreto.

Rossi escreveu nesta quinta-feira (na página 2 do jornal da ditabranda) sobre a "liberdade na internet". Escreveu, não: resmungou. A internet parece chateá-lo. Rossi deve ter saudade dos bons tempos em que o jornalista, em seu pedestal, discorria sobre todos e sobre tudo. Dois ou três dias depois, um ou outro leitor escrevia uma cartinha... A internet, não. Permite interação, cobrança, crítica por parte do leitor.

Mas o que me chamou mais atenção foi a maneira como Rossi se refere aos blogs. Vejam:

"Não falta a praga dos blogs. Todo blogueiro parece achar que eu não consigo começar o dia (ou terminá-lo) sem ler o seu imperdível blog."

Ele dá a entender que todos os blogueiros do mundo enviam seus textos para o escrutínio do "grande mestre", colunista da "Folha". Como diria meu filho, o Rossi "tá se achando".

Ele também fala de "spams" e de assessores de imprensa que enviam (por email) "releases" para divulgar seus clientes. Ora, isso existia também na era pré-internet. Os releases chegavam pelo Correio, depois por fax... Sou muito mais jovem que o Rossi, mas lembro bem. Havia sempre um "contínuo" nas redações, com a função de distribuir os "releases" pelas mesas de cada jornalista.

O que isso tem a ver com liberdade de opinião na internet? Não consegui entender.

O resmungo de Rossi lembra-me a amargura de um padre "medieval", que tinha o monopólio da palavra e do saber e, de repente, sente-se perdido ao ver que - após Gutemberg - a Bíblia poderia ser impressa e interpretada sem ajuda dos clérigos.

O velho jornalismo é conservadorismo em estado bruto. É o absolutismo da informação!

Só que dessa vez não será preciso uma guilhotina para cortar a cabeça de ninguém. A internet é a arma para tirar o poder das mãos de quem ainda pensa como os reis absolutistas: "o jornalismo sou eu".

Quando esta página da história da comunicação estiver defintivamente virada, tentarei lembrar de Clóvis Rossi como o velho repórter - apaixonado e dedicado. E não como o colunista resmungão e ranzinza.

Abaixo, o texto publicado na "Folha".

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CLÓVIS ROSSI

Como me livro da internet livre?

SÃO PAULO - OK, Fernando Rodrigues, você venceu, pelo menos no primeiro tempo: o Senado liberou geral (ou quase) a internet para a campanha eleitoral, tal como você exigiu. Nada contra a liberação, mas agora quero que você me ensine como defender a minha liberdade da liberdade da internet.

Já há essa montanha de "spams" que nem o melhor anti-spam consegue deter completamente. Já há, para jornalistas, a pilha de "press-releases" que antes chegava no papel e agora entope a nossa caixa eletrônica de correspondência.

Não falta a praga dos blogs. Todo blogueiro parece achar que eu não consigo começar o dia (ou terminá-lo) sem ler o seu imperdível blog. É claro que, em época de campanha eleitoral, só pode aumentar a quantidade.

Acho que a legislação e até a Declaração Universal dos Direitos do Homem (e da Mulher) deveria incorporar o seguinte artigo: "Todo ser humano tem o direito inalienável a escolher ele próprio quais blogs quer ler. Quemimpuser seu blog à caixa postal alheia cometerá crime de lesa-humanidade".


Não faltam assessores de imprensa zelosos que mandam tudo o que seu chefe diz. Eu recebo diariamente todas as falas, por exemplo, do governador Aécio Neves. Fico aterrorizado só de pensar como será na hipótese de Aécio Neves ser candidato, qualquer que seja o cargo a que concorra.

Recebo também diariamente uma correspondência com o título "Imagens do Piratini". Imagino que seja do Palácio Piratini, sede do governo gaúcho. Olha, eu adoro o Rio Grande, sei até estrofes dos hinos do Grêmio e do Internacional, mas me reservo o direito de eu mesmo procurar que "imagens do Piratini" me interessam.

Na campanha eleitoral, tudo isso será multiplicado por mil ou mais.
Desse jeito, não vai sobrar tempo para trabalhar. Será esse o preço da liberdade?

crossi@uol.com.br

Fonte: O Escrevinhador

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