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Brasil e a crise m Honduras
Brasília emerge como a voz do Sul Global
por Pedro Aguiar, no Global Research, por sugestão do Milton Hayek
Rio de Janeiro --Tem sido uma semana marcante para a geopolítica latino-americana. Com a decisão do Brasil de hospedar o presidente derrubado Manuel Zelaya em sua embaixada em Tegucigalpa até ele ser restaurado ao poder (do qual foi removido por um golpe em 28 de junho), o continente finalmente mudou seu centro de gravidade do norte do Rio Grande para o coração do sul.
O golpe cívico-militar em Honduras foi o primeiro na América Latina desde a redemocratização da região nos anos 80 e 90 (sem contar o proclamado autogolpe de Fujimori no Peru em 1992) e recebeu condenação unânime. A tradição histórica do continente de golpes militares foi desafiada pela primeira vez. Depois da guinada à esquerda no início dos anos 2000, os atuais governos na região consideram que seriam vergonhoso e humilhante serem depostos à força. É um medo natural para eles que, se tolerarem um golpe, poderão ser os próximos.
Embora os Estados Unidos de Barack Obama tenham publicamente se juntado à unanimidade hemisférica para condenar o golpe, a palavra de que o Departamento de Estado e a CIA deram apoio à derrubada de Zelaya se espalhou pelas nações latino-americanas, causando desde suspeita a forte convicção. Embora nenhuma prova de interferência dos Estados Unidos tenha sido encontrada até agora, a história secular de apoio logístico e financeiro de Washington a "rupturas da ordem constitucional" (para usar um eufemismo) funciona como testemunha de acusação.
De outra parte, Luís Inácio Lula da Silva do Brasil emergiu como a voz líder dos governos da América Latina pedindo a imediata restauração do presidente democraticamente eleito de Honduras ao posto que lhe pertence. Dessa vez, não foi o teatral Hugo Chávez quem denunciou os Estados Unidos como diabo geopolítico, nem os tímidos diplomatas de centro-esquerda do Chile lideraram o enfrentamento contra forças reacionárias da região. Foi o presidente de uma estrela em ascensão, a brasileira.
Com sua economia rapidamente se recuperando da crise capitalista e praticamente reconquistando o milhão de empregos perdidos desde 2008, o Brasil se apresenta como a melhor coisa na cena global. O país é agora uma voz ativa para os países em desenvolvimento no G-20, nos BRICs (com Rússia, Índia e China) e no IBAS (com Índia e África do Sul), enquanto as chamadas para cooperação Sul-Sul finalmente se materializam com investimentos cruzados e um lobby unido na Organização Mundial do Comércio. Historicamente, os diplomatas do Brasil (faz tempo chamado de "gigante adormecido") tem deliberado sobre como transformar a maré alta econômica em poder político nas relações internacionais.
Parece que os problemas de auto-confiança estão sendo resolvidos agora. O Itamaraty, como o ministério das Relações Exteriores é chamado, decidiu adotar uma posição firme contra o golpe e a ajudar Zelaya a retomar o poder. O Brasil dá abrigo ao presidente derrubado em sua embaixada em Tegucigalpa, onde afirma que ele chegou "por meios próprios" -- embora se saiba que é altamente improvável que Brasília estava completamente desinformada sobre a chegada dele, o que o Itamaraty nunca vai admitir. Além disso, Lula usou seu discurso de abertura na Assembléia Geral para exigir o retorno imediato de Zelaya a seu posto, enquanto o Brasil pedia uma reunião de emergência do Conselho de Segurança. Mesmo outras entidades internacionais como a Organização dos Estados Americanos e o Fundo Monetário Internacional, que no passado apoiaram regimes autoritários, se juntaram à condenação.
Qualquer coisa mais que isso seria interferir nos assuntos internos de uma nação estrangeira. Lula tem dito repetidamente que não cruzará esse limite, mas ao mesmo tempo se negou a sentar sobre suas mãos. No entanto, isso é exatamente o que as elites conservadoras do Brasil alegam. No último sábado, a revista brasileira de ultra-direita Veja publicou uma capa acusando o Brasil de "imperialismo megalomaníaco" -- sem dedicar uma linha à tradição centenária de imperialismo dos Estados Unidos. Os partidos de oposição, PSDB e Democratas, criticam o Itamaraty por hospedar o presidente legal de Honduras. No telejornal diário a TV Globo colocou uma reportagem na sexta-feira argumentando que o que havia acontecido em Honduras em junho "tecnicamente não foi um golpe", citando texto da Constituição de Honduras. O artigo 239 diz que qualquer presidente que propor alterar o banimento da reeleição seria automaticamente removido, mas a emissora omitiu que Zelaya nunca fez isso, apenas propôs um referendo.
O que todos omitem, no entanto, é que o Brasil não tem outros interesses em Honduras, mas o de usar sua força política na região, algo que não pode ser visto como ameaça, mas como uma questão de interesse da Nação. Além disso, o Brasil não está agindo apenas em sua defesa, mas em defesa do Sul global como um todo. É a primeira vez que nações pobres levantam uma única voz contra o uso da força bruta na política. E o isolamento que os governos regionais impuseram ao governo de fato em Honduras é sem precedentes, mesmo contando o que aconteceu com Cuba no início dos anos 60.
Com Fidel Castro envelhecendo e oficialmente fora do poder, o papel antagonista no script geopolítico das Américas era de Hugo Chávez da Venezuela. Mas talvez o estilo bombástico de Chávez tenha sido contraproducente para sua própria política externa e para a esquerda em geral, enquanto o papel mais discreto de Lula -- ainda que direto -- se provou bem sucedido em outras crises regionais como as da Bolívia, Equador e Haiti, onde o Brasil tem 1.200 soldados sob capacetes azuis das forças de paz da ONU desde 2004.
Que fique claro: Zelaya não é um esquerdista ideológico, mas um líder populista na mesma tradição à qual a América Latina está acostumada. Mas ideologia não é a questão central aqui: trata-se de mandar uma mensagem aos militares para que fiquem nos quartéis. Se tivesse acontecido a um governo liberal ou conservador, o grito contra a remoção ilegal de um chefe de Estado eleito seria o mesmo -- talvez em tom menor.
Mesmo que haja um impasse nos próximos dias que evite que Manuel Zelaya saia da embaixada brasileira e caminhe em triunfo até o palácio presidencial em Tegucigalpa, a ponte foi atravessada quando se trata da mudança nos poderes regionais. Qualquer derrota de Zelaya agora não seria exatamente uma derrota do Itamaraty, mas reforçaria sua vitória moral: conseguiu forjar uma unidade sem precedentes no continente e deixou claro que a idade dos golpes militares na América Latina acabou.
Fonte: Vi o Mundo
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