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A atitude de Zelaya jogou a crise hondurenha, latino-americana e mundial (porque os Estados Unidos e a União Européia também estão envolvidos, pelo menos na moldura da situação) na hora incerta dos “ses”. Uma coisa é certa: de ambos os lados da contenda devem estar se fazendo as contas sobre os apoios e os contra-apoios no caso desta ou daquela decisão.
por Flávio Aguiar*
A “decisão decidida” do presidente hondurenho Manuel Zelaya, ao voltar ao país e se refugiar na embaixada brasileira deixou todo mundo perplexo. Todo mundo? Mais ou menos. Zelaya deu uma declaração diplomática dizendo que o Brasil não fora informado sobre seu plano, o que certamente evita melindres oficiais. Mas é difícil imaginar que nenhum tipo de sinal tenha sido passado a pelo menos algum assessor de Lula antes do acontecido. Seria uma loucura Zelaya ver-se simplesmente no olho da rua, com a multidão sim a seu favor, mas com os falcões da ditadura nos seus calcanhares, provavelmente prontos para “suicidá-lo”.
A atitude de Zelaya jogou a crise hondurenha, latino-americana e mundial (porque os Estados Unidos e a União Européia também estão envolvidos, pelo menos na moldura da situação) na hora incerta dos “ses”. Se isso acontecer, se aquilo vier a se passar, se aquilo outro ainda ocorrer, etc.
Uma coisa é certa: de ambos os lados da contenda devem estar se fazendo as contas sobre os apoios e os contra-apoios no caso desta ou daquela decisão. No lado golpista, a aposta óbvia é a de que os falcões norte-americanos vão prevalecer sobre a retórica do presidente (a quem os próprios partidários da ditadura chamam de “el negrito”), ajudados pelas declarações algo patéticas (ou às vezes patetas mesmo) de Hillary Clinton.
Outra coisa é certa: se isso acontecer, o presidente Obama estará perdendo terreno na sua luta pela implantação do novo sistema de saúde universalizado nos Estados Unidos. Esperemos que, pelo menos, seus estrategistas políticos façam essas contas direito. E os Estados Unidos continuarão a perder terreno na América Latina.
Para a União Européia, Honduras é muito longe, com a exceção talvez da Espanha. Mas o restante da América Latina não é. Se a linha dura golpista prevalecer, sem uma contrapartida concreta que procure impedir isso, a União Européia também perderá terreno na América Latina.
Entre os falcões hondurenhos haverá quem esteja fazendo já os planos para a invasão da Embaixada Brasileira e para enfrentar as conseqüências. Se isso acontecer, além das medidas que deverão ser tomadas, com o rompimento de relações entre os dois países, a culpa será jogada sobre a inércia do governo norte-americano, com novas conseqüências pesadas para o lado de Washington.
Se Zelaya prevalecer, seja em que condição for, até mesmo a de um presidente sem poderes (como na crise de 1961, no Brasil, quando os golpistas tentaram impedir a volta e a posse de João Goulart, e tudo acabou no parlamentarismo provisório), o Brasil e o presidente Lula sairão tremendamente reforçados, não só na América Latina, mas também na ONU, no G-20 e em quanto mais G-qualquer algarismo houver. Dizer que o Brasil comprou desnecessariamente uma briga com Honduras é jogar areia nos próprios olhos, pois significa esquecer o novo papel que o Brasil está assumindo pelo mundo a fora. A BBC/TV tem uma publicidade em que eles dão a palavra, numa montagem que simula um diálogo, aos “políticos mais poderosos do mundo”. Lá estão até George Bush e Barack Obama; o único latino-americano que aparece é o Presidente Lula.
Mas o “se” mais importante está sendo jogado em Honduras. Trata-se de se saber se essa crise, num país há muitos anos inteiramente dominado por políticas conservadoras de extrema-direita, provocará ou não um reforço das organizações populares hondurenhas, e se jogará para uma abertura em direção a novas políticas progressistas frações da classe média, da burguesia, das Forças Armadas e do clero.
Os golpistas hoje dominam a mídia hondurenha; também é de se perguntar se os desdobramentos dessa crise criarão a consciência da necessidade de uma mídia alternativa no país. Se isso acontecer – as forças progressistas se reforçarem – a aposta num retorno mesmo que mitigado de Zelaya cresce em importância, até porque um futuro governo (em que ele e seus aliados diretos serão parte decisiva, mesmo que o então ex-presidente não o encabece diretamente) terá respaldo e pressão popular para seguir a via da inclusão social.
*Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior
Fonte: Carta Maior
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