na foto, Dalmo Dallari
Por Luiz Egypto - Observatório da Imprensa
O direito na imprensa
Este Observatório [da Imprensa] apraz-se em anunciar a chegada do jurista Dalmo de Abreu Dallari ao seu time de colunistas regulares. Ele escreverá quinzenalmente sob a retranca "O direito na imprensa" e seu foco preferencial serão as "imperfeições da imprensa no tratamento de matéria jurídica", como adianta na entrevista a seguir.
Dallari nasceu em Serra Negra (SP) há 77 anos, neto de imigrantes italianos. Em depoimento ao site Direito do Estado, ele lembra da biblioteca de sua mãe e da sua paixão pelos livros – o que foi decisivo para que o jovem Dalmo se interessasse pela leitura – e do hábito de seu pai ler o jornal, em voz alta, a uma platéia de colonos italianos reunidos em sua loja de sapatos para, em seguida, explicar as notícias lidas – o que teria despertado naquele garoto a vocação para a docência.
Aos 15 anos transferiu-se para a capital São Paulo, onde estudou e descobriu bibliotecas públicas que permitiam o empréstimo de até quatro livros por quinzena. Foi uma festa para o ávido leitor. Ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo em 1953. Estudava à noite e durante o dia trabalhava como propagandista de produtos farmacêuticos. Como lia muito e gostava de escrever, já no primeiro ano assumiu a função de redator-chefe do jornal do Centro Acadêmico XI de Agosto. Graduou-se em 1957 na faculdade da qual posteriormente foi diretor e, hoje, é professor emérito. Desde 1996 é professor da cátedra Unesco de Educação para a Paz, Direitos Humanos e Democracia e Tolerância, criada na Universidade de São Paulo. Alguns dos seus livros são “Elementos de teoria geral do Estado”, “O poder dos juízes”, “O futuro do Estado”, “Direitos humanos e cidadania”, “O que é participação política” e “O que são direitos da pessoa”.
Eis sua entrevista, feita por e-mail.
Professor Dalmo, seja bem-vindo ao Observatório da Imprensa. Como será sua coluna "O direito na imprensa"? Quais os temas prioritários desse espaço?
Participar do Observatório da Imprensa é, verdadeiramente, um privilégio e também uma enorme responsabilidade. O grande prestígio do Observatório e o respeito de que ele goza oferecem a possibilidade de falar a um público muito numeroso e também muito exigente, que não recebe passivamente as informações, os comentários e as críticas, mas tem opinião própria e avalia o que está sendo transmitido.
Tenho sido crítico, numa roda íntima, das imperfeições da imprensa no tratamento de matéria jurídica, tanto pela imprecisão de muitas informações, às vezes até mesmo erradas, quanto pela avaliação do desempenho de autoridades e instituições da área jurídica, revelando desconhecimento de peculiaridades básicas dessa área fundamental para a sociedade democrática e para a busca de justiça nas relações sociais. O que pretendo com a coluna "O direito na imprensa" é chamar a atenção para as lacunas e impropriedades nas informações e nos comentários, falando com serenidade e independência, externando lealmente e com imparcialidade meu pensamento, sem perder de vista que minhas palavras serão avaliadas por especialistas de outras áreas e também por conhecedores do direito.
Decisão recente do STF extinguiu a lei de imprensa, um dos tantos entulhos autoritários herdados ditadura. Sua eliminação pura e simples foi de fato a solução mais acertada? Os códigos Penal e Civil dão conta de regular as cada vez mais intrincadas relações da cidadania com a mídia?
A lei de imprensa, herança de um período ditatorial, continha muitos pontos incompatíveis com os princípios democráticos consagrados na atual Constituição brasileira. Creio, entretanto, que foi exagerada sua completa eliminação, pois em muitos pontos ela atendia a necessidades da sociedade e dos indivíduos, como, por exemplo, na fixação de responsabilidades.
A meu ver, existe a necessidade de uma lei de imprensa que estabeleça, ou pelo menos procure estabelecer, o equilíbrio entre direitos e responsabilidades. As condições atuais da vida social e as tremendas inovações ocorridas no instrumental de comunicações, o novo relacionamento do povo com a mídia, estão exigindo a fixação de regras legais adequadas, inclusive em linguagem apropriada a essa esfera de atividades, exigência que não encontra resposta adequada e suficiente nos códigos Civil e Penal.
Como garantir, à luz da legislação atual, celeridade e relevância ao instituto democrático do direito de resposta?
Para que seja dada a necessária celeridade ao instituto democrático do direito de resposta é necessária a criação de instrumentos processuais próprios, ágeis, não sujeitos a embaraços e questionamentos formais. Nos últimos anos já foram introduzidas inovações importantes na própria organização judiciária brasileira, com a criação de juizados especiais. Esse também é um aspecto importante que deve ser considerado, para que o direito de resposta seja efetivo e possa ser exercido oportunamente, para minimizar os efeitos de comunicações erradas ou imperfeitas, divulgadas de boa ou de má fé, que podem trazer enormes prejuízos a direitos fundamentais de pessoas e instituições.
Quando se discutem mecanismos de regulação dos meios de comunicação – em especial os de radiodifusão, que operam sob concessão pública –, a maior resistência ao debate se dá sob a alegação de que quaisquer movimentos nesse sentido colidiriam com os direitos à liberdade de imprensa e de expressão. É um argumento válido? Por quê?
Os direitos à liberdade de imprensa e de expressão fazem parte do núcleo básico dos direitos fundamentais numa sociedade democrática. Entretanto, não se pode perder de vista que eles convivem com outros direitos, havendo sempre a possibilidade de conflito de direitos numa determinada situação concreta. Isso quer dizer que nenhum direito é absoluto, de tal modo que devam ser ignorados os efeitos sociais de seu gozo e seu relacionamento com os demais direitos. A Constituição consagra princípios fundamentais que devem ser tomados como base para a solução de eventuais conflitos dessa natureza, como, por exemplo, a dignidade humana e a cidadania, que podem ser invocados, não como limitações mas como condicionantes do uso dos direitos fundamentais.
Como avalia a desenvoltura com que magistrados, quase sempre de primeira instância, exercem o que chamamos neste Observatório de "censura togada"? Onde reside a legitimidade dessas decisões?
A afirmação da ocorrência do que muitas vezes tem sido chamado de "censura togada" é um dos pontos que exigem mais informação, busca de compreensão dos parâmetros jurídicos e serenidade na avaliação. Ainda agora foi desencadeada uma série de acusações ao juiz que estabeleceu restrições a um noticiário relacionado com a família do senador José Sarney. Mas, concreta e precisamente, o que foi que o juiz proibiu e como fundamentou sua decisão? Para uma avaliação correta e responsável de sua decisão é fundamental o conhecimento dos termos precisos da proibição, os dados de fato e os fundamentos legais em que se apoiou o juiz. Entretanto, nem o jornal que se considera vítima de censura nem qualquer órgão de comunicação publicou o texto da decisão.
Observe-se que, por exigência legal expressa, o juiz é obrigado a fundamentar sua decisão e ele deve ter feito isso, pois a falta de fundamentação ou a invocação de fundamentos errados já teriam levado à anulação da proibição pelo tribunal que apreciou o recurso e que, ao contrário disso, manteve a decisão. Casos desse tipo deverão ser objeto de avaliação crítica na coluna "O direito na imprensa", sempre tendo como base as exigências do Estado Democrático de Direito.
E no caso do impedimento da divulgação, pelo jornal Estado de S.Paulo, de informações sobre a investigação da Polícia Federal acerca do filho do presidente do Senado? O que pensar da proximidade do desembargador Dácio Vieira com a família Sarney e da demora na apreciação do recurso impetrado pelo jornal?
Essa questão remete à anterior: o que foi, exatamente, que o juiz proibiu? Como o juiz fundamentou sua decisão? Há poucos anos tive oportunidade de participar de um debate no [programa televisivo do] Observatório da Imprensa a respeito da decisão de um juiz do Rio de Janeiro, que, segundo alguns jornais, tinha proibido a publicação de qualquer crítica ao então governador Anthony Garotinho. Tendo sido convidado para o debate procurei e obtive o texto da decisão e verifiquei que o juiz proibira, tão só, a publicação da transcrição de uma gravação feita ilegalmente. Nada mais do que isso. Assim, pois, insisto na necessidade de conhecer os termos reais da decisão do juiz para fazer sua avaliação jurídica.
Há uma linha de argumentação a sustentar que, no caso do Estadão, a proibição de noticiar o assunto justifica-se pelo fato de o processo correr em segredo de Justiça. A imprensa deve eximir-se de noticiar o que apurou sobre o andamento de processos com esse caráter? Por quê?
São raros os casos em que um juiz determina que o processo corra em segredo de Justiça. Isso se faz, quando ocorre, para que a revelação antecipada de certos dados não prejudique a investigação ou, então, para que não seja dada publicidade a elementos cujo verdadeiro significado ainda depende de outras investigações ou de avaliação jurídica. Quando, depois disso, um elemento de fato é considerado válido como prova da prática de ilegalidades desaparece o caráter sigiloso e a imprensa fica absolutamente livre para divulgá-lo.
A imprensa deve ser livre, mas também responsável, não estimulando a prática de ilegalidades nem colaborando com elas, abstendo-se de divulgar informações que sabe terem sido obtidas ilegalmente e cuja divulgação apressada pode comprometer a apuração da verdade, a avaliação serena dos dados e a realização da Justiça.
Fontes: Observatório do Direito à Comunicação / Observatório da Imprensa
::
Nenhum comentário:
Postar um comentário