quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Água - O desperdício do que não se vê

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Água - O desperdício do que não se vê


por Luiz Antônio Cintra - Na Carta Capital

Os bolsões de águas subterrâneas são reservatórios móveis que aos poucos abastecem rios e poços artesianos de centenas de cidades brasileiras. Como ocorre com as águas superficiais, demandam cuidados para evitar a sua contaminação, muitas vezes imperceptível. Diante do uso crescente pela indústria, agricultura e consumo humano trata-se de um tema pouco debatido que, no entanto, é parte da extensa – e urgente – agenda ambiental global.

“Caso aumente a concentração de compostos indesejáveis, toda a água ficará imprópria para o consumo sem o tratamento específico”, diz, na entrevista a seguir, o geólogo Everton de Oliveira, secretário-executivo da Associação Brasileira de Águas Subterrâneas (Abas). Oliveira é o coordenador do primeiro congresso internacional sobre o tema, organizado pela associação, que acontecerá em São Paulo, entre 15 e 18 de setembro.

CartaCapital: Fala-se muito na qualidade dos rios e represas, mas não na qualidade das águas subterrâneas. Elas são relevantes?
Everton de Oliveira:
Por ficar escondida, embaixo da terra, a água subterrânea não tem o mérito devido. Mas toda a água mineral é subterrânea. No estado de São Paulo, metade dos municípios é abastecida exclusivamente por água subterrânea. Nas regiões próximas à Bacia do Paraná, quando se entra no Aquífero Guarani, todas as cidades são abastecidas por poços. O mesmo vale para o Sul do País, onde a quantidade de água disponível é absurda. E mesmo Manaus, apesar de ser circundada por rios, utiliza-se de água subterrânea no polo industrial, por não precisar de tratamento e ser mais barata.

CC: A quantidade de águas subterrâneas é estanque?
EO:
Não é exatamente um estoque. São reservatórios móveis, que se movimentam muito lentamente. Formados em parte pelas águas das chuvas que infiltram no solo e vão lentamente se depositando nesses bolsões. Existem águas subterrâneas com mais de mil anos de idade. Grande parte dos rios do País é abastecida por águas subterrâneas. Elas demoram, mas vão aparecer nos rios.

CC: Então é possível datar um lençol -freático?
EO:
Sim, a partir da análise de isótopos radioativos. As águas de chuva têm o que chamamos de uma “assinatura isotópica” diferente, e à medida que ela “anda” perde essa assinatura, fica menos rica de isótopos presentes na superfície. E existe ainda um marcador de hidrogênio capaz de refletir o aumento da radiação presente no ar, em consequência, por exemplo, da explosão das bombas de Hiroshima e Nagasaki. As águas anteriores e posteriores à explosão das bombas são claramente identificáveis.

CC: Diz-se que a água é um bem cada vez mais escasso. Isso também vale para as subterrâneas?
EO:
No caso das águas, o termo escasso é sempre relativo. A quantidade de água no planeta é fixa, não é que está deixando de existir água. A preocupação é em relação à qualidade. Caso aumente a concentração de compostos indesejáveis, toda a água ficará imprópria para o consumo sem o tratamento específico. Claro que existem tratamentos, mas a questão é o custo. Por isso a preocupação inicial e mais barata é a preservação.

CC: Quais as atividades com maior potencial de contaminação das águas subterrâneas?
EO:
As indústrias que trabalham com metais pesados, como chumbo, cromo e mercúrio, correm o risco de ser contaminantes de solo. Existem outros contaminantes que, apesar de não serem metais, também tendem a ficar no solo, como herbicidas e pesticidas. Existem ainda as contaminações mais concentradas, é o caso das lavanderias especializadas em lavagem a seco, que usam solventes clorados. E os solventes de hidrocarbonetos, o que inclui toda a cadeia do petróleo. Alguns desses compostos são cancerígenos e não é necessária uma concentração muito grande para gerar problemas. E contaminantes menos complexos, como o nitrato, presente na urina humana. A cidade de Natal, por exemplo, foi construída em cima de dunas, e lá existe uma abundância de água nos poços, porque as dunas drenam as chuvas. Mas, apesar de haver um sistema de distribuição de água a partir de poços, nunca construíram um sistema eficiente de coleta de esgoto. O resultado é que a água de Natal está contaminada com níveis inaceitáveis de nitrato. Precisam importar água de outras bacias para diluir o nitrato.

CC: É possível fazer o monitoramento da qualidade das águas subterrâneas?
EO:
É possível monitorar sim. Já ocorre em algumas regiões. No estado de São Paulo, a Cetesb começou a fazer o monitoramento para controle comparativo da qualidade, não necessariamente de áreas contaminadas, mas para que exista um padrão de referência. Outros estados não têm nada, e por isso estamos fazendo um trabalho de capacitação, contratados pela Agência Nacional de Águas (ANA), para formar massa crítica. E talvez o País precise trazer técnicos do exterior.

CC: É possível avaliar a qualidade das águas subterrâneas no País de um modo geral?
EO:
É difícil falar nesses termos, mas temos algumas expectativas. Em São Paulo, o próprio Ministério Público e a Cetesb já fizeram algumas projeções a partir das áreas licenciadas em comparação às áreas contaminadas. A partir das estatísticas iniciais, ficou demonstrado existirem ao menos 40 mil áreas contaminadas no estado, o que é bastante coisa. Mas não há dados confiáveis para outros estados.

CC: O custo para as empresas se adequarem poderá ser bem alto em alguns casos, não?
EO:
O custo varia conforme o tipo de contaminante. E também conforme a profundidade em que se encontra a contaminação. Depende também do número de poços necessários para mapear a extensão da contaminação. Em muitos casos, é possível que tenham de ser feitos até 150 poços. E cada poço pode sair por até mil reais.

CC: O senhor pode citar alguns casos críticos no País?
EO:
Existem contaminações grandes que não são públicas, porque as empresas escondem. Mas existem outros casos que ficaram famosos, como o do Recanto dos Pássaros, em Paulínia, no interior de São Paulo, ou o da Vila Carioca, em São Paulo. Neste caso, ainda não se sabe o tamanho, mas certamente há população contaminada. Em Santo Amaro da Purificação existe uma grande contaminação por chumbo. Camaçari, também na Bahia, fica em cima de um aquífero e causou uma contaminação gigantesca, há mais de vinte anos, que precisa sempre ser remediada. E quando Collor foi governador de Alagoas, montou um polo cloroquímico na cidade de Marechal Deodoro que contaminou uma área grande por lá e que ainda não foi remediada.

Fonte: Carta Capital

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