domingo, 9 de agosto de 2009

Obama vai precisar de outro Bush?

::

por Luiz Carlos Azenha

"Um dos maiores clássicos do futebol mundial: Corintians vs. Flamengo". Acabo de ouvir isso na TV. O que me leva a ficar por aqui mesmo, diante do computador, para refletir sobre Barack Obama.

Lentamente, começa a se acentuar a diferença entre "change that you can believe in", mudança na qual você pode acreditar -- lema de campanha do senador Obama -- e os resultados do governo.

Primeiro foram os eleitores à esquerda, os liberais puro sangue dos Estados Unidos, que começaram a desconfiar da mudança de pelo de Obama, especialmente depois que ele escolheu uma equipe econômica bem próxima de Bill Clinton e fez de Hillary a secretária de Estado. Grosseiramente, foi a "carta aos brasileiros" de Obama. "Carta aos brasileiros", para quem não sabe, foi o documento através do qual Lula disse, antes de ser eleito pela primeira vez, que manteria as regras do jogo. O resultado mais concreto dela foi a escolha de um tucano para mandar no Banco Central.

Pois é, Obama fez a mesma coisa. Deve ter considerado que a base liberal do Partido Democrata -- a turma dos Kennedy -- era insuficiente para dar a ele maioria no Congresso e enfrentar a crise econômica. Obama, portanto, optou por manter o neoliberalismo na terra do neoliberalismo. Mais: optou por usar o estado como tábua de salvação para o neoliberalismo. Decidiu que o Tesouro americano resgataria os bancos e as grandes empresas americanas, como a General Motors, até que se recuperem com dinheiro público. Jogou a conta nas costas do contribuinte.

Na política externa, cedeu à linha-dura do Pentágono. Optou por uma retirada que não é uma retirada do Iraque -- é retirada das cidades para dentro das bases militares -- e jogou lenha na guerra dupla no Paquistão-Afeganistão. Os neoliberais, embora envergonhados, continuam encastelados em suas revistas e seus institutos de pesquisa de Washington, movendo uma guerra de guerrilha para preservar o que é mais caro a eles: o status quo em Israel. Nesse campo, o movimento do governo Obama é bastante tênue e não há perspectiva à vista de uma solução que contemple a causa palestina.

O problema para Obama, na verdade, não se encontra na política externa, muito distante do eleitor comum. O problema é o desgaste que ele começa a sofrer junto ao eleitorado moderado, que acreditou nas propostas econômicas dele. Obama prometeu mundos e fundos, a começar de um sistema nacional de saúde. E, por enquanto, não "entregou nada". É bem provável que antes do fim de 2009 ele consiga aprovar algum tipo de sistema de saúde. Porém, está claro para os eleitores americanos que Obama fez uma "opção preferencial pelos ricos" ao jogar bilhões de dólares de dinheiro público para salvar o mercado financeiro.

Pior que isso tudo, começa a se cristalizar nos Estados Unidos a idéia de que Obama não mudou nada em Washington. Que ele é refém dos mesmos lobistas e interesses corporativos que governavam o país sob Bush. É aquele fenômeno ao qual eu me referi quando escrevi sobre a crise no Senado brasileiro: os senadores são meros despachantes de luxo. São os intermediários de lobistas. Como escreveu o sempre brilhante Frank Rich, no New York Times: "O medo maior é que Obama é apenas mais um corporativista, tungando os eleitores tanto quanto os republicanos quando dizem falar em nome do cidadão comum".

Talvez seja sinal dos tempos: o poder dos lobistas se acentuou de tal forma nas democracias ocidentais e a corrupção dos que se venderam aos grandes interesses se tornou tão evidente, que o desencanto dos eleitores é generalizado com um sistema político apodrecido, mediado por corporações da informação igualmente apodrecidas.

O que se diz de Obama, lá, ouvi de gente da esquerda, no Brasil. Gente que acredita seriamente que o verdadeiro candidato da FIESP não é José Serra, mas Dilma Rousseff. Gente que diz que o governo Lula cedeu aos grandes interesses econômicos em absolutamente tudo: na transposição do rio São Francisco, cujo objetivo é agregar terra ao agronegócio em uma região de mão-de-obra barata; na construção de hidrelétricas na Amazônia, cujo objetivo é produzir energia barata para as grandes mineradoras; na produção de transgênicos, atendendo aos interesses da Monsanto; na expansão dos desertos verdes, o que atende às empresas fabricantes de celulose e papel. Gente que diz que Dilma foi intermediária de todos os acertos acima citados e que faria um governo mais conservador AINDA que Lula. Como jornalista, posso explorar o assunto, mas não tenho ainda como emitir um juízo de valor a respeito.

De qualquer forma, pelo andar da carruagem, Obama precisa urgentemente que surja algum George W. Bush. Assim, em contraste, ele voltará a brilhar. O que pode ou não valer também para o Brasil. Ruim com Dilma, pior com a alternativa?

Fonte: Vi o Mundo

::


Share/Save/Bookmark

Nenhum comentário: