domingo, 9 de agosto de 2009

Pedreiro morre por furtar coxinha. E se ele fosse senador?

::

por Leonardo Sakamoto

O pedreiro Ademir Peraro havia roubado coxinhas, pães de queijo e creme para cabelo do supermercado Dia%, da rede Carrefour, em São Carlos. O total do furto: R$ 26,00. Como a cidade fica no interior do Estado de são Paulo, onde arautos da justiça reacionária têm mantido pessoas flagradas por furto famélico ou de baixo valor no xilindró, imaginei que esse também seria o destino de Ademir. Contudo, os seguranças do mercado resolveram fazer justiça com as próprias mãos.

De acordo com reportagem do jornal Folha de S. Paulo, ele foi levado até um banheiro e agredido com chutes, socos e um rodo e deixado trancado, definhando, até às 22h. Depois, buscou socorro, mas já era tarde: acabou morrendo por hemorragia interna e traumatismos nesta quinta (6). Na delegacia, o segurança Rodolfo Fernando Bastreli confirmou o caso e disse que seu supervisor, que o ajudou na sessão de tortura, Diego Luperini Bento, foi o mais violento. Ninguém foi preso devido à falta de flagrante.

O Dia% disse que a responsabilidade é da terceirizada (ah, as terceirizadas…) Itapê Security (guardem esse nome e contratem se precisarem de jagunços em uma fazenda para torturar escravos fujões), que não se pronunciou. Mas o promotor Aroldo Costa disse que o supermercado também pode responder a um processo civil. O slogan da rede diz: “É lá que a gente vai encontrar”. Ademir, de certa forma, encontrou.

O Supremo Tribunal Federal vem desconsiderando os furtos de pequeno valor como crime. Essa conduta não gera uma obrigação para todos os juízes e desembargadores de instâncias inferiores, mas sinaliza o que acontecerá com o caso se ele subir ao STF. E é uma tentativa da corte de mostrar que não são apenas os ricos e que têm acesso a advogados que conseguem decisões favoráveis no tribunal. No dia 20 de maio, contudo, o ministro do Supremo Tribinal Federal Marco Aurélio Mello negou um habeas corpus a uma mulher condenada a dois anos de prisão por ter roubado caixas de chiclete em Sete Lagoas (MG).

O princípio da insignificância pode ser aplicado quando o caso não representa riscos à sociedade e não tenha causado lesão ou ofensa grave. Roubar um pacote de macarrão para matar a fome de dois filhos em casa por exemplo ou um desodorante para ficar mais cheiroso - tipo de coisa que apenas os mais tacanhas e com déficit de humanidade ousam condenar. Se o princípio fosse amplamente adotado, teriam sido evitados casos como o de Maria Aparecida, que foi para a cadeia por ter furtado um xampu e um condicionador (ela perdeu um olho enquanto estava presa), e de Sueli que também foi condenada pelo roubo de dois pacotes de bolacha e um queijo minas. As duas situações ocorreram em São Paulo, que tem julgado com celeridade casos de reintegração de posse para fazendeiros contra sem-terra e é moroso nos casos de desapropriação de terras griladas que deveriam retornar ao Estado.

Não creio que manter alguém na cadeia por conta de chiclete vai ajudar em sua reinserção social, o que mostra uma sanha mais punitiva do que educativa. Além, é claro, de que todo o custo do processo é bem maior do que o bem em questão. Bem, no caso de Ademir, nem processo houve.

Morto a rodo por furtar coxinhas… E se ele tivesse um empreguinho na prefeitura de São Carlos e contratasse, por baixo dos panos, o namorado da neta ou desviasse alguns trocados para empresas em seu nome através de compadrios com o chefe da repartição, o que aconteceria? Provavelmente, se conseguisse tal façanha, seria empalado em praça pública e sua cabeça içada em um poste para mostrar que ralé é ralé e rico é rico. E que roubo grande é coisa para gente poderosa, que fica impune, e não para qualquer zé mané.

Fonte: Blog do Sakamoto

::


Share/Save/Bookmark

Nenhum comentário: