quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Os midiotas

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por Luiz Carlos Azenha

Ler os jornais brasileiros, hoje em dia, equivale a se expor a uma exibição despudorada de preconceitos vindos daqueles que, por ilustração, deveriam ser os primeiros a reconhecê-los. Mas o ódio de classe cega. Cega a ponto de fazer com que gente "bem" se exponha de maneira abertamente pornográfica. Há, subjacente ao preconceito, um motivo comercial a incentivar esse strip-tease ideológico: em um ambiente cada vez mais competitivo, marca quem chamar mais a atenção.

Não importa que o striper nos ofereça um corpo surrado, barrigudo, salpicado de celulites e estrias. Importa é que prestemos atenção nele, ainda que fortuitamente. Semana que vem, ele promete, tem mais. Dispensa-se o convencimento embasado em conhecimento e na razão. Importa é causar debate, atrair tráfego e leitores, "brilhar". Na sociedade midiatizada, inauguramos a era dos "midiotas". Assim como temos os famosos que são famosos por serem famosos, temos os comentaristas que são lidos pela capacidade de chocar. São as "moscas" da Folha de S. Paulo, jornal marqueteiro que quer nos vender o supra sumo do elitismo e do preconceito como algo revolucionário, "in your face", ousado. Que o espírito de Raul Seixas tenha piedade deles.

Um caso em particular me chamou a atenção recentemente. A coluna "O Petróleo é Dela", de um dos editores do jornal. Ele inicia sua argumentação desqualificando a maior parte do eleitorado brasileiro, que descreve como "semi-analfabeta". Depois de opinar sobre a tática eleitoral de uma das candidatas ao Planalto, Dilma Rousseff, diz que em nome da campanha dela os projetos de exploração do pré-sal "serão enviados em regime de urgência para o cada vez mais combalido Congresso Nacional, por onde, do jeito certo, tudo passa". Ou seja, além de desqualificar o eleitorado, desqualifica todos os que foram eleitos.

Caminha, em seguida, para a grande conclusão:

Ao enterrar o pré-sal na acirrada eleição de 2010 o governo encerra a possibilidade de um debate isento, técnico e racional sobre a futura exploração de uma grande reserva de riqueza transformadora do país.

Ora, se somos uma Nação de semi-analfabetos, que elegeu um Congresso corrupto, como é possível que tenhamos um "debate isento, técnico e racional" com esse Congresso? Qual é a alternativa, fechar o Congresso? Ou esperar que se eleja um Congresso com o qual o comentarista concorda antes de debater o pré-sal?

O que é exatamente um debate isento? Isento de povo? Isento de eleitores semi-analfabetos?

O que é um debate técnico? É um debate elitista, que afaste do pré-sal os interesses daquela maioria de semi-analfabetos? Quais serão os critérios para escolher quem pode e quem não pode opinar?

O que é um debate "racional", se os próprios argumentos de quem pede por ele não param em pé 30 segundos?

Não faria mais sentido um debate acalorado, inflamado e que envolva 190 milhões de brasileiros, seguido por uma coisa conhecida como eleição?

Ah, argumentará o editor da Folha, mas aí o que vamos fazer com aqueles milhões de semi-analfabetos?

Quando eu digo que o sonho da elite brasileira é a volta do voto censitário, não estou tentando ser pornográfico.

Não gostei do strip-tease do Sérgio Malbergier. O corpinho é horrível e a conversa é chata. O próximo, por favor.

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27/08/2009
O petróleo é dela

A exploração comercial em larga escala do petróleo do pré-sal só deve começar em 2015. Mas o governo tem pressa em formatá-la, pensando quase exclusivamente na candidatura Dilma. Escrevo quase porque tem uma parte que é do ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, da cota do PMDB de José Sarney.

A tática é tão óbvia quanto o fato de as eleições brasileiras serem decididas por uma maioria semi-analfabeta: o pré-sal acabará com a miséria e as carências sociais do Brasil, mas para isso é preciso eleger Dilma, mãe dos projetos, gestora do milagre parido por Lula.

A festa de lançamento dos projetos na segunda-feira promete ser o primeiro grande evento da campanha Dilma 2010. Arma-se palanque para 3.000 convidados em Brasília, com sindicalistas, esportistas, políticos, empresários, artistas e cantoras de palanque.

Nem se tenta disfarçar a essência eleitoreira do dilmício. Como já não se tenta esconder quase nada nesse novo-velho Brasil: Lula abraça Collor que abraça Renan que abraça Sarney que atrasa o país e toma cartão vermelho atrasado de Suplicy.

No raciocínio governista, o abraço a Sarney é mais do que recompensado pelo tempo de TV e pela, digamos, capilaridade do PMDB. Vão os votos de eleitores mais qualificados, vem o acesso às massas semi-analfabetas, grande esperança eleitoral do lulismo dilmista.

O maior mal da pressa do pré-sal é que ela segue essa lógica exclusivamente eleitoral. Os projetos serão enviados em regime de urgência para o cada vez mais combalido Congresso Nacional, por onde, do jeito certo, tudo passa.

O enquadramento do enorme potencial petrolífero brasileiro ao pequeno projeto eleitoreiro da vez é um sinal, grande demais, de como o governo atual transforma o que é público em projeto privado de poder e de como nosso sistema político é incapaz de gerar os debates e, mais do que isso, os consensos necessários para decisões importantes.

Ao enterrar o pré-sal na acirrada eleição de 2010 o governo encerra a possibilidade de um debate isento, técnico e racional sobre a futura exploração de uma grande reserva de riqueza transformadora do país.

A história prova que a grande maioria dos países que descobriram enormes reservas de petróleo e gás desperdiçou a chance de transformá-las em desenvolvimento sólido e sustentável.

A existência do pré-sal não garante nada. Seu modelo de exploração é que é fundamental. Ele merece um debate melhor e mais inclusivo.

Sérgio Malbergier é editor do caderno Dinheiro da Folha de S. Paulo. Foi editor do caderno Mundo (2000-2004), correspondente em Londres (1994) e enviado especial a países como Iraque, Israel e Venezuela, entre outros. Dirigiu dois curta-metragens, "A Árvore" (1986) e "Carô no Inferno" (1987). Escreve para a Folha Online às quintas.

Fonte: Vi o Mundo

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