A obra de 6 bilhões de dólares de Eike Batista esbarra em problemas como falta de licitação e danos ambientais. O Ministério Público quer impedi-la.
Por Gilberto Nascimento
empresário Eike Batista passou por alguns percalços recentemente. Alvo da Operação Toque de Midas, da Polícia Federal, por causa de indícios de fraude em licitação para a concessão de uma ferrovia no Amapá, em julho do ano passado, viu as três empresas de seu grupo listadas na Bovespa – a MMX Mineração, a MPX Energia e a OGX Petróleo – perderem 10 bilhões de reais, em valor de mercado, num prazo de duas semanas.
Ainda assim, tornou-se o homem mais rico do Brasil nesse período, pulando do terceiro para o primeiro lugar. É o 61º no ranking mundial dos bilionários e acumula uma fortuna de 7,5 bilhões de dólares, segundo a lista da revista Forbes, divulgada em maio. Superou gente graúda no Brasil como os banqueiros Joseph Safra e Aloysio Faria; Jorge Paulo Lemann, um dos sócios da AmBev; e Antonio Ermirio de Moraes, o dono da Votorantim. Já em 2008, Eike fazia questão de dizer que, segundo suas contas, seria detentor de 17 bilhões de dólares.
O empresário tem mostrado apetite semelhante para se meter em negócios polêmicos. O mais recente é a criação da “Cidade X”, em São João da Barra, no litoral norte fluminense. O nome se explica pelo fato de o empresário ter o hábito de acrescentar essa letra ao nome das empresas que adquire. É um símbolo da multiplicação, afirma. Ali, numa área de 7,5 mil hectares, Eike ergue hoje o superporto do Açu, para receber navios de grande porte. Terá capacidade para movimentar 25 milhões de toneladas em mercadorias ao ano. O Açu deve se tornar o maior porto da América Latina, desbancando o de Santos.
É um megaempreendimento, misto de terminal marítimo e complexo industrial, a um custo de 6 bilhões de reais. A LLX acredita que o porto poderá atrair 36 bilhões de dólares de investimentos. Exigirá 1,6 bilhão de reais na construção do complexo portuário e outros 4,1 bilhões de reais em uma usina termoelétrica, com capacidade para gerar 2.100 megawatts. As obras no Açu, um bairro rural de São João da Barra, começaram em dezembro de 2007 e a previsão é de que o porto comece a funcionar em 2012.
A área deve abrigar ainda uma siderúrgica, um estaleiro e um polo metal-mecânico. Pretende receber empresas como Votorantim, Bunge, Iveco, Techint (argentina) e Posco (sul-coreana). Eike pensa, por exemplo, numa parceria com o indiano Ratan Tata, o inventor do Nano, para fabricar carros no complexo. Com apoio do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), viajou à China, em julho, para conversar com as montadoras Build Your Dreams (BYD), Jac e Chery, a fim de instalar unidades em sua nova “cidade”.
Todos esses planos audaciosos e polêmicos correm o risco de naufragar. O Ministério Público Federal (MPF) em Campos (RJ) entrou, na segunda-feira 17, com uma ação civil pública na Justiça Federal solicitando uma liminar para que sejam paralisadas as obras do Porto do Açu. O pedido foi encaminhado ao juiz Fabrício Antonio, da 1ª Vara Federal de Campos. Segundo o MPF, a construção do empreendimento é irregular por ter sido feita sem licitação. A medida seria obrigatória se o projeto tivesse sido corretamente enquadrado como porto público, o que não ocorreu.
Os procuradores Eduardo Santos e Carmem Sant’anna pedem na ação que seja declarada a inconstitucionalidade da Lei dos Portos, pois ela permite a privatização dos próprios sem a fiscalização pública. O que é vedado pela Constituição. Apenas a União pode explorar portos marítimos, diretamente ou por delegação, entendem os procuradores. Desde 1993, tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contra essa lei, movida, inclusive, pela Associação Nacional dos Estivadores.
“Em um dos seus artigos, a lei acaba permitindo, com algumas artimanhas, que um particular explore diretamente um porto sem a concessão da União, por meio do conceito do chamado porto organizado”, reclama o procurador Santos. “E o que seria o porto desorganizado? Há um ardil semântico, como se houvesse outro tipo de porto”, comenta o representante do MPF. Em outro artigo, a lei fala de “instalação portuária de uso privativo”, o que burla a Constituição e abre brechas para a existência de terminal privado. “É uma construção verbal para camuflar o fato de que se trata de um porto como o da cidade de Santos, por exemplo”, observa o procurador.
No mínimo, no porto do Açu haverá dificuldade para as ações fiscalizatórias por parte do Estado. “Eles (os empresários) preveem para o porto o que chamam de alfandegamento. É um neologismo. Como se dará o controle efetivo na entrada e saída de mercadorias? E na questão do contrabando e do tráfico? Como ficará?”, questiona o procurador. “Essa missão de fiscalizar e coibir o tráfico cabe à Polícia Federal, à Receita Federal e ao MPF. Embora na condição de titular desse serviço, o Estado está fora desse empreendimento. Navios imensos de várias partes do mundo ficarão ancorados na costa, sem que o Estado tenha qualquer ação pública sobre a atuação deles.”
O MP também investiga possíveis irregularidades na cessão da área para a construção. O governo do Rio e a prefeitura de São João da Barra desapropriaram áreas que serão ocupadas pelo complexo portuário. Elas pertencem hoje à LLX. Em 2007, o governo do Rio havia declarado de utilidade pública a região próxima ao empreendimento. “Está obscura essa desapropriação”, afirma Santos. “Não faz sentido a desapropriação de terras por parte do Estado para fins privados. Só teria justificativa se fosse para um porto público”, analisa. A LLX informou, em nota, ter comprado a Fazenda Saco Dantas (onde está localizada a maior parte do projeto) de um único proprietário, em 2005. Declarou ainda que sobre desapropriações quem deveria falar é o governo do Rio.
A licença ambiental para a construção do empreendimento também foi dada sem um estudo prévio dos impactos na região. Por essa razão, o MPF tornou réus na ação a Agência Nacional dos Transportes Aquáticos (Antaq), que regula o setor, e o Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro (Inea).
O Ministério Público tem cruzado o caminho de Eike Batista seguidas vezes. Em Peruíbe, no litoral sul de São Paulo, a LLX começou a construir o complexo portuário Porto Brasil, um terminal marítimo privado com ilha artificial e 11 berços de atracação numa área de 19,5 milhões de metros quadrados.
Índios que vivem na área estavam ameaçados de despejo e teriam sido aliciados por representantes da LLX, segundo a Procuradoria da República em Santos. Os procuradores Luiz Marrocos de Araújo e Luiz Palácio Filho denunciaram “violações, ameaças e investidas ilícitas”. A LLX teria persuadido os índios a assinar um documento em que desistiriam da posse das terras. Agora, Eike diz ter desistido do projeto Porto Brasil para priorizar o Açu.
No Amapá, no ano passado, o MPF apontou indícios de fraude na licitação para a concessão à MMX de uma estrada de ferro entre os municípios de Serra do Navio e Santana. No início de agosto, a procuradora federal Zani Cajueiro de Souza constatou irregularidades na concessão de licenças ambientais a um mineroduto construído pelo grupo de Eike, para cortar os estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro. O mineroduto será o maior do mundo, com 525 quilômetros de extensão. Ele parte de uma mina chamada Sapo-Ferrugem, na cidade mineira de Alvorada, para chegar a São João da Barra, integrando o Complexo do Açu. Ferros serão transportados em pelotas (pedaços) pelos tubos com água sob forte pressão, até o seu destino.
Na região de Campos, os políticos e os empresários defendem o superporto do Açu. Todos estão de olho nos recursos que podem mudar a cara da região. Principalmente de São João da Barra, modesta cidade de 27 mil habitantes. A LLX garante que serão criados 50 mil postos de trabalho e 200 mil empregos diretos.
Além de um crescimento no PIB de São João da Barra de 498%, entre 2008 e 2025, a prefeitura local afirma que a arrecadação de ISS no município cresceu 624% no ano passado. Saltou de 66,4 mil reais para 7,4 milhões de reais. As empresas que prestam serviços ao porto foram, segundo a prefeitura, responsáveis por 71% da arrecadação total: 5,3 milhões de reais. Segundo o projeto de Eike, as metas anuais de exportação por meio do porto do Açu deverão chegar a 63,3 milhões de toneladas de minério de ferro, 10 milhões de toneladas de produtos siderúrgicos, 15 milhões de toneladas de carvão, 5 milhões de toneladas de granéis sólidos e 7,5 milhões de toneladas de carga geral.
Se há comemoração, também proliferam os protestos. Cerca de 2 mil famílias vivem sob a ameaça de desapropriação na área. A maioria sobrevive do plantio de abóbora, coco, pimentão, abacaxi e aipim, além da criação de peixes em cativeiro. Com faixas e cartazes de protesto, os moradores realizaram uma manifestação no início de agosto na Estrada do Cajueiro, no caminho do porto. “Não temos interesse em sair daqui para lugar nenhum”, protestou o produtor rural José Carlos de Almeida.
“A natureza é para servir o homem, não o homem se servir da natureza”, dizia a professora Noêmia Magalhães, 63 anos, moradora do Sítio do Birica. “Fizeram uma proposta de desapropriação sem levar em conta o estudo socioeconômico dessa região. Muita gente tem mais de 60 anos e não tem para onde ir”, reclamava Noêmia. Os moradores foram conversar pessoalmente com o secretário de Desenvolvimento do Estado do Rio, Julio Bueno. Na quinta-feira 20, Bueno esteve na área. “Tenho certeza de que o secretário cumprirá sua promessa de não permitir que tantas famílias sejam desapropriadas”, confiava a professora.
Doutor em História Ambiental, o professor da Universidade Federal Fluminense Aristides Arthur Soffiati vê riscos para a região. Entre outros prejuízos ecológicos, a área do Complexo do Açu ficará sem a Lagoa Salgada, hoje em vias de ser considerada monumento geológico e paleontológico pela Unesco. Na região há vegetação de restinga e manguezais, espécies raras de bromélias e também de um lagarto raríssimo, chamado popularmente de lagartinho-verde. “Eles deverão sumir. Mas sei que vão dizer que é apenas um lagarto”, lamenta. Pescadores também seriam prejudicados em razão de a LLX retirar areia de uma parte do mar para colocar em outra, a fim de criar condições para ancorar os navios na costa. “Também estão tirando pedra de um morro, o Itaoca, uma unidade de conservação, para criar uma ilha artificial no mar”, denuncia o ambientalista.
Procurada, a LLX informou que ainda não foi citada sobre a ação proposta pelo MPF e não poderia se manifestar por não ter tido acesso ao processo. Sobre as autorizações e licenças concedidas pela Antaq e pelo Inea, a empresa garante que “estão em conformidade com a Constituição Federal e a legislação ordinária”. De acordo com a LLX, a Feema, órgão estadual responsável pelo licenciamento ambiental, “expediu a licença prévia, que atesta que o projeto é viável e determina requisitos básicos que devem ser cumpridos em todas as fases de instalação”.
Depois de afastar o então prefeito de Campos, Alexandre Mocaiber (ex-PSB), no ano passado, e mandar prender dezoito acusados de corrupção e desvio de verba pública, entre eles empresários e servidores públicos, o procurador Eduardo Santos se prepara para se tornar uma pedra no caminho das ambições do bilionário Eike Batista.
Fonte: Carta Capital
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