Trabalho escravo e desmatamento
por Marina Silva*
No domingo, em comemoração ao Dia Mundial em Memória do Tráfico de Escravos e da sua Abolição, a Organização Mundial do Trabalho (OIT) lançou o livro "Trabalho Forçado: Coerção e Exploração na Economia Privada" (Forced Labor: Coercion and Exploitation in the Private Economy).
A data é em memória à insurreição iniciada na noite de 22 para 23 de agosto de 1791, no Caribe, que teve papel decisivo na abolição do tráfico transatlântico de escravos.
O livro analisa as formas modernas de escravidão na América Latina, sul da Ásia, África e Europa. Segundo a OIT, mais de 12 milhões de pessoas ao redor do mundo estão sob coerção ao trabalho forçado, em escravidão ou em situação similar.
No Brasil, apenas em 2008 foram libertados quase 4 mil trabalhadores. Aqui, o trabalho degradante, análogo ao de escravo, continua diretamente relacionado à pecuária e ao desmatamento ilegais, como demonstra o estudo: "A mão-de-obra escrava continua sendo usada no país para desmatar a Amazônia, preparar a terra para a criação do gado e em atividades ligadas a agricultura em áreas rurais".
A partir de dados e estatísticas do governo e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o estudo mostra que as vítimas são recrutadas em regiões muito pobres nos estados de Tocantins, Maranhão, Pará, Bahia e Piauí, atraídas por promessas de emprego. Elas são, então, levadas para regiões isoladas, no meio da floresta, de onde dificilmente conseguem sair.
Tivemos muitos avanços na luta contra o trabalho escravo no país. Esforço reconhecido pela própria OIT, como o Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, lançado pelo governo Lula em 2003, e que este mês teve lançada a sua segunda edição, com novos objetivos e metas. Mas a impunidade continua sendo um empecilho para a erradicação do problema.
Falta ainda o Legislativo fazer a sua parte e aprovar a Proposta de emenda constitucional (PEC) 438/2001, que prevê o confisco de terras onde o trabalho escravo for utilizado. O projeto, aprovado no Senado, aguarda votação em segundo turno no Plenário da Câmara dos Deputados.
No Senado, relatei, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), projeto (PLS 487/03) do senador Paulo Paim (PT-RS) que veta a empresas, que direta ou indiretamente utilizem trabalho escravo, o recebimento de incentivos fiscais, financiamentos e contratos públicos.
Conforme a proposição, empresas que queiram se candidatar a concorrências ou a financiamentos públicos deverão apresentar certificado de regularidade do Ministério do Trabalho e Emprego para comprovar que não há trabalho escravo em suas atividades ou nas dos seus fornecedores.
São iniciativas assim que ajudarão no cerco a essa prática inaceitável. Um país que tem tudo para ser um dos principais líderes mundiais, em pleno século 21, não pode permitir que seus produtos levem o selo da existência de escravidão.
Cabe ao governo apertar a fiscalização e ao Legislativo tornar mais rigorosa a punição para quem, aviltando a dignidade humana, procura explorar seus semelhantes de maneira tão degradante, em afronta à toda a sociedade.
Fale com Marina Silva: marina.silva08@terra.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário