terça-feira, 18 de agosto de 2009

O crime agradece

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(Crédito da foto: Foto: Wilson Dias/ABr)


A arrastada tramitação da lei de combate à lavagem de dinheiro afeta a imagem internacional do País. O deputado indicado por Sandro Mabel (foto) para ser o relator está com os bens indisponíveis.



O crime agradece

Por Leandro Fortes

Uma inexplicável movimentação de compadrio nos bastidores da Câmara dos Deputados poderá resultar na inclusão do Brasil em uma lista de países coniventes com a lavagem de dinheiro, justamente quando o mundo começa a discutir o cerco aos paraísos fiscais e aos crimes financeiros.

Há duas semanas, o deputado João Campos (PSDB-GO), relator do projeto de lei que busca aprimorar a legislação em vigor, simplesmente abandonou a missão, após quatro meses de suspense. Agiu a pedido do deputado Sandro Mabel (PR-GO), interessado em indicar para a relatoria outro parlamentar, Maurício Quintella (PR-AL), acusado, entre outros crimes, de desviar recursos federais quando foi secretário de Educação em Alagoas, entre 2003 e 2005.

O atraso na definição da nova lei de lavagem de dinheiro deixou em alerta o Ministério da Justiça e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), do Ministério da Fazenda, a unidade de inteligência responsável, no Brasil, por monitorar movimentações suspeitas de grandes valores.

Em novembro o País será visitado pelo Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento ao Terrorismo (Gafi), uma organização intergovernamental criada, em 1989, para fiscalizar os mecanismos institucionais contra a prática criminosa mundo afora. Como a Lei de Lavagem de Dinheiro em vigor, de 1998, está totalmente defasada, o resultado dessa visita poderá ser lamentável ao Brasil.

Vale a pena, contudo, entender o enredo de ópera-bufa, repleto de desculpas esfarrapadas e contradições, montado na Câmara dos Deputados desde que, em abril passado, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), deputado Tadeu Filipelli (PMDB-DF), designou como relator do Projeto de Lei 3.443 o colega João Campos, tucano de Goiás.

O referido PL é resultado de uma discussão, iniciada em 2003, no âmbito de um grupo intitulado Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro (Enccla). Formado por 53 integrantes, entre os quais há representantes de cinco ministérios, três tribunais superiores, da Receita Federal, da Polícia Federal, do Banco Central, do Ministério Público Federal, da Câmara e do Senado.

Entre as novidades do novo texto, está o fim da lista dos chamados “crimes antecedentes” que resultavam em lavagem de dinheiro. Pela legislação atual, apenas a lavagem de recursos decorrentes de alguns crimes, como tráfico de drogas e sequestro, pode ser tipificada pela Justiça.
Caso o projeto de lei seja aprovado, qualquer dinheiro movimentado por criminosos será enquadrado como lavagem. Nesse rol serão incluídas transações pecuárias, imobiliárias, e inclusive a compra e venda de jogadores de futebol.

Enviado pelo Poder Executivo ao Senado, em 2007, o projeto foi aprovado, por lá, no final de 2008. Logo em seguida, foi encaminhado à Comissão de Segurança Pública da Câmara, cujo presidente é o deputado Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ). Em menos de um mês, o projeto saiu, com algumas alterações, da comissão comandada por Biscaia e, finalmente, caiu na mesa de Filipelli, na CCJ. Daí em diante, o assunto entrou em coma.

Em 8 de abril, o deputado João Campos, delegado de polícia e líder destacado da bancada evangélica na Câmara, foi designado relator na CCJ, mas não moveu uma palha para apresentar o relatório. Instigado com a demora, o petista Biscaia procurou Campos e procurou expor a necessidade de se aprovar logo o projeto. Segundo ele, o colega do PSDB reclamou de uma pressão permanente do deputado Sandro Mabel, conhecido empresário do ramo de biscoitos, em Goiás, e líder do PR na Câmara.

No Ministério da Justiça, também o delegado Romeu Tuma Júnior, titular da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), ficou de orelha em pé. Ele preside o Enccla e, dentro do governo, é o principal responsável pelas ações de combate à lavagem de dinheiro. Cuida, sobretudo, da garantia de recuperação de ativos financeiros, ou seja, do dinheiro roubado pelas quadrilhas nacionais e enviado a bancos e paraísos fiscais no exterior. “Vamos sofrer sérias críticas internacionais e retaliações porque a Câmara dos Deputados ainda não votou a lei”, afirma Tuma Júnior.

Em entrevistas concedidas por telefone, gravadas por CartaCapital, os deputados João Campos e Sandro Mabel conseguiram erguer um monumento de contradições, embora estejam unidos na mesma tese, de que não houve pressão alguma, mas uma conversa de amigos. Mabel alega só ter encontrado com Campos “uma ou duas vezes”, nos corredores da Câmara, e ter questionado o tucano, há cerca de cinco meses, sobre a possibilidade de ele abrir mão da relatoria em prol de um parlamentar do PR. “Nem lembro que o projeto era sobre lavagem de dinheiro. Não lembro nada. Na hora em que eu penso no projeto, penso no número do projeto”, explicou o líder.
Para esclarecer o que houve, no entanto, o deputado meteu-se em uma narrativa macarrônica, para dizer o mínimo. “O que pode ter acontecido é a pessoa me pediu (sic) a relatoria do projeto, o projeto pode não ter sido dado, e a pessoa pediu para eu reiterar o pedido.”

Mabel alegou, inicialmente, não lembrar quem era a “pessoa” em questão. Depois, em nova ligação à reportagem de CartaCapital, revelou se tratar do deputado Maurício Quintella (PR-AL), cujo interesse por ser relator de um projeto de lei de lavagem de dinheiro é, no mínimo, estranha.

Em setembro de 2008, o Ministério Público Federal em Alagoas conseguiu na Justiça a decretação da indisponibilidade dos bens de Quintella e de outras 13 pessoas, inclusive o ex-governador Ronaldo Lessa, de quem o atual deputado do PR foi secretário de Educação. A turma foi acusada de envolvimento em desvios de recursos federais repassados para a Secretaria de Educação, entre 2003 a 2005.
Parte dos desvios estava diretamente ligada à Operação Guabiru, da PF, deflagrada em 2005 para desbaratar uma quadrilha especializada em desviar verbas destinadas à compra de merenda escolar em prefeituras alagoanas. A Operação Navalha, que apurou fraudes em licitações e desvio de dinheiro em obras públicas, também envolveu o nome de Quintella.

João Campos diz ter abandonado a relatoria por fidelidade a Sandro Mabel. Alega, inclusive, ter proposto a questão a Romeu Tuma Júnior, em busca de uma decisão do governo a respeito, embora o secretário nacional de Justiça não tenha a mais pálida lembrança dessa conversa.

Como a tal orientação do governo nunca chegou, Campos esperou acabar o recesso parlamentar e, em seguida, disponibilizou o cargo na CCJ ao PR. Detalhe: o PR, governista, tem 40 deputados; o PSDB, de oposição, 57. Talvez nem os tucanos tenham entendido essa troca de gentilezas na comissão.

Estranhamente, Sandro Mabel diz desconhecer esse acordo, embora João Campos garanta o ter informado da devolução da relatoria, no ato. “No dia em que devolvi, eu comuniquei ao Sandro”, afirma Campos. Mabel garante que não sabia da devolução da relatoria, nem nunca mais, desde maio, tinha sequer falado com o amigo tucano sobre o assunto. “Ele devolveu o projeto? E foi nomeado um relator?”, questionou o líder do PR.

Ou seja, alguém está mentindo na bancada de Goiás sobre interesses ligados a um projeto que poderá ser um tiro mortal nos esquemas de lavagem de dinheiro no Brasil. Até quinta-feira 13, nenhum relator havia sido indicado para substituir João Campos.

Fonte: Carta Capital

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