quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Como você OUSA não ser “feminina”?

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Como você OUSA não ser “feminina”?

por Marjorie Rodrigues

Quando eu disse que as mulheres são tratadas como um enfeite para o deleite dos homens (e que ser enfeite nos é imposto como uma obrigação), choveu gente dizendo que eu estava exagerando. E eu sei que parece exagero mesmo – até porque nem sempre (ou melhor: quase nunca) eu consigo explicar direito do que é que estou falando.

…Pois bem, eu estou falando DISSO. Obrigada, Marcelo Coelho, por desenhar isso pra mim.

Veja que o texto não fala do embate entre Dilma e Lina Vieira. Ele apenas compara a aparência e a “amabilidade” das duas. Como se a questão fosse essa. Como se isso fosse relevante para o caso. Imagine que o bafafá fosse entre dois homens. Você acha que haveria colunas de jornal tratando a coisa por este lado? Comparando a beleza, as vestimentas, a maciez do tom de voz, a postura e o charme dos envolvidos? Não, né.

Em vez de falar sobre como as alegações de Lina Vieira podem afetar a imagem de Dilma Roussef como candidata presidencial (que é o que realmente interessa), Marcelo descamba a falar de Marina Silva, Marta Suplicy e Heloísa Helena. O que elas têm a ver com a história? Nada. É só que ele não gosta do jeito como elas falam, se vestem e se portam. Coitadinho.

Quando a gente fala de privilégio masculino, muita gente também não entende e diz que estamos exagerando. De novo: privilégio masculino é ISTO. Por acaso é relevante quão atraente um jornalista acha Fulana de Tal ou não? Não, nem um pouco. Mas, como Marcelo embarca na idéia de que as mulheres têm de estar ali como enfeites para o seu deleite, ele se acha no direito de reclamar quando elas não estão fazendo isso. Ele se acha no direito de cobrar uma mudança.

Marcelo não vê ridículo em escrever um longo texto lamentando que as políticas não são “delicadas, agradáveis e charmosas” o suficiente para o seu gosto. Marcelo está de mimimi porque as quatro não agradam aos seus olhos e ouvidos como ele acha que elas deveriam.

Ele fala de Marina, Dilma, Marta e HH como se elas estivessem em falta. Com quem? Com a política nacional? Com o desenvolvimento do país? Não. Com a tal da ‘feminilidade’. Se é mulé, tem que ser delicadinha e bonitinha; se não for delicadinha e bonitinha, então não é mulher. É outra coisa.

Diz ele:

“A feminilidade de Heloísa Helena é de outra ordem. A militância abafa sua identidade. Poderia ser atraente, se não se restringisse ao cabelo puxado, aos óculos, à camiseta branca. Representa, na verdade, a mesma dureza que Dilma encarna, numa versão mais burguesa. Por que, indago, não ser simplesmente uma mulher?”.

Primeira coisa que me chama atenção: quem é Marcelo Coelho na noite para saber mais do que a própria Heloísa sobre a identidade dela? Por acaso a militância não faz parte da personalidade dela? Não faz parte de quem ela é? Não é possível ser mulher e ser militante ao mesmo tempo? E esse “atraente” aí? É “atraente” em que sentido? Político ou sexual? Se for no sentido político, então Marcelo está dizendo que os eleitores só vão votar em uma mulher caso ela varie sempre de roupa e de penteado? E, se for no sentido sexual… Bem, qual a relevância disso? Por acaso HH tem o dever de ser sexualmente atraente para ser senadora ou para tentar ser presidente? Marcelo também parece pensar que a sua idéia de “mulher atraente” é universal. Como se absolutamente ninguém na face da Terra pudesse se interessar sexualmente por Heloísa, pelo menos não enquanto ela não trocar de camisa e de óculos.

A segunda (e mais importante) coisa que salta aos olhos: o que é ser somente uma mulher, cara pálida? O que é ser mulher, Marcelo? Faltou muito responder essa pergunta. Se eu entendi bem, para você, ser mulher é ser um protótipo de Stepford Wife – sempre impecável, cheirosa, arrumada; não grita, não reclama, não incomoda e não se incomoda. Nunca.

Por fim, cabe ressaltar que tá cheio de político (homem) feio, ríspido, grosso, mal educado, mal asseado e mal vestido. Pelamordedeus, liga a TV Câmara, né? Vocês sabem do que eu estou falando. Mas isso não vira coluna. Por dois motivos. O primeiro, já exposto, é que homem é considerado sempre sujeito, nunca enfeite. A análise de seu trabalho, portanto, se sobrepõe à análise da sua aparência. O segundo motivo é que analisar quão atraentes são os políticos homens seria dar voz ao desejo sexual feminino (hetero) e gay. E esses desejos não são retratados como a norma.

Eu não me canso de repetir isso também. Que sexualidade feminina é como se não existisse pra esse povo. Que colocar o homem heterossexual na posição de objeto a ser desejado sexualmente, e não na de sujeito que deseja, é algo considerado ridículo — e até ofensivo, se pá. Mas esta é outra coisa que nem sempre eu sei explicar bem. Então deixa eu abrir um parêntese para indicar este post da Van Prates e estes dois textos (imperdíveis!) do Sociological Images. É por ISSO que aparência de político homem é considerada não-notícia ou notícia de mal gosto. Mas falar da cara da Dilma, das pernas da HH e do cabelo da Marina tá beleza.

PS – Repare, no trecho sobre a Marta, que a mulher não ganha nunca, viu? Se você, a fim de ser levada a sério, decide não se emperiquitar toda, te esculacham porque você não é “feminina”. Se você atende ao chamado e começa a se emperiquiLinktar, aplicando botox, fazendo plástica, se maquiando… Ah, aí te condenam porque você é perua! Resumindo: vão te esculachar de QUALQUER maneira.

PPS – só pra relembrar, a revista Rolling Stone fez o mesmo “como ousa?” para cantoras como Marina Lima e Ana Carolina.

Fonte: Blog da Marjorie Rodrigues

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