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por Luiz Carlos Azenha
A História é antiga: a monocultura exportadora concentra a terra e expulsa o homem do campo. O Brasil entra com a terra, a mão-de-obra barata, a água e os nutrientes do solo. Os lucros ficam, majoritariamente, com um pequeno grupo de empresas, algumas das quais estrangeiras. Já viu esse filme no ciclo da borracha? Do ouro? Pois é, agora vivemos o ciclo do eucalipto e árvores afins. O Brasil não toma jeito, mesmo. Nem em um governo "de esquerda" deixa de ser espoliado, sugado e explorado. E ainda pagamos por isso. Eu e você que me lê.
Sim, parte do ciclo do eucalipto é financiado com dinheiro público, através do BNDES. Deixa ver se eu entendi: estou pagando para exportar água (embutida na celulose) para a Europa, os Estados Unidos e o Japão e financiando a transferência de milhares de brasileiros para o desemprego das grandes cidades, com todas as consequências disso. E a grana fica com a Votorantim, a Stora Enso e congêneres. Ah, o Brasil...
Fiquem com um trecho da entrevista do Carlos Tautz, publicada no site do Instituto Unisinos:
IHU On-Line - Nesta semana, foi anunciada a fusão da Votorantim Celulose e Papel com a Aracruz Celulose, com apoio do BNDES. O que acarreta esta união? O impacto ambiental será maior, a partir do momento em que aumentará a escala de produção do plantio?
Carlos Tautz – Não resta dúvida de que o impacto será grande, porque já se aponta a possibilidade de um aumento de 600 mil hectares na área plantada. Por si só, o número já se explicita que é uma área muito grande. Há, também, os impactos históricos que o eucalipto causa, quando cultivado sob a forma de monocultura. São impactos de ordens ambientais e sociais. Os ambientais são aqueles utilizam de forma intensa os nutrientes do solo, em especial, uma quantidade muito superior de recursos hídricos, com relação a outras culturas. Já os sociais são os piores possíveis. Isso, porque não só tira da área rural a figura humana, como também as culturas que garantiam a diversidade biológica, a diversidade cultural e a utilização do solo para produção de alimento em nível local, sem o impacto do transporte dos alimentos.
Na medida em que se potencializa duplamente o alcance econômico de uma empresa como esta - pela injeção de recursos do Banco e pela fusão com a VCP - isso significa uma possibilidade de extração de recursos naturais, sob a forma de nutrientes do solo e água, para atender exclusivamente ao mercado internacional, com muito pouco impacto positivo para a economia local. Em geral, as empresas de celulose apontam uma quantidade absurda de empregos indiretos, que seriam, supostamente, criados para um investimento em celulose, mas eles espertamente estão computando todos que de alguma forma trabalham em algum município afetado pela cadeia produtiva deles. Até o botequim da esquina é contabilizado como grande gerador de emprego, e não é bem assim.
IHU On-Line - Considerando que o setor é um dos mais competitivos, devido à lucratividade, também fora do país, o que levou, em sua opinião, a empresa Aracruz Celulose à perda de espaço e produção, possível motivo da fusão com a Votorantim Celulose e Papel?
Carlos Tautz – Sinceramente, hoje em dia, com a falta de transparência que se tem nas empresas públicas, no trato com o dinheiro público, não sei se foram somente esses interesses republicanos que levaram à injeção dessa montanha de recursos do BNDES na Votorantim para a compra da Aracruz Celulose. Não me arrisco a dizer que apenas elementos de ordem da lógica econômica orientaram esse tipo de investimento. Quem o fez, tem o ônus de provar que tem viabilidade técnica, econômica e financeira. Só posso supor isso diante de como essa operação foi decidida: injetou-se dinheiro em uma empresa falida, desviando os recursos do seu objetivo principal, que é a produção de papel e celulose, para investir no mercado de derivativos. Com a crise econômica, eles tiveram perdas enormes. Só isso já coloca um senão muito grande. Inclusive porque o BNDES já era acionista da Aracruz. Então, ele sabia rigorosamente qual era a situação da empresa. Se não sabia, é porque é muito incompetente na administração dos seus ativos. Isso já justificaria uma atenção redobrada.Outra questão que precisa ser debatida é a seguinte: para quê emprestar 2 bilhões e 400 milhões de reais para uma empresa que se gaba de ter em caixa 8 bilhões de reais? Isso há de ser questionado ao presidente do Banco, Luciano Coutinho, que, quando assumiu em 2007, disse publicamente que iria rever todo o tipo de relação que o BNDES tinha com as empresas de celulose, devido às denúncias de violação de direitos ambientais e sociais, por parte da empresa. Diante disso, sou obrigado a avaliar a possibilidade de que não apenas elementos de ordem técnica, financeira e econômica tenham sido levados em conta na decisão de conceder um empréstimo de tal volume à Votorantim para a compra da Aracruz Celulose.
IHU On-Line - O apoio do BNDES a empresas que estão comprometendo o meio ambiente, através do plantio de eucaliptos, compensa economicamente, em um momento no qual só se fala em alternativas para salvar o meio ambiente?
Carlos Tautz – A suposta política industrial do governo – suposta, porque ela não se configura como uma política planejada e sistemática, mas como uma lista de ações dispersas e desconectas, sem estratégia comum – diz que o Brasil precisa consolidar-se em multinacionais. Esse tipo de estratégia traria algum beneficio para as demandas sociais históricas que o país tem. Diante desse “cheque em branco” que foi dado aos agentes econômicos estatais brasileiros, cabe qualquer tipo de ação, inclusive a de apoiar empresas que absolutamente são desconectadas das necessidades do mercado interno e, também, de eventuais salvaguardas ambientais sociais. Esse tipo de prerrogativa que está na política industrial, permite que ações de todos os tipos sejam feitas pelos maiores degradadores do meio ambiente e das condições sociais. Isso vale para eucalipto, para a mineração – porque o governo todos os anos injeta bilhões de reais na Vale do Rio Doce – vale para o setor de pecuária, quando são concedidos empréstimos sem qualquer análise ambiental estratégica, a frigoríficos que vão se instalar em áreas de região amazônica, vale para hidrelétricas como, por exemplo, a do rio Madeira. Enfim, há uma sucessão de setores que se beneficiam desse cheque em branco, que o estado brasileiro faz da extração intensa de recursos naturais a sua mais alta valia. É dessa forma que eles veem a sua inserção no cenário internacional, extraindo recursos naturais do país e recursos financeiros públicos.
IHU On-Line - Mesmo que provoque uma desestabilização no clima, na flora e na fauna brasileiras, a monocultura de determinados tipos de vegetação não sinaliza parar. Neste sentido, há medidas alternativas que poderiam ser tomadas pelas empresas de celulose, na tentativa de amenizar os prejuízos ambientais e também de lapidar a sua imagem?
Carlos Tautz – Se fosse apenas decisão de uma empresa, seria fácil, porque ela seria enquadrada com um bom argumento jurídico e ponto final. Mas o problema não é esse. Nós temos um estado orientado historicamente - desde que os primeiros europeus invadiram o Brasil, em 1500 - para a transferência massiva de recursos públicos para diversos agentes privados. O que tem que mudar não é uma ou outra empresa, embora fosse muito bom que mudasse (por exemplo, se a Votorantim tomasse vergonha na cara e não participasse de uma negociata como essa), mas ela vive disso, foi criada para fazer isso. Os governos alimentam essa situação. Vamos supor que amanhã o Antônio Ermínio de Moraes acordasse muito bêbado e dissesse: “vamos desfazer isso e tornar a nossa empresa de papel e celulose ambientalmente correta.” Ele não vai conseguir, porque é da gênese, é da natureza ser como é. A empresa foi criada para extrair e amealhar recurso público da forma como amealhou a cumplicidade do Governo Federal através do BNDES. Então, não é uma decisão gerencial que vai mudar isso, é um projeto. Ou se mudam as estruturas do estado brasileiro ou governo, depois de governo, capitão de indústria após capitão de indústria, como o Ermínio, vão continuar fazendo o que fazem.
IHU On-Line - Como o senhor percebe que a imprensa, de forma geral, tem tratado o assunto? E como a sociedade tem reagido diante do tema?
Carlos Tautz – A imprensa está inserida em uma sociedade que tem os seus próprios valores. Tem um valor preponderante na sociedade brasileira, como em outras sociedades, que é o do produtivismo que, por si só, resolve todos os problemas. Então, parte-se do pressuposto de que, quanto maior o investimento em bilhões de dólares, mais benefícios trará para a sociedade. Não necessariamente ele criará mais empregos, não necessariamente vai distribuir renda, não necessariamente vai garantir a segurança alimentar. A ideologia do produtivismo para a imprensa sempre dá manchete. Mais investimentos, mais impostos arrecadados, mais empregos indiretos – sem dizer que os empregos são sazonais e precarizados. Enfim, a imprensa trata dessa forma fragmentada, o que, infelizmente, não ocorre só no Brasil. O sistema de produção de valores dos sistemas de comunicação é o mesmo, valoriza o produtivismo.
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