quinta-feira, 19 de março de 2009

Ao dificultar domínio da Amazônia pelo agronegócio, MST sofre nova criminalização

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por Gabriel Brito e Valéria Nader

Com os rigores da crise se apresentando à realidade nacional, e diante de qualquer ameaça à implantação do modelo agrícola voltado ao agronegócio, viu-se nos últimos dias um recrudescimento da perseguição de setores do poder e da mídia contra o MST e suas reivindicações – amparadas pela própria constituição, como não lembrou o ministro Gilmar Mendes ao falar das ocupações de terra.

Para expor as posições e demandas do movimento, o Correio da Cidadania conversou com Marina dos Santos, coordenadora nacional do MST. Sua análise aponta para uma antecipação do calendário eleitoral de 2010 promovida pela direita, e que pretende denegrir o atual governo ao mesmo tempo em que combate qualquer tipo de mobilização social em defesa dos trabalhadores.

Marina refuta a hipótese de uso indevido de verbas públicas para ocupações, avisando que o movimento continuará combatendo as políticas de financiamento a "empresas causadoras da crise, como a Stora Enzo, Veracel e outras, que continuam demitindo e que promovem trabalho escravo, degradam o meio ambiente e dependem de exportação".


A íntegra da entrevista pode ser conferida a seguir.

Correio da Cidadania: O que o MST pretende mostrar à opinião pública com as recentes ocupações de terra em Pernambuco e São Paulo, uma vez que já se manifestou que o grande problema a ser combatido é o modelo econômico, com privilégio ao agronegócio?

Marina dos Santos: Estamos nesse momento de crise que a sociedade vive em conseqüência de todo o modelo neoliberal aqui promovido, que suprimiu o papel do Estado privatizando empresas públicas, destruindo instrumentos de defesa nacional, desregulamentando outros, retirando direitos dos trabalhadores, gerando desemprego... São várias as conseqüências provocadas pela crise e achamos que, se não houver um processo de mobilização geral, a conta acabará sendo paga pelo conjunto dos trabalhadores.

Portanto, pensamos que todo tipo de mobilização social – greve, paralisação, ocupação de terra – é importante, principalmente no campo. Isso porque a reforma agrária é uma política que pode contribuir como proposta de superação desta crise. Ela é importante porque é uma política barata, democratiza renda, riqueza, propriedade privada, meios de produção, gera empregos, produz alimentos, preserva o meio ambiente.

Todas essas são questões relevantes e por isso as ocupações de terra são importantes, pois precisam ser colocadas na ordem do dia, nos debates nacionais.

CC: É assim que o movimento espera, na atual fase, convencer a sociedade do equívoco que representa tal modelo?

MS: Acho que o equívoco se revelou sozinho, porque há pouco tempo, antes da crise, ninguém aceitava sequer dialogar sobre o atual modelo de agronegócio e a ameaça que representava à vida no campo, à soberania alimentar, e sua lógica de exploração e concentração de terras e bens naturais – água, terra, energia, minérios...

Dessa forma, é a crise que demonstra que tal modelo de desenvolvimento não resolve o problema dos trabalhadores. Sendo assim, a mobilização é uma forma de a classe se conscientizar da gravidade da crise em que nos encontramos, que não é cíclica, como dizem alguns analistas, mas sim estrutural, muito mais forte, de longo prazo, tendendo a piorar cada vez mais.

É uma forma de as pessoas, de fato, se mobilizarem e debaterem, para, sobretudo, fazerem a luta no sentido de que o preço da crise não seja pago pelo bolso dos trabalhadores. Seu custo deve ser cobrado das empresas que se apropriaram de todas as estruturas e bens de capital, e que agora querem se apropriar também de nossas vidas.

CC: Como o MST encara as acusações de uso ilegal de verba pública, através de cooperativas, como a Anca (Associação Nacional de Cooperação Agrícola), inclusive para a prática de atos ilícitos?

MS: O MST nunca viu nem precisou de um tostão de recursos públicos para fazer ocupações de terra e de latifúndios improdutivos. Já são 25 anos de MST, a sociedade brasileira já pôde tomar ciência da seriedade do movimento ao utilizar a ocupação das terras improdutivas para mobilizar e pressionar o governo a atender aos acampamentos e avançar nas propostas de reforma agrária.

O que achamos engraçado é que colocam o MST no patamar de quem desvia recursos públicos, mas não denunciam o que os governos promoveram de destruição do Estado brasileiro, através de privatizações, de retirada das políticas públicas necessárias à sociedade etc.

Portanto, continuaremos defendendo a idéia de que o governo tem a obrigação de liberar recursos públicos para investir nas áreas da educação, saúde, agroindústria, fortalecendo os assentamentos e comunidades rurais de todo o interior do país.

CC: Mas há realmente repasse de verbas dessas associações para o MST, o que configuraria, segundo algumas lideranças e estudiosos do próprio movimento, um processo absolutamente legal?

MS: Existem entidades cadastradas e em situação totalmente legal nas instâncias do governo federal para receber dinheiro com o objetivo de investir nessas áreas, não só de assentamentos, como também em todo o meio rural.

Tais entidades exercem o papel que deveria ser do Estado brasileiro, o de investir em educação, saúde, capacitação, agroindústria e diversos setores dos quais se retirou, pelo simples intuito de apoiar as empresas transnacionais e salvar o capital.

Como dito, em nenhum momento o MST se utilizou de verbas públicas para realizar as ocupações. São os assentamentos da reforma agrária que utilizam esses recursos para investir em agricultura, pois precisam deles.

CC: O que pensa, assim, da cruzada de alguns membros de altas esferas de poder no sentido de denegrir o movimento, como se viu através do Ministério Público gaúcho e de declarações de Gilmar Mendes?

MS: Vemos que a elite, a direita brasileira, está fazendo uma leitura da crise pela qual passamos. Estão preocupados, com medo, e não admitem a possibilidade de haver movimentos organizados nesse país, pois sabem que são um ‘mau exemplo’ para a classe trabalhadora e que esta pode vir a se mobilizar para cobrar seus direitos.

Fazendo tal leitura, as elites anteciparam o calendário eleitoral de 2010, colocando um bem preparado representante seu como interlocutor e porta-voz oficial, no caso o Gilmar Mendes.

CC: E quanto às referências pejorativas da própria mídia, como, por exemplo, a Folha de S. Paulo, que acusa o movimento de delinqüir, em editorial do dia 11 de março, em sua página A2?

MS: Seguindo a lógica da leitura da crise por parte da elite, coloca-se todo o aparato de repressão ideológica do estado brasileiro - via meios de comunicação, imprensa, parte do judiciário, parte do MP - para criminalizar os movimentos sociais. O fechamento das escolas no Rio Grande do Sul é mostra disso.

Não devemos nos amedrontar, mas sim continuar com o processo de mobilização, luta e ocupação de terra, para assim garantir a realização da reforma agrária no país.

A participação da imprensa serve para estigmatizar o MST diante da sociedade, mas o movimento também recebe a solidariedade dos trabalhadores brasileiros e da comunidade internacional, que acreditamos que continuarão nos defendendo e também se defendendo desse modelo de desenvolvimento para o país.

CC: Como você vê a situação paradoxal onde tanto estas autoridades quanto a própria mídia acusam o governo de compactuar e acobertar o movimento, quando ao mesmo tempo sabemos das insatisfações do MST com a política agrária sob o mandato de Lula?

MS: Por conta da crise, voltamos a ver nesse caso que a direita antecipou o calendário político de 2010. Dessa forma, o que procuram é mesmo estigmatizar e desmoralizar o movimento, jogando contra ele toda a sociedade. Mas continuaremos trabalhando dentro da ótica que defendemos.

CC: O movimento enxerga na crise perspectivas, ou possui estratégias, para fortalecer suas reivindicações e aumentar o respaldo junto à opinião pública?

MS: Continuaremos nos mobilizando com os trabalhadores, também dando sequência à luta pela reforma agrária.

Seguiremos em frente com as jornadas de lutas, contestando as verbas públicas que o Estado brasileiro concede às empresas causadoras da crise, como as liberações do BNDES à Stora Enzo, Veracel e outras que, por sua vez, continuam demitindo.

Devemos nos posicionar contra o financiamento a empresas que promovem trabalho escravo, degradam o meio ambiente e que dependem de exportação, sem se preocupar com a produção de alimentos para o mercado interno. São todos pontos que continuarão em nossa pauta de forma destacada.

Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.

Fonte: Correio da Cidadania

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