quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Resenhas do livro "A Ditadura da Mídia" de Altamiro Borges


por Renato Rovai

O escritor português António Lobo Antunes esteve na última Feira Literária de Paraty e disse que quando recebe livros de amigos, treme. É sempre difícil avaliar o trabalho de alguém com quem se tem uma relação pessoal amistosa. Até porque ninguém publica algo que considera ruim. Sendo assim, espera elogios e louvores quando apresenta a obra à avaliação.

Altamiro Borges me enviou A Ditadura da Mídia (editado pela Anita Garibaldi na coleção Vermelho) quando ainda o preparava. Seu email começava assim: “Estou concluindo um modesto livrete sobre “a ditadura da mídia”...”. E finalizava: “envio para a sua leitura (...) lembrando Che Guevara seja duro e não ligue para a ternura”.

Em meio à correria, liguei para o Miro (assim o chamo) quando o prazo expirou. Desculpei-me por não poder colaborar. Recentemente recebi o livro pronto e mesmo sabendo da capacidade de Miro, tremi.

Segui o conselho de António Lobo Antunes, abri o livro devagar, olhei o índice, folheei umas páginas e só depois engatei a leitura. E o fiz de uma vez só. Quase 70% enquanto voava de Brasília a São Paulo. E o resto no taxi de Congonhas à minha residência.

Desconheço no Brasil um trabalho com o fôlego de pesquisa deste A Ditadura da Mídia que organize de maneira tão sintética o problema da disputa midiática atual. Até por isso, disse ao Miro que acho o título da obra um tanto enganador.

Ele trata de uma batalha, de uma disputa, de uma luta entre aqueles que têm construído um novo patamar na democratização das comunicações e ao mesmo tempo denuncia as corporações midiáticas e suas mazelas. Ou seja, não fala de uma ditadura, mas de um conflito.

Até acho que é um conflito assimétrico. Algo como um exército tradicional e um bando meio desorganizado mas ao mesmo tempo relativamente eficiente de guerrilheiros. Ou como prefiro, entre alguns rinocerontes e um batalhão de marimbondos.

No primeiro capítulo, “Poder mundial a serviço do capital e das guerras”, ele nos compila uma série de dados sobre a estrutura midiática global destacando alguns países como EUA, Itália e Espanha. Sem exagerar, diria que é um curso sobre a forma como atualmente funcionam e se organizam as corporações midiáticas.

Descobre-se, entre muitas outras importantes revelações, que no país de Carla Bruni os donos da mídia estão ligados à indústria bélica. E que “nos últimos três anos os jornais americanos perderam 42% do valor de mercado” e “menos de 20% dos estadunidenses acreditam no noticiário jornalístico – número que despencou 27% em cinco anos”. Curiosamente para confirmar o meu questionamento sobre o título da obra, o último parágrafo deste capítulo começa com o seguinte tópico frasal: “A ditadura da mídia como se vê não é inabalável.”

“A mídia na Berlinda na América Latina Rebelde” e “A concentração sui generis e os donos da mídia no Brasil”, capítulos 2 e 3, fazem um balanço bastante interessante de como os grupos midiáticas tradicionais e decadentes contribuíram para a construção de ditaduras no continente e depois “ se travestiram de democratas e passaram a pregar o receituário neoliberal”. Mas ao final deles, Miro também faz um balanço dos avanços obtidos. Diz, por exemplo, no segundo capítulo, que a eleição de “governantes progressistas (...) tem impulsionado a luta pela democratização da comunicação e o florescimento dos meios alternativos.” E apresenta o cenário atual nessa área em vários desses países vizinhos.

Além de artigos escritos pelo autor e publicados principalmente no site Vermelho, há ainda outros dois capítulos “De Getúlio a Lula, histórias da manipulação da imprensa” e “Outra mídia é urgente: as brechas da democratização”. O primeiro é um registro notável de casos vergonhosos de golpismos envolvendo veículos midiáticos brazucas. Se ainda fosse professor universitário, indicaria a leitura deste livro para os meus alunos, mas se fosse professor de história da imprensa ou algo semelhante, os “obrigaria” a lerem este capítulo. É excelente. As “peripécias” desses veículos nunca foram contadas, que me recorde, com tamanha independência.

No último capítulo são abordadas questões que estarão em jogo e em debate na Conferência Nacional da Comunicação. É importante porque também é uma proposta a partir da visão do autor do que deveria ser priorizado pelo movimento social neste momento.

Fico feliz por poder dizer sem titubear que o livro do colunista da Fórum e meu amigo Miro é muito bom. Recomendo a leitura tanto para iniciados como para iniciantes no tema. E digo mais, é um livro que tem potencial para fazer história. Como um outro livro lançado como “livrete” e que virou best seller: O Brasil Privatizado.

Antes de lançá-lo, Aloysio Biondi me enviou os originais e falou algo parecido, “não é um livro, é um livreto”. São dois trabalho com estilos diferentes, mas toques semelhantes.

Além do que no momento atualLink é tão ou mais importante para a democracia brasileira discutir a democratização da mídia quanto naquele período foi debater e denunciar as privatizações.

Fonte: Revista Fórum - Blog do Rovai

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O fetichismo da midiocracia

O livro "A ditadura da mídia", de Altamiro Borges, faz um levantamento histórico sobre a concentração da mídia e seu poder de fogo na mão de poucas empresas e/ou oligarquias familiares. Além disso o autor apresenta um conjunto de propostas para serem debatidas na Conferência Nacional de Comunicação, como o fortalecimento da radiodifusão pública, a revisão dos critérios das concessões, a revisão dos critérios da publicidade oficial, o estímulo à radiodifusão comunitária, inclusão digital e novo marco regulatório para as comunicações. O artigo é de Flávio Aguiar.

Lançado alguns meses antes da I Conferência Nacional de Comunicação, o livro "A ditadura da mídia" (São Paulo, Editora Anita Garibaldi/Associação Vermelho, 2009) traz várias reflexões e propostas que vão desembocar na necessidade e na oportunidade daquele evento.

Depois de fazer um levantamento histórico sobre a concentração da mídia voltada para os interesses e o mundo de valores das classes dominantes, e de seu poder de fogo na mão de poucas empresas e/ou oligarquias familiares (caso particular do Brasil), e de muitas de suas intervenções sempre desfavoráveis às causas populares, o autor, Altamiro Borges, apresenta e detalha uma lista de propostas a serem consideradas pela Conferência:

1) Fortalecer a radiodifusão pública;
2) Revisar os critérios das concessões;
3) Rever os critérios da publicidade oficial;
4) Estimular (ao invés de reprimir) a radiodifusão comunitária;
5) Investir na inclusão digital.
6) Definir um novo marco regulatório para as comunicações, coibindo a monopolização, a desnacionalização e fixando “políticas públicas que garantam o acesso da população aos avanços tecnológicos”.

O autor assinala que a última “iniciativa mais ousada neste campo [da radiodifusão pública] ocorreu no governo de Getúlio Vargas com a criação da Rádio Nacional, que teve expressiva audiência”. Sublinha também que a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), “que gerencia a TV Brasil, oito emissoras de rádio e uma agência noticiosa, sinalizou uma mudança de postura do governo [Lula]”. Saindo de sua timidez anterior em enfrentar a mídia oligárquica, depois do bombardeio que sofreu para impedir a reeleição do presidente em 2006, o governo estaria querendo se distanciar desses “aliados” de antanho que ficam permanentemente querendo fazer furos no casco do seu barco.

Um dos capítulos mais interessantes do livro é o IV, “De Getúlio a Lula, histórias da manipulação da imprensa”, em que se vê o poder da mídia oligárquica ir ampliando seu alcance e sua possibilidade de manipulação política através das novas tecnologias que vão surgindo, até o ápice da tentativa concertada em diferentes veículos de reverter a esperada reeleição do presidente em 2006, em manobra denunciada, como aponta o professor Venício A. de Lima no livro "A mídia nas eleições de 2006" (São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2007. Pág. 17), primeiro nesta Carta Maior, com as reportagens de Bia Barbosa, e na seqüência pelas matérias de Raimundo Pereira em Carta Capital.

No prefácio de "A ditadura da mídia" diz o professor Lima que “um dos principais obstáculos à democratização da mídia tem sido a dificuldade histórica que grande parte da população experimenta para compreender a mídia como um poder e a comunicação como um direito. (...) O poder da grande mídia no mundo contemporâneo tem se caracterizado exatamente por ela estar de tal maneira imbricada no ambiente social que consegue ‘passar desapercebida’, naturalizada, como se não existisse”. Ou seja, a grande mídia se disfarça como “transparente”, seja no sentido de pretender reportar informações de modo “objetivo”, “neutro”, seja no sentido de pretender representar o “interesse público”.

A esse caráter camaleônico eu acrescento outro, que é a contumaz incapacidade de se ver a informação como uma mercadoria produzida, capaz de agregar outras, através da publicidade, de induzir ao consumo de ainda outras, e de agregar serviços e/ou favores sob a forma de benesses do Estado para si mesma. O público em geral, e as esquerdas não se diferenciam nesse particular, pode chegar a ter uma percepção dos veículos da mídia – o jornal ou revista individualizado em papel, o aparato televisivo ou eletrônico (a aparelhagem de produção, transmissão e recepção), etc., como mercadorias, mas não a própria informação. É claro que é muito difícil, porque a informação não é um “objeto”, ela é antes um fluxo contido em pequenas partículas, sejam as letras ou formas da impressão, as palavras e cores digitalizadas da transmissão áudio-visual, etc. Mas sua produção, circulação e consumo prendem-se às regras de um mercado peculiar, mas ainda assim mercado, onde os produtores querem aparentar estar sempre a serviço dos interesses dos consumidores, e não dos próprios. Mais ou menos como na produção de carros, sabonetes ou chicletes.

Cria-se assim um fetichismo peculiar da mercadoria-informação, em que ela brilha como se tivesse vida própria, fosse um valor-em-si e não de troca, a tal ponto que a ausência do objeto-jornal, por exemplo, pode provocar uma crise de abstinência (seja o jornal prezado, detestado, desprezado ou tudo ao mesmo tempo) tão grave no leitor quanto a falta de uma droga para o nela viciado. A mercadoria-informação oculta assim a sua própria natureza de mercadoria, passando a idéia de que ela tem apenas um valor-de-uso, por ser uma “reprodução” fidedigna de uma “realidade”, mesmo quando esta é apenas a opinião de articulistas particulares, pois na grande mídia estes sempre se apresentam falando em nome de vetores semânticos (mais simplesmente sujeitos/objetos) abstratos, como “o eleitor”, “o consumidor”, “o leitor”, e cada vez mais raramente “o cidadão”, palavra que foi remetida para o fundo da gaveta.

O livro de Altamiro é de leitura interessante e obviamente interessada. Tenho apenas uma observação de natureza crítica (afinal, esta também é do ofício do resenhista): com freqüência ele se refere aos Estados Unidos como “o império do mal”. É claro que a expressão tem o sentido irônico de glosar a expressão “eixo do mal”, consagrada pelo governo Bush em relação à Coréia do Norte, Irã e Iraque. Mas sua reiterada repetição lhe dá foro de conceito, e assim deixa ambiguamente no ar a sugestão (certamente involuntária) de que possa haver um “império do bem”.

Por fim, ele também deixa no ar uma pergunta. A união estratégica de interesses da mídia oligárquica no Brasil, por sobre sua concorrência no dia a dia, é cada vez mais sólida, estreita e manifesta. Entretanto, apesar dos inúmeros fóruns, encontros, declarações, as esquerdas e suas mídias alternativas estão ainda longe – como sempre estiveram historicamente – de se articular em frentes comuns de atuação e sinergia. Este é uma outra questão que, mesmo não estando na pauta explícita da I Conferência, vai determinar seus resultados conforme nela se avançar ou estagnar.

Fonte: Carta Maior

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