quarta-feira, 12 de agosto de 2009

O pensamento que o Brasil precisa


por Emir Sader


Desde que Márcio Pochmann assumiu o Ipea, o Instituto tem contribuído decisivamente para mudar a pauta do debate no Brasil, mediante estudos que se constituem no melhor material para quem quer pensar o país realmente existente, entre avanços, problemas, conflitos, contradições e perspectivas.

Na orientação dessas análises se encontra aquele que é quem melhor pensa hoje o Brasil e divisa os dilemas, o potencial e o horizonte possível de um país justo, soberano e democrático. Porque é quem melhor articula a economia com as esferas social e ecológica.

Se alguem me perguntasse o que deveria ler para captar o Brasil hoje, eu não hesitaria em recomendar os textos de Pochmann, tanto artigos, quanto entrevistas e livros. Acabou de ser publicada uma entrevista na Caros Amigos (trechos reproduzidos logo abaixo), que resume em parte a visão que ele tem sobre o Brasil realmente existente e as perspectivas de sua democratização.

Com o título – “O mercado de trabalho reproduz a desigualdade” – seguida do destaque: “Os 10% mais pobres do Brasil – 20 milhões de brasileiros – vivem com renda média mensal per capita de 70 reais e transferem 35 dos 70 em imposto para o Governo, porque os impostos indiretos são os que mais oneram essa população.”

“Os ricos vivem aqui muito melhor que a classe média e os ricos nos Estados Unidos e na Europa porque aqui os ricos não pagam impostos” – afirma ele, tocando em um ponto central, mencionando “um sistema tributário que concentra renda, que tira dos pobres e dá para os ricos e com um Estado que se organizou para atender fundamentalmente os ricos”.

Perguntado sobre os efeitos da crise, Pochmann diz que “chegamos a 2007, por exemplo, com 50% dos trabalhadores ocupados com algum tipo de proteção trabalhista, seja por carteira, seja por conta da contribuição à Previdência Social.” Nos últimos cinco anos, depois de duas décadas muito ruins para o mundo do trabalhador brasileiro, “tivemos a redução do número de pobres, redução das desigualdades e ampliação do salário minimo. O crédito melhora, há recuperação do volume de gastos”.

A crise pega o Brasil nessa situação, mas o país reagiu de forma diferente das crises anteriores – a da dívida externa, a do governo Collor e a do governo FHC. A reação a estas era a mesma: “a saída da crise se dava pelo mercado externo e não pelo interno, ou seja, aumentava nossa subordinação às decisões internacionais.” “O governo aumentou impostos, reduziu os gastos públicos, arrochou salários e não ampliou as políticas que atendem a base da pirâmide social.”

Diante desta crise, o governo atuou de forma totalmente oposta: manteve o gasto público e até o ampliou, comecou uma política habitacional ampla. Não aumentou impostos, ao contrário, os reduziu. O salário mínimo foi aumentado em 12%, assim como o número de famílias atendidas pelo Bolsa Família. “É importante dizer que, pela primeira vez desde 80, os pobres não estão pagando os custos da crise como no pasado.”

Pelos dados do IBGE, de outubro do ano pasado a março deste ano, 315 mil pessoas saíram da condição de pobreza nas regiões metropolitanas, mesmo na crise.

No entanto, a situação social do país ainda é muito grave: “temos 37 milhões de jovens na faixa etária de 16 a 24 anos. A metade desses jovens não estuda.” Os jovens só estudam quando trabalham. Quando o que a gente quer não é dar trabalho, mas dar escola para os filhos dos pobres. “Este ano 500 mil jovens do ensino médio abandonarão a escola por não ter complementação de renda.” É por isso que o Brasil avança na oferta de vagas e piora na qualidade do ensino.”

“Temos 11% da população analfabeta, doenças do século XIX. Faz 60 anos que tentamos fazer a reforma agrária e a estrutura fundiária que temos hoje é pior do que a estrutura de 1950.” O Brasil não fez, segundo Pochmann, as reformas clássicas do capitalismo contemporâneo: a reforma agrária, a propriedade é muito concentrada, os meios de produção estão concentrados nas mãos de 6% da população, com 20 mil famílias dominando o país, absorvendo 70% dos juros da dívida; o país tampouco fez a reforma tributária, nem a reforma social. O problema não é o da falta de recursos, mas sua má utilização.

Destaque tem a reforma tributária: “Os ricos não comprometem 20% do que ganham com pagamento de impostos, embora usem mais do que isso do Estado.” Enquanto que os 10% mais pobres transferem 35 dos 70 reais, sua renda mensal per capita, para o Estado.

Pochmann considera que o Bolsa Família minimiza a pobreza, mesmo sendo uma ação de emergência. “…não é pouco para quem vive com 30 ou 40 reais por mês.”

Fonte: Blog do Emir Sader - Carta Maior

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O mercado do trabalho reproduz a desigualdade

Por José Cristian Góes

O economista da Unicamp, Márcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), esteve em Aracaju (SE) para uma palestra e conversou com a Caros Amigos. Ele defende a completa refundação do Estado brasileiro.
O professor analisa a crise internacional e revela números surpreendentes das desigualdades no Brasil. Pochmann é categórico quando fala em educação: “Ela não transforma. Ela conforma para o trabalho”.
Ele garante que a atual crise econômica possibilita entrarmos em um novo padrão civilizatório em que os parâmetros de produção e consumo vão mudar. Chama a atenção para o meio ambiente e considera que o mundo vive um período de desgovernança pública.
É enfático ao tratar de República e democracia no Brasil: “Na nossa democracia sobram partidos e faltam ideias”; “dizemos que temos República no Brasil, mas não temos. República significa igualdade de oportunidades”.
Pochmann é um dos maiores pesquisadores do País sobre o mundo do trabalho. É especialista em emprego e salários e autor de 27 livros sobre inclusão social, desenvolvimento econômico e políticas de emprego. Entre os livros de sua autoria do economista estão O Desafio da Inclusão Social no Brasil e Relações de Trabalho e Padrões de Organização Sindical no Brasil. Na Unicamp, é professor do Instituto de Economia e atua no Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit).

Caros Amigos – Como o senhor avalia a crise financeira mundial?

Márcio Pochmann – Essa crise é uma crise do modo de produção capitalista, uma crise estrutural, sistêmica, uma crise que não é exclusivamente financeira, embora tenha sido nessa esfera que ela se originou. Essa crise impôs perdas expressivas aos ricos, impôs a queda da taxa de lucro das empresas, especialmente de alguns setores industriais. A crise impactou a área social. Estamos convivendo com maior desemprego, com aumento das desigualdades. Essa crise está contaminando o mundo da política. Cinco países tiveram alternância de poder em função, inclusive, do agravamento da crise. Não tivemos crises anteriores com problemas ambientais. Os impactos ambientais são extremamente degradantes. Temos uma crise inédita nesse sentido. Vale dizer que é uma crise que encontra o mundo, os países, em quase sua totalidade submetida à lógica mercantil. Nunca tivemos uma crise anterior com uma profundidade como esta. E não tem saída a curto e médio prazo porque a crise afetou as estruturas do padrão capitalista de produção e consumo. Não há como garantir a sustentabilidade da acumulação de capital.

O senhor diz que essa crise é de produção e consumo. Explique o que é a crise de consumo?

O que deu sustentabilidade de longo prazo ao capitalismo no século 20 foi a produção de bens de consumo duráveis, como por exemplo, a casa própria e o automóvel. Não são apenas eles, mas a casa e o automóvel simbolizam o consumo no capitalismo do século 20. A produção desses bens se difundiu pelo mundo, no entanto, apenas um quarto da população mundial tem acesso a esse padrão de consumo. Apenas um quarto. É o que praticamente temos no Brasil. Para que esse padrão de consumo tivesse padrões mundiais, especialmente no mundo onde a renda percapita é muito baixa, foi necessário o aprofundamento do subdesenvolvimento, que é o que se pressupõe no Brasil. Em outras palavras: para que aqui no Brasil pudesse se instalar a indústria automobilística e a produção nacional comparável ao os países ricos foi necessário concentrar profundamente a renda, para poder viabilizar o padrão de consumo dos mais ricos. Se a gente for a qualquer cidade brasileira a gente vê segmentos sociais que participam de alto padrão de consumo. Há bairros de qualquer cidade brasileira onde há casas com garagem com quatro, cinco carros, cada membro da família tem um automóvel. Há casas compatíveis com padrão hollywoodiano de habitação.

É, aqui os ricos vivem muito bem...

Os ricos vivem aqui muito melhor que a classe média e os ricos nos Estados Unidos e na Europa porque aqui os ricos não pagam impostos. E lá não existe como aqui essa massa de serviçais. É manicure, empregados domésticos, cortador de grama, faxineira, ou seja, um exército de prestadores de serviço. No Brasil, as famílias de classe média e ricas têm, em média, 13 serviçais à sua disposição para prestar serviços. São 13, no mínimo, ou seja, são mais de 20 milhões de pessoas que constituem esse exército com remuneração extremamente baixa. Por que é possível ir para uma pizzaria, churrascaria no Brasil e comer de forma extravagante pagando preços módicos? Porque aqueles que lá trabalham, o pizzaiolo, o churrasqueiro têm remunerações extremamente baixas. O que chama atenção é que viabilizar e internalizar esse padrão de consumo é somente possível com uma brutal concentração de renda, com um sistema tributário que concentra renda, que tira dos pobres e dá para os ricos e com um Estado que se organizou para atender fundamentalmente os ricos, o andar de cima da sociedade, como dizia Milton Santos. Esse andar de cima tem tudo. Tem banco público, tem sistema de tecnologia, tem compras públicas, ou seja, montou- se uma estrutura para sustentar os de cima. Isso não é uma experiência exclusivamente brasileira, mas talvez chegamos a maior sofisticação.

E esse padrão de consumo tem forte impacto ambiental, não é?

Claro. O mundo com 6,5 bilhões de habitantes e que apenas um quarto participa do padrão de consumo, mantido esse padrão de consumo, daqui a três décadas a temperatura da terra será três a quatro graus superior ao que é hoje. Três ou quatro graus podem não ser muito para nós individualmente, mas a elevação da temperatura nesse patamar significa aqui no Brasil problemas muito sérios. Por exemplo, a produção de café, que hoje é feita em várias regiões no País, só poderá ser possível no Rio Grande do Sul. Nós teremos problemas gravíssimos de seca em algumas áreas e enchentes em outras. Estaremos falando não mais em Floresta Amazônica, mas na grande savana amazônica. Não estou pregando o caos, não. O que estou chamando atenção é que levado adiante esse modelo de produção e consumo, nós precisaríamos de três planetas para conformar a difusão desse padrão de consumo para mais pessoas.

E quem ou quais instituições mundiais podem resolver os problemas da crise e seus reflexos?

Este é um aspecto grave. Estamos vivendo a plena desgovernança no mundo. Nós vivemos uma quadro de profunda anarquia do ponto de vista público porque as instituições que foram constituídas para fazer a governança pública do mundo estão completamente esgotadas para viver a nova realidade. Com o encerramento da 2ª guerra, estabelece-se a Assembléia Geral das Nações Unidas, ou seja, a ONU, que tinha o objetivo de estabelecer um padrão de convivência, de regulamento mínimo entre países. Veja, a ONU somente conseguiu fazer uma conferência sobre a crise só agora no mês de junho, quer dizer, quase um ano depois da crise ter se manifestado. A ONU não consegue reunir os países para estabelecer convergências. O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) que estavam presentes nas crises anteriores, dizendo façam isso e aquilo, simplesmente desapareceram. Mal e porcamente conseguem projetar se a economia vai ou não crescer, ou seja, não têm o que dizer. Esse padrão de regulação pública está falido.

Para ler a entrevista completa e outras reportagens confira a edição de agosto da revista Caros Amigos, já nas bancas, ou clique aqui e compre a versão digital da Caros Amigos.

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