quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Conferência de Comunicação: caem as máscaras e as ilusões

Alguns atores políticos do campo da comunicação acreditam firmemente que a presença das empresas vai conferir uma legitimidade maior, especial, à 1ª Conferência Nacional de Comunicação.

Por Rogério Tomaz Jr.*, no Observatório do Direito à Comunicação

Outros chegam a embarcar no discurso pseudonacionalista de instituições que, sem exceção, sempre defenderam — e contribuíram ativamente com — a política entreguista de todas as riquezas do Brasil ao capital estrangeiro, vigente sem restrições até 2002.

E ainda há quem creia ser politicamente viável e concretamente possível se chegar a consensos — leia-se: conciliação — com os (tu)barões da mídia que permitam ganhos reais para a sociedade na luta para a democratização da comunicação.

Estas três idéias estão permeadas por graves equívocos conceituais e políticos.

Na dimensão conceitual, há uma grande dose de incompreensão acerca do instrumento no qual consiste uma conferência: sua forma, seus fundamentos, seus limites e suas potencialidades. Muitos atores sequer conseguem discernir entre os papéis e atribuições do Estado e da sociedade (nos seus diversos segmentos) na construção do processo.

Os erros nas formulações — sobretudo no terreno da estratégia e tática — e ações políticas são apenas a conseqüência prática dos lapsos conceituais.

Voltando às idéias que motivaram o presente texto, em primeiro lugar, o que garante a legitimidade de uma conferência setorial — um instrumento de democracia direta e participativa muito peculiar do Brasil — é a conjugação da forma de construção (transparente, aberta, horizontal e capilarizada) do processo com a presença ativa da sociedade, esta sim, razão maior e demandadora e destinatária primordial dos meios e fins deste processo.

Vale dizer que mesmo conferências setoriais convocadas apenas pelo Legislativo — caso de muitas conferências de direitos humanos e de educação e cultura — não foram ilegítimas pela ausência formal do Executivo. A presença deste, no entanto, se justifica pela (possibilidade de) maior efetividade nos desdobramentos das conferências.

No caso da Conferência de Comunicação, a participação de um setor que é fundado na lógica do lucro — frontalmente oposta à lógica da democracia e do interesse público — pode, respeitadas certas condições, qualificar o processo e fortalecer a eficácia do momento pós-conferência, o que não significa, de modo algum, ampliar a sua legitimidade. O vigor social e a validade política desse tipo de instrumento são conferidos justamente — em medida mais do que suficiente — por aqueles setores que reivindicam maior participação e poder de decisão.

A participação do empresariado é bem-vinda, sem dúvida. No entanto, jamais será condicionante da legitimidade de um instrumento que foi reclamado e conquistado exatamente para dar voz e vez a quem as tem negada pela hegemonia do capital, tanto nos vários entes do Estado quanto, sobretudo, nos meios de comunicação que se dizem defensores da liberdade de expressão para o conjunto da sociedade.

Os artífices do grande capital têm acesso direto, privilegiado e irrestrito ao Estado. No caso da comunicação, as empresas que historicamente controlam o setor possuem um representante dileto ocupando o principal posto da área no governo federal. Além disso, podem se reunir, a qualquer momento e sem qualquer óbice, com outros membros do primeiro escalão e mesmo com o Presidente da República. Só a ingenuidade — ou a predisposição para a conciliação indolor, mas inócua — justificaria a (suposta) crença de que os empresários participariam da Conferência Nacional de Comunicação movidos por sentimentos e objetivos democráticos.

Diante dessa constatação, o atual momento — dominado pela postura chantagista de parte do empresariado e, com isso, aberto a um possível golpe contra a Conferência, visando deslegitimá-la politicamente e evitar que seus resultados sejam acolhidos de bom grado pelo poder público — revela o tamanho do equívoco em que consistiram os insistentes esforços despedidos pelo campo popular-democrático da sociedade civil para incluir os empresários na construção do processo.

Uma coisa seria o governo convidar e buscar envolver os empresários da comunicação. Outra coisa foi uma certa ilusão — que acabou prevalecendo — entre as entidades e movimentos da sociedade civil de que eles não iriam sabotar um processo que se coloca explicitamente na contramão de seus interesses. O ônus dessa miragem é coletivo, sem dúvida, mas espera-se que sirva de lição para outras batalhas.

Em segundo lugar, o discurso de “defesa dos interesses nacionais”, especialmente por parte das emissoras de rádio e TV, é tão sólido quanto um castelo de cartas em meio a uma tempestade.

Os grupos que se autodefinem como guardiões da democracia brasileira são os mesmos que pediram, apoiaram, legitimaram e sustentaram o Golpe de 1964. E, antes disso, já haviam atuado de forma unificada na rejeição à criação da Petrobrás, mesma empresa que hoje querem desacreditar (perante a sociedade brasileira) e enfraquecer (no cenário internacional) no preciso momento em que ela encara o seu maior desafio — que coincide com a maior possibilidade de salto econômico que o Brasil poderá dar em toda sua história.

Estas empresas, que disseminam o preconceito e a violência simbólica contra os movimentos sindicais e sociais e chamam de “ditabranda” o regime de terror de Estado vigente por mais de duas décadas em nosso país, são as mesmas que atuaram sistematicamente a favor de projetos conservadores-entreguistas em absolutamente todas as eleições presidenciais desde 1989 e não têm qualquer pudor de acusar de terroristas aqueles lutadores que ousaram empunhar armas para resistir aos governos ilegítimos e tiranos que assaltaram a Nação a partir de 1964. Sem falar no grupo hegemônico do setor, que boicotou as Diretas Já! em 1984 e se envolveu diretamente em inúmeras tentativas de fraudes em eleições ao longo das últimas décadas.

Sobretudo, estas empresas são as mesmas que desrespeitam sistematicamente a Constituição e inúmeras normas jurídicas do país, no tocante ao monopólio e oligopólio na comunicação, no controle de concessões de rádio e TV por parlamentares, na asfixia da veiculação e da produção audiovisual regional e independente, entre muitas outras irregularidades.

Por fim, a ideia — percebida claramente nas entrelinhas do discurso de alguns atores — de que a conferência seria, na essência, uma grande mesa de diálogo com o empresariado e o governo, de modo a apontar diretrizes “possíveis” e “viáveis” para fazer avançar a comunicação no Brasil, se mostrou equivocada desde as primeiras reuniões da Comissão Organizadora Nacional. As máscaras caíram cedo.

Nem mesmo o princípio básico de participação majoritária da sociedade — excetuando-se os entes do Estado e os representantes do mercado — é aceito pelos empresários. Estes, com flertes positivos do governo, têm dado sinalizações de que irão exigir, para confirmarem sua participação, uma composição equivalente aos setores não empresariais — na proporção 40/40, restando 20% ao poder público — no universo de delegados para a conferência. Caso isso se confirme, a 1ª Conferência Nacional de Comunicação conseguirá a proeza de superar até mesmo o Congresso Nacional — que já é uma anomalia e uma ilegalidade — na super-representatividade de empresários da comunicação em relação ao conjunto da população brasileira.

Se ainda restava dúvida em alguns atores quanto à impossibilidade de conciliação com as empresas, a postura dos representantes destas na Comissão Organizadora deve ter apagado qualquer vã ilusão.

Na realidade, as conferências são arenas públicas de acirrada disputa de projetos e de concepções acerca dos temas em questão. O rebaixamento ou “recuo tático”, a priori, do programa das entidades é uma premissa que não precisa ser aplicada, visto que os resultados das conferências precisarão passar, obrigatoriamente, pelos filtros do Legislativo e do Executivo antes de se tornarem objetos palpáveis na realidade cotidiana. Aí, sim, neste campo da representatividade, com os seus ônus e bônus inerentes, o pragmatismo e a lógica da conciliação prevalecem e se traduzem na forma de leis, regulamentos, programas e outras categorias de políticas públicas.

Portanto, nenhum recuo e nenhuma concessão aos (tu)barões da mídia na 1ª Conferência Nacional de Comunicação! A participação política — além de ser a concretização do princípio da soberania popular que dá vigor a qualquer democracia — é um direito sagrado da sociedade e uma obrigação do Estado. Se as empresas de comunicação se dispuserem a participar da Conferência, sem impor condições ou desvirtuar a sua natureza, excelente. Caso contrário, sigamos em frente. O que não falta é trabalho a ser feito.

*Rogério Tomaz Jr. é jornalista, integrante do Intervozes — Coletivo Brasil de Comunicação Social e da Comissão de Liberdade de Expressão do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal

Fonte: Observatório do Direito à Comunicação

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