terça-feira, 11 de agosto de 2009

No princípio era o Verbo. Mas o Verbo virou Paraíso Fiscal

por Leonardo Sakamoto

A Justiça de São Paulo acatou denúncia criminal contra integrantes da Igreja Universal , entre eles o fundador Edir Macedo, por formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. De acordo com o Ministério Público, a movimentação suspeita da Universal foi de R$ 4 bilhões entre 2003 e o ano passado. Segundo a Folha de S. Paulo, os líderes da igreja dizem que a Receita Federal aprovou todas as contas e afirmam que o assunto é “requentado”.

Não é novidade que uma organização religiosa atue para acumular patrimônio. Apenas no campo do cristianismo, a Igreja Católica tem feito isso de forma consistente há mais de mil anos, indo à guerra se necessário fosse. Até hoje possui um Estado soberano, bancos, terras, veículos de comunicação, enfim. Ou seja, o fato da Universal ter 23 emissoras de TV, 42 de rádio, quatro firmas de participações, uma agência de turismo, uma imobiliária, uma empresa de seguro de saúde, duas gráficas, uma gravadora, uma produtora de vídeos, uma construtora, uma fábrica de móveis, duas financeiras e uma empresa táxi aéreo não foge dessa linha.

Quando uma igreja usa os recursos para outra finalidade que não a sua, pode perder a isenção tributária a que tem direito no Brasil. Já ouvi de fiéis da Universal do Reino de Deus e de suas franquias – como a Mundial do Poder de Deus e Internacional da Graça de Deus – que o dízimo serve para o trabalho “evangelizador” através da mídia e que eles apóiam esse uso. De certa forma, o acúmulo de patrimônio das religiões contemporâneas tem o objetivo de aumentar sua capacidade de comunicação (ou propaganda, como queiram), que é exatamente de onde vem sua força. Certo ou errado caberá à Justiça decidir se o uso do dinheiro foi de acordo com a lei.

É óbvio que me incomoda o fato de uma estrutura criminosa internacional poder ter sido criada para evitar o pagamento de impostos, dinheiro que poderia estar sendo usado em favor do bem público (se não ficasse preso na passagem aérea da filha de algum político, é claro). Mas há outra questão, mais polêmica.

Independentemente do que acredito ou deixo de acreditar, os discursos fundadores de religiões, como o cristianismo, pregam valores diferentes do que foi posto em prática por muitos daqueles que levaram a palavra adiante. Houve um malabarismo semântico ao longo de séculos para justificar o injustificável, e transformar palavras como igualdade e fraternidade em elementos a serem respeitados dentro de classes sociais e não por toda a sociedade. A construção de uma igreja sólida ainda se faz através do aumento das paredes de templos e não no crescimento de uma comunidade menos dependente de intermediários para falar com o andar de cima.

Usando o próprio argumento do texto base da religião: é mais fácil uma corda (houve um erro de tradução do texto original, a palavra significa corda e não camelo, mas quem se importa?) passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar… bem vocês sabem o resto. Em outras palavras, é possível pregar a igualdade acorrentado a um patrimônio gigantesco? Garantir uma mansão em Miami para um bispo é equivalente a comprar uma indulgência?

Mas outra característica de muitas religiões hoje, tanto as antigas que se adaptaram quanto as novas que surgem, é ter característica de empresas. Não é a Renascer em Cristo que comemorou o jogador e fiel Kaká ter sido vendido para o Real Madrid, uma vez que a igreja receberia o dízimo decorrente dos ganhos do jogador com a transação? Foi Deus que garantiu essa venda, disse a esposa do jogador.

Ou seja, fazendas, conglomerados de comunicação, indústrias, investimentos, até passe de jogar de futebol, tudo em nome de Deus. Pois, no princípio era o Verbo. Mas o Verbo se fez Paraíso Fiscal.

Portanto, como filho dele gostaria de reivindicar a minha parte em espécie agora e não após passar desta para a melhor. Amém.

Fonte: Blog do Sakamoto

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