segunda-feira, 16 de março de 2009

O novo marco regulatório do petróleo

::

Por Almir Ribeiro*, na Gestão Sindical

É notável como certos assuntos de fundamental importância para o país podem desaparecer do debate e da curiosidade pública. Um exemplo atual desse fenômeno é o desinteresse como a sociedade tem acompanhado as discussões acerca da definição do novo marco regulatório que regerá a exploração de petróleo em território nacional. Trata-se de um tema de crucial importância para um futuro bem próximo, sobretudo depois das fabulosas descobertas do pré-sal, com o potencial de transformar o Brasil, em poucos anos, num grande exportador de petróleo.

A notícia da descoberta desses mega-depósitos, no final de 2007, levou autoridades do governo e da Petrobrás a se posicionarem favoráveis à uma reforma da legislação do petróleo, ajustando-a à nova realidade. Essas posições deflagraram um debate radicalizado em torno do futuro modelo exploratório a ser adotado para o pré-sal. Embora incipiente, a discussão acirrou os ânimos de setores oposicionistas e de um sem-número de lobistas disfarçados de especialistas, favoráveis à manutenção do precário marco regulatório em vigor. Em meio à polêmica criada, em meados de 2008 o presidente Lula instituiu uma comissão interministerial para elaborar propostas que orientem a decisão governamental sobre o modelo a ser adotado. Formada por ministros e dirigentes da Petrobras e da ANP, desde o final do ano passado a comissão vem adiando a apresentação do resultado de seu trabalho.

Nesse ínterim, o debate público em torno do marco regulatório perdeu espaço junto à opinião pública, o que é difícil de se compreender, mesmo em se considerando as emergências impostas pela atual crise econômica. Por se tratar de um tema de transcendental importância para a economia nacional e que desperta a avidez dos mais organizados lobbies econômicos internacionais, não seria exagerado suspeitar que esse circunstancial desinteresse possa significar a prevalência, na vulnerável e tendenciosa grande mídia nacional, das posições de setores empenhados em que não haja mudanças na precária legislação brasileira do petróleo.

A atual Lei do Petróleo foi aprovada a toque de caixa, em 1997, dentro do mesmo multirão reformista que resultou na suspeita votação da emenda da reeleição do presidente FHC. Somente os tratos sub-republicanos que caracterizavam a relação entre o governo e o Congresso naquele período explicam como a nova lei pôde flexibilizar o direito de exploração e produção de petróleo, considerando-se que o artigo 177 da Constituição ainda preserva sua redação original, que estabelece o monopólio em favor da União. Mas o princípio constitucional foi subvertido pelo polêmico artigo 26 da nova lei, que determinou a propriedade do petróleo ao concessionário que o produzir, sendo este definido em leilão. No modelo criado, o ponto mais sensível ao interesse nacional é a distribuição dos ganhos do empreendimento exploratório, com participação de no máximo 40% para a União, e mais royalties entre 5 e 10% para os governos locais, cabendo ao concessionário um prêmio quase sempre superior a 50%. Para comparação, nos grandes países produtores, a bonificação do explorador raramente supera os 20%, mas os formuladores da lei nacional justificaram esse percentual pressupondo altos riscos de exploração na plataforma oceânica brasileira.

Mas as recentes descobertas das mega-reservas do pré-sal inverteram a condição de alto risco exploratório. Estimativas iniciais conservadoras indicam depósitos de 80 bilhões de barris de petróleo de boa qualidade que, se devidamente comprovadas, posicionarão o país num invejável quinto lugar no ranking mundial de reservas. Embora preliminares, esses dados converteriam os leilões dos blocos exploratórios remanescentes da província do pré-sal em um rateio de bilhetes premiados, razão que levou o governo a suspender todas as futuras rodadas de licitação de novos blocos. A medida causou protestos junto aos grupos de interesse, mesmo com as garantias de manutenção dos termos dos contratos de concessão já assinados. Em recente seminário sobre o tema, Davi Zylbersztajn, o ex-genro que FHC instalou como primeiro diretor-geral da ANP e atualmente consultor internacional na área de energia, chegou a manifestar opinião favorável à continuidade dos leilões dos blocos adjacentes do pré-sal, os tais bilhetes premiados. Dá para se ter uma idéia dos riscos que as riquezas e a soberania nacional correriam, caso essa mentalidade ainda estivesse instalada em Brasília.

A Lei do Petróleo introduziu um modelo de concessão em que as licitações definem qual empresa vai explorar determinado campo e qual o percentual de seus lucros líquidos vai repassar ao governo, em forma de participação e royalties. Os defensores da preservação do modelo de concessão argumentam que bastaria ajustar à nova realidade do pré-sal os limites dos percentuais de repasse ao governo. No modelo alternativo mais comum, o de partilha, o governo elimina o prêmio de risco na exploração, que passa a ser um empreendimento compartilhado onde o próprio petróleo extraído é dividido entre a empresa exploradora e a representante estatal, após subtraídos os custos de produção. Uma outra opção prevê contratos de prestação de serviços para exploração dos blocos exploratórios ainda em posse da União. Nada impede que se opte por um modelo misto, o que é até mais provável. Mas, qualquer que seja a escolha, o desafio maior do novo marco será assegurar o interesse nacional na redistribuição dos ganhos exploratórios diante da nova realidade do pré-sal.

Aguarda-se para as próximas semanas a conclusão do trabalho da comissão interministerial e a revelação do modelo de exploração que o governo tentará aprovar no âmbito do novo marco regulatório. A partir daí, espera-se que o debate ganhe maior dimensão pública. O assunto transitará por outras esferas do poder, chegando ao parlamento, que desde o ano passado já se submete ao assédio de interesses de toda sorte, inclusive palestras de destacados lobistas internacionais, organizadas em seminários sobre o tema. Para apreensão da República, no Senado as discussões do marco regulatório serão conduzidas no âmbito da Comissão de Infra-Estrutura, presidida pelo imprevisível senador Fernando Collor de Melo. É preciso despertar a opinião pública nacional para a importância do assunto e promover o envolvimento dos setores organizados da sociedade nesse debate decisivo para o futuro do país.


* Almir Ribeiro é colaborador da seção Diálogos da revista CartaCapital
Clique aqui para ir à Gestão Sindical

::


Share/Save/Bookmark

Nenhum comentário: