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por Carlos Chagas
BRASÍLIA - Vale insistir nas imagens que a Rede Globo expôs, talvez por descuido, no programa "Bom Dia Brasil", na manhã de quinta-feira, logo depois desaparecidos das telinhas da nave-mãe e das outras emissoras, de forma orquestrada e tão a gosto de práticas passadas. Censura? Novas concepções de jornalismo? Pressão daquelas forças ocultas tão óbvias desde o século passado?
Tanto faz, mas a verdade é que quem acordou mais cedo, quinta-feira, viu o nascimento de uma favela em plena periferia de Los Angeles, com direito a entrevistas de seus habitantes desempregados e sem-teto. Em vez de barracões de zinco ou, mesmo, de alvenaria, barracas de camping. No lugar de crianças descalças vimos pimpolhos egressos da classe média, encasacados por conta do frio, como seus pais, mas com fome e desesperança. A prefeitura local servia "quentinhas" e queixava-se de que não dará mais para alimentar centenas de famílias gratuitamente. Instalados todos ao ar livre, debulhavam um rosário de lamentações. Tinham emprego, não têm mais. Trocavam de carro todo anos, hoje não conseguem sequer uma bicicleta. Moravam em casas ou apartamentos financiados pelos bancos, perderam as moradias por atraso nas prestações.
O choque é por tratar-se de cidadãos americanos da antiga classe média, corados, louros e por enquanto bem vestidos, ainda que ao lado deles não faltassem negros esquálidos, maltrapilhos e menos espantados, porque conformados com a miséria e a falta de opções. Produz-se, nesses novos guetos, uma integração singular, pois todos convivem sem ânimo para discriminações. Basta verificar as filas para as refeições por enquanto bancadas pelo poder público.
As informações são de que apodrecem e se deterioram as casas e apartamentos que tiveram de ser abandonados, retomados na Justiça pelos bancos em estado pré-falimentar, estes impossibilitados de conservá-los. Também, para quê, se inexistem novos compradores aos quais faltaria crédito, se tentassem? O que acontece na Califórnia, o mais rico dos estados americanos, repete-se em Nova York, Chicago, Cleveland e outros centros.
De repente, o sonho começa a acabar. Anda apavorado o cidadão americano médio, aquele que ainda consegue manter seu emprego ou tocar sua atividade privada, apertando o cinto, restringindo despesas e certo de que a crise atingirá não apenas seus filhos, mas seus netos. Fala-se, nos Estados Unidos, em sacrifícios por três gerações.
Não se sabe bem se Barack Obama foi eleito por causa da crise ou se foi a crise que elegeu Barack Obama. Importa menos. A verdade é que está indo atrás da vaca, para o brejo, o modelo neoliberal antes exportado para o mundo inteiro. Mais de um milhão e meio de desempregados desde novembro passado. E muitos mais com passaporte tirado para a desgraça.
A poucos interessa saber se os responsáveis pela débâcle econômica serão identificados e punidos, lá em cima. Provavelmente não, porque os especuladores, os imprevidentes e os malandros conseguiram garantir-se aos primeiros sinais da crise. E ainda confiam em que o poder público acabará por salvá-los em nome do "american way of life", ao qual a imensa maioria ainda se aferra. Washington botou a impressora de verdinhas para funcionar, pelo jeito mais de dois trilhões de dólares já foram distribuídos para as empresas com lama no pescoço e até na boca. Tomara que dê certo, ou, ao menos, que o caos possa ser evitado. Espera-se que não se torne necessária outra guerra mundial, solução óbvia, mas até agora omitida para justificar a volta por cima dada na crise de 29-30. Também, não existem mais superpotências como o Terceiro Reich para sacrificarem sua juventude e recuperarem sua economia.
Estas considerações são feitas com profunda amargura, ao contrário do que alguns patetas poderão fazer crer. Porque não dá para evitar o efeito dominó, cada vez mais próximo de nós. Os americanos têm todo o direito de apelar para o protecionismo, reduzindo exportações, recambiando investimentos e fechando-se diante do resto do mundo. Trata-se de sua própria salvação, mesmo se vierem a encontrar alternativas para o modelo que criaram e agora naufragou. Será bobagem apelar para que, lucrando como até pouco lucravam, admitam agora repartir dividendos com outras nações. A começar por aquelas, como nós, em meio ao processo neoliberal agora implodido. Será cada um por si, ainda que Deus não pareça estar com ninguém.
Noves fora as fotografias, a propaganda e os jogos de cena, essa terá sido a principal conclusão trazida pelo presidente Lula depois de seu encontro, sábado, com o presidente Barack Obama.
Fonte: Tribuna da Imprensa
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