sexta-feira, 20 de março de 2009

Não há resgate para os mais atingidos

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A AIG utilizou dezenas de bilhões de dólares do resgate financeiro para pagar gigantes como o Bank of American e o Goldman Sachs que já tinham recebido bilhões de dólares em fundos de resgate. É isso o que os contribuintes estadunidenses estão fazendo: resgatando seus abastados compatriotas sonegadores de impostos.

A utilização do dinheiro do resgate financeiro – dinheiro aportado pelos contribuintes – para o pagamento de bônus da AIG provocou, com razão, uma virulenta reação massiva contra a seguradora e contra Wall Street. Mas também contra o presidente Barack Obama e seus assessores econômicos – o Secretário do Tesouro, Timothy Geithner e Larry Summers. Com o resgate financeiro, os cidadãos estadunidenses passaram a ser proprietários de 80% da AIG.

A indignação se deu tanto no Partido Democrata como no Republicano. O senador republicano por Iowa, Charles Grassley, disse o seguinte sobre os executivos da AIG: “A primeira coisa que me faria sentir um pouco melhor em relação a eles é que seguissem o modelo japonês, fizessem uma profunda reverência diante do povo estadunidense, pedissem desculpas e optassem por uma destas alternativas: renunciar ou suicidar-se”. O Procurador Geral de Nova York, Andrew Cuomo, acaba de divulgar detalhes do pagamento de bônus que deixam em evidência a absurda afirmação da AIG de que se trata de “bônus de retenção” destinados a conservar empregados-chave: onze dos executivos que receberam bônus de um milhão de dólares já não trabalham mais para a AIG.

Estes milionários da AIG teriam que devolver estas fortunas que não ganharam com seu trabalho, e de fato é possível que o Congresso aprove uma lei impositiva exclusivamente para eles, taxando seus bônus em 100%.

Mas, para aqueles que foram mais atingidos pela crise econômica, essa indignação toda servirá para algo? Virá alguma coisa das centenas de bilhões de dólares dos diversos pacotes de estímulo econômico e resgates financeiros para o cidadão comum que tenta simplesmente seguir adiante? Ou serão monopolizados pelas corporações consideradas “demasiado grandes para quebrar”, deixando para trás milhões de pessoas que, pelo visto, são suficientemente pequenas para quebrar?

O Centro para a Inclusão Social (CSI, na sigla em inglês) acaba de publicar um informe sobre a crise econômica que inclui recomendações sobre a melhor maneira para resolvê-la. Vincula o fator racial com a falta de oportunidades e a proliferação das tristemente famosas hipotecas de alto risco que desencadearam a crise econômica.

Maya Wiley, Diretora Executiva do CSI, me disse: “Para estimular a economia temos que estimular a igualdade”. As pessoas precisam de educação, transporte, moradia e um meio ambiente limpo, porque esses são os fatores que lhes permite ter uma base sólida para responder à crise e seguir adiante. Wiley adverte que a proposta de criar postos de trabalho a partir de projetos de infraestrutura de rápida implementação (projetos conhecidos como “shovel-ready”, prontos para escavar) dirigidos para estimular a economia, favorecerá de forma desproporcional quem trabalha no setor da construção, que são predominantemente homens brancos.

Por isso propõe que se estabeleçam acordos de benefícios comunitários para a criação de empregos. Sobre este tema, Wiley me disse: “É necessário contar com acordos de benefícios comunitários; devemos garantir que, quando o governo realize obras de construção, garanta que as pessoas com baixos rendimentos, afroamericanos, imigrantes e as mulheres tenham acesso em igualdade de condições a esses postos de trabalho. E devemos garantir também que o orçamento de trânsito, ou melhor, o orçamento de transporte seja destinado realmente a projetos inteligentes de trânsito que conectem as pessoas que necessitam de trabalho com os lugares onde estão os postos de trabalho”.

O grupo Unidos por uma Economia Justa também põe ênfase na brecha racial que existe na distribuição da riqueza, assinalando que “24% da população negra e 21% da latina vivem abaixo da linha de pobreza, enquanto que somente 8% da população branca encontra-se nesta situação.

No mundo corporativo estamos presenciando os maiores resgates financeiros da história, ao mesmo tempo em que as remunerações recebidas pelos executivos alcançam montantes inusitados. O salário de um alto executivo é 344 vezes maior que o de um trabalhador médio.

Existe uma crença generalizada de que a liberação de créditos salvará a economia e que, portanto, estes gigantes financeiros necessitam de bilhões de dólares dos resgates financeiros custeados pelos contribuintes. Mas a crise começou justamente pelos descumprimentos de pagamento dos créditos hipotecários de alto risco. Uma solução que poderia ter sido tentada quando começou a crise teria sido ajudar aos proprietários que não podiam pagar, de maneira que pudessem evitar a execução de suas moradias. Maya Wiley, do Centro para a Inclusão Social, assinala:

“Cerca de 35% dos titulares de hipotecas de alto risco estavam, na verdade, em condições de receber empréstimos a taxas preferenciais. Trinta e cinco por cento. Imagine se tivéssemos tido um sistema de financiamento no qual as pessoas pudessem ter acesso realmente aos créditos que lhes correspondiam. A maioria dessas pessoas não era branca. E inclusive se olharmos como se ampliou a indústria de empréstimos de alto risco, vemos que, em grande medida, se desenvolveu porque estas comunidades de afroamericanos e imigrantes não tinham um acesso justo ao crédito”.

Os bancos e as instituições de empréstimos hipotecários impulsionaram uma estratégia agressiva para impor empréstimos rigorosos a pessoas pobres e minorias. A Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor (NAACP, na sigla em inglês) apresentou demandas contra a Wells Fargo e o HSBC, acusando estas instituições de “racismo sistemático e institucionalizado na concessão de empréstimos hipotecários”.

Os bancos empacotaram estes empréstimos de risco em valores financeiros e os venderam; com base nestes valores, criaram instrumentos derivados impossíveis de entender ou avaliar. A AIG segurou aos bancos de investimentos contra as potenciais perdas com estes instrumentos derivados complexos. O Tesouro dos EUA resgatou então seus bancos e a AIG.

A AIG utilizou dezenas de bilhões de dólares de seu dinheiro do resgate financeiro para pagar a esses mesmos gigantes bancários que já tinham recebido bilhões de dólares em fundos de resgate: Bank of America e Goldman Sachs. Mas, apesar desta sangria de centenas de bilhões de dólares destinados a estes megabancos, agora nos dizem que o mercado de créditos segue paralisado. Muitos bancos europeus também receberam fundos através de resgates similares, incluindo o banco suíço UBS, que oferece contas bancárias secretas que permitem aos estadunidenses mais ricos sonegar impostos. De fato, o que os tão golpeados contribuintes estadunidenses estão fazendo é isso: resgatando seus abastados compatriotas sonegadores de impostos.

Obama cercou-se de assessores financeiros, como Summers e Geithner, que têm vínculos muito estreitos com Wall Street. É hora de canalizar o estímulo econômico para aqueles que realmente necessitam: os cidadãos que o estão financiando com seus impostos.

Denis Moynihan colaborou na produção desta coluna.

Tradução: Katarina Peixoto

*Amy Goodman é apresentadora de "Democracy Now!" um noticiário internacional diário, nos EUA, de uma hora de duração que emite para mais de 550 emissoras de rádio e televisão em inglês e em 200 emissoras em Espanhol. Em 2008 foi distinguida com o "Right Livelihood Award" também conhecido como o "Premio Nobel Alternativo", outorgado no Parlamento Sueco em Dezembro.

Fonte: Agência Carta Maior

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