segunda-feira, 23 de março de 2009

LEI “Serão contra as mudanças os que perdem privilégios”, diz ministro

“Serão contra as mudanças os que perdem privilégios”, diz ministro

Por Ana Paula Sousa

O baiano Juca Ferreira, substituto de Gilberto Gil no Ministério da Cultura, é um aquariano viciado no horóscopo do Quiroga, publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo.

“Sempre bate”, ri, enquanto folheia o Caderno 2. Num vôo de São Paulo para Belo Horizonte, na manhã do último sábado, ele lê em voz alta a previsão astral:

- Suas razoes são muito boas, mas não são únicas. Este é um momento que prenuncia discussões bastante acaloradas. Mas, apesar do stress que vem junto com elas, é necessário compreender que são mais do que necessárias, devem acontecer.

Juca Ferreira ri de novo. Até Quiroga, quem diria, parece falar da Lei Rouanet.

Brincadeiras à parte, é fato que, a partir de hoje, quando começa a consulta pública do projeto de reformulação da lei, uma importante discussão virá a público.

O mecanismo de incentivo à cultura, que movimenta cerca de 1 bilhão de reais anualmente, tem 18 anos de existência e uma série de distorções.

Ao que tudo indica, a batalha será grande. Dos bancos que usam a Lei para manter os próprios institutos aos produtores e artistas que temem perder sua principal fonte de financiamento, são muitos os interessados no projeto.

A primeira discussão pública em torno das alterações aconteceu na sexta-feira, na Funarte, em São Paulo. Nesse dia, o ministro concedeu uma entrevista exclusiva ao blog Babel.

Mas como, coincidentemente, eu estava no mesmo vôo que o Ministro, rumo à capital mineira, a conversa pôde ser esticada no sábado de manhã.

Nessa segunda rodada, Juca Ferreira respondeu aos comentários de alguns leitores que se manifestaram a respeito da reportagem Produtores contestam dados do Ministério da Cultura.

Antes de se debruçar sobre os comentários do blog, ele leu não só o Quiroga, mas também a reportagem de capa sobre a Lei Rouanet. Ficou envaidecido com a foto e comentou: “Rapaz, acho que isso tudo vai fazer um barulho… Mas, olha, achei muito boa a reportagem. Você não achou, não?”

Ouça aqui as respostas dadas aos internautas e leia, abaixo, a entrevista concedida por Juca Ferreira.


Na reunião da Funarte, alguns dos presentes contestaram os dados que o Ministério vem divulgando. Eles dizem, por exemplo, que a concentração regional apenas reproduz a distribuição econômica do País.

Não há uma diferença estatística, e sim uma diferença na interpretação dos dados. O Ministério acha que o Imposto de Renda, um tributo federal, deve ser disponibilizado buscando uma distribuição mais justa.

Já alguns produtores acham que é natural que os recursos da cultura se concentrem no eixo Rio-São Paulo. A diferença, como eu disse, não é de dados, e sim de interpretação do que é justo.

Mas o escalonamento nos índices de abatimento, proposto pelo novo projeto, não pode, simplesmente, afastar algumas empresas do patrocínio? Um empresário pode decidir que, se é para investir no Acre, é melhor nem investir…

A gente não quer obrigar ninguém a fazer nada que não deseje. As empresas continuarão investindo apenas onde querem. Mas, principalmente num ano de crise, é obrigação do governo tentar corrigir certas distorções da Lei.

Não queremos punir ninguém, mas tentar aumentar o acesso à cultura, tanto da parte de quem produz quanto da parte de quem consome.

Há quem diga que, da maneira como está, o projeto, aos poucos, vai matar a Lei. O ator Odilon Wagner chegou a dizer que a cultura pode passar por um baque semelhante ao da era Collor.

Toda mudança vem acompanhada de certa expectativa. Vamos ter os que são a favor e os que são contra. Muitos dos que ficarão contra são aqueles que perdem privilégios com as mudanças.

Quem, por exemplo?

Vamos acabar, por exemplo, com os intermediários que se diziam capazes de liberar projetos no Ministério. Esses atravessadores absorviam cerca de 15% dos recursos públicos da Lei Rouanet.

Não há necessidade de intermediários entre os produtores e o Ministério. Estamos simplificando a lei para evitar que parte do dinheiro vá para atividades inúteis.

Alguns produtores temem que a mudança transfira o dinheiro do incentivo para um fundo a ser administrado pelo governo. Outros, sobretudo de cidades menores ou ligados a produções menos “mercadológicas”, clamam pelo fundo público. Será esse o principal cabo-de-guerra que veremos a partir de agora?

Não vamos acabar com a renúncia, mas ela deixará de ser o principal modelo de financiamento. A renúncia não tem condições de financiar todas as atividades de todas as naturezas.

Estamos propondo a transformação do fundo no principal mecanismo de financiamento à cultura.

A renúncia é uma parceria público-privado e, em geral, as empresas que usam a lei se interessam pelas manifestações que podem dar retorno de imagem. O fundo deve atender a manifestações que não têm essa característica, e que são maioria.

Na Funarte, manifestantes atacam a Lei Rouanet

Na Funarte, manifestantes atacam a Lei Rouanet

Mas os fundos geram sempre o temor das “ações entre amigos”, do velho balcão governamental…

Faremos fundos modernos, geridos por comissões integradas pelos mais diversos representantes da sociedade.

Qual a garantia de que isso funcionará de fato?

A garantia é a nossa trajetória. Não vamos estatizar a cultura. Mas vamos trabalhar com critérios públicos mais transparentes, criando uma grade de pontuação que determinará o percentual de renúncia a que cada projeto terá direito.

Que critérios serão esses?

Queremos pactuar esses critérios a partir da consulta pública.

Não caberia ao MinC defini-los? E aproveito para perguntar se, depois de tantos anos de consultas, não seria o caso de vocês terem apresentado uma proposta já fechada.

A proposta está fechada, mas a gente se sente no dever de acatar sugestões da sociedade. Esse é, inclusive, um mecanismo previsto pela Constituição. O que for relevante, levaremos em consideração.

Desde 2003, quando era secretário-executivo do Gilberto Gil, o senhor fala em mudar a Lei Rouanet. Muita gente achava que o projeto nem sairia mais. Qual a sensação de trazê-lo enfim a público?

É um alívio. Isso estava virando um saco de pedra carregado pelo ministério. Mas esse projeto teve que percorrer esse percurso e amadurecer. Ele teve que esperar a consolidação do processo de editais, a criação dos fundos setoriais e a construção de políticas públicas.

Vocês falam muito nos fundos. Mas o ministério teve boa parte do orçamento, que já é pequeno, contingenciado. De onde virá o dinheiro?

Uma parte dos recursos é orçamentária e outra virá de taxas e contribuições específicas de cada área. O mercado editorial, por exemplo, pode estabelecer uma contribuição que será revertida para o próprio setor.

Além disso, criaremos a loteria da cultura. E o governo tem que se sensibilizar também.

As grandes produções estrangeira, como o Cirque du Soleil, continuará tendo acesso aos recursos públicos?

Um ministério da Cultura não pode ser xenófobo. O brasileiro precisa ter acesso à produção de outros países. A crítica ao Cirque du Soleil é que, ao receber dinheiro público, não houve um abatimento na entrada das apresentações.

A entrada de dinheiro público tem que significar algum tipo de ganho à população brasileira. O Cirque era inacessível a boa parte dos brasileiros. Foi esse o erro da aprovação.

Durante sua gestão como secretário-executivo (até agosto de 2008), sua imagem era de autoritário, de bravo… Isso o incomodava?

Isso é um pouco da secretária-executiva, que tem de exercer um papel nem sempre agradável. Mas a acusação de autoritarismo me incomodava, sim.

Mas ser ministro é mais difícil, não?

É desgastante porque tem também toda a parte de representação.

E você tem que compensar todas as deficiências do serviço público, enfrentar o descaso com o orçamento do Ministério… O desmonte do Estado brasileiro é grave. O Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) passou 20 anos sem fazer um concurso.

O que é mais complicado quando se sucede uma figura como o Gil?

Quando assumi, eu disse: “Sou tímido. Não me tirem pra dançar.” Mas as pessoas se acostumaram com o Gil… No outro dia, tive que dançar com um grupo de forró. Isso pra mim é um mico danado.


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