:: por Rodrigo MartinsA descoberta do desfalque milionário de recursos públicos na construção do Fórum Trabalhista da Barra Funda, em São Paulo, completa dez anos. Os processos movidos contra os autores do crime continuam a patinar em terreno pantanoso. O excesso de recursos e a lentidão do Judiciário beneficiam os responsáveis pelo rombo, estimado em 169 milhões de reais, que continuam livres, apesar das pesadas condenações. A única exceção é o juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto, ex-presidente do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), hoje com 80 anos. Ele nunca deixou a condição de preso desde que se entregou à Polícia Federal, em 2000, após 227 dias foragido. Ainda assim, goza do benefício da prisão domiciliar, em seu confortável casarão de estilo colonial no bairro paulistano do Morumbi.
Agora, o Ministério Público Federal (MPF) se prepara para uma batalha. Os procuradores buscam responsabilizar Nicolau por improbidade e recuperar o dinheiro supostamente desviado por ele e pelos demais réus. Nas contas da Procuradoria, seriam mais de 504 milhões de reais em valores atualizados. O magistrado aposentado, o ex-senador Luiz Estevão e os empresários Fábio Monteiro de Barros e José Eduardo Ferraz estão condenados, desde maio de 2006, pela 5ª Turma do Tribunal Regional Federal. Somadas, as penas chegam a 115 anos de prisão por desvio de recursos, corrupção, estelionato e formação de quadrilha. À exceção do ex-juiz, todos aguardam em liberdade a apreciação do recurso que pede novo julgamento.
Na prática, o processo está parado há cerca de um ano. O recurso que solicita uma nova audiência, desta vez no Superior Tribunal de Justiça, foi rejeitado pela desembargadora Suzana Camargo, vice-presidente do Tribunal Regional Federal (TRF). Mas os advogados de defesa conseguiram anular a decisão, sob a justificativa de que ela havia sido relatora do julgamento que condenou os réus. “De lá para cá, nenhum outro juiz apreciou o pedido. Está tudo parado”, comenta a procuradora Janice Ascari.
A pendência pode favorecer os acusados, com a prescrição dos crimes. Condenado a 26 anos de prisão, Lalau não pôde ser sentenciado por formação de quadrilha no julgamento do TRF em razão disso. “Como o juiz aposentado tem mais de 70 anos, ele é beneficiado com a redução dos períodos de prescrição, que varia de crime para crime. Já foi um avanço ele ter sido condenado, porque, se o julgamento fosse adiado, ele estaria livre. Os crimes iriam prescrever no dia seguinte”, diz a procuradora. O escândalo foi descoberto em 1998. Os procuradores constataram que apenas 64% da obra fora construída, com 98% dos recursos liberados. Abandonada naquele ano, após consumir 234 milhões de reais, só seria retomada quatro anos depois. O tamanho do rombo foi estimado por peritos da USP.
Boa parte dos pagamentos efetuados à empreiteira Incal, responsável pela obra, era repassada ao Grupo OK, de Estevão. No decorrer da investigação, descobriu-se que 90% das cotas da Incal pertenciam ao conglomerado do ex-senador. Também foram rastreados depósitos de 1 milhão de dólares de uma conta do empresário, nos Estados Unidos, para outra de Nicolau, na Suíça.
Desde que o MPF apresentou a denúncia, em 2000, não pararam de surgir obstáculos. Por três anos, juízes de diferentes instâncias bateram cabeça para determinar qual era o tribunal competente. Além disso, as dezenas de recursos apresentadas pela defesa atrasaram os julgamentos.
O ex-juiz Nicolau é o único condenado pela Justiça Federal no estado de São Paulo que cumpre a pena em sua própria residência, sob vigilância policial. Recebeu o benefício sob a justificativa de sofrer de problemas cardíacos e depressão. Antes disso, passou oito meses na Casa de Custódia da PF. Só retornaria à cadeia em duas ocasiões, e apenas por alguns dias, por insistência do procurador Rogério Dassié, que acompanha a sua execução penal. “Os laudos médicos apresentados pela defesa não são convincentes. Um psiquiatra, por exemplo, se aventurou a diagnosticar problemas cardíacos”, diz Dassié. Um relato do psicólogo Armando Rocha Júnior, que avaliou Nicolau a pedido da Secretaria da Administração Penitenciária, leva à suspeita de que Lalau possa estar se valendo de um subterfúgio. Diz Rocha Júnior: “Solicitado a ficar sentado para a realização das avaliações psicológica e psiquiátrica, somente o fez com a ajuda de seis homens, em contradição com a postura impositiva que adotou, em relação aos agentes que o acompanhavam, ao rejeitar a maca para retornar à ambulância”.
Responsável pela defesa de Nicolau, o advogado Francisco de Assis Pereira afirma que seu cliente não finge. E sustenta a tese de que não houve desvio de recursos na obra do TRT paulista. “Se foram desviados 169 milhões de reais, de um contrato de 234 milhões, 70% do valor do prédio foi desviado. Então, como o edifício pôde ser erguido? E por que a obra foi concluída, quatro anos mais tarde, por muito menos?” O criminalista também contesta os depósitos de Estevão em conta suíça de Nicolau. “O que houve foram transações entre contas do próprio juiz.”
A procuradora Janice Ascari atribui a diferença nos valores à inflação ocorrida no período entre o suposto desvio e a conclusão da obra. Segundo ela, documentos do Departamento de Justiça dos Estados Unidos comprovam os depósitos de Estevão para Nicolau.
Com esse dinheiro, o juiz teria comprado um apartamento em Miami, leiloado judicialmente. “Há 870 mil dólares à disposição das autoridades brasileiras nos Estados Unidos. Uma conta de 4 milhões de dólares na Suíça também está bloqueada. Mas o dinheiro só pode ser repatriado depois que o processo criminal for concluído”, afirma a procuradora.
À época do escândalo, Luiz Estevão controlava dezenove empresas, com faturamento anual de 300 milhões de reais. Também teve os bens bloqueados. Único senador cassado desde o fim da ditadura, perdeu o mandato em 2000, por quebra de decoro parlamentar, após negar à CPI do Judiciário sua participação no esquema. Por conta do processo, foi preso algumas vezes. Sempre obteve a liberdade em pouquíssimo tempo. Hoje, a face mais visível do ex-senador é o Brasiliense Futebol Clube, de sua propriedade, que disputa a Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro. No fim de setembro, ele esteve às voltas com a Justiça novamente, desta vez na esfera desportiva. Teve de prestar esclarecimentos pelos gestos obscenos que fez contra a torcida do Gama, que, da arquibancada, havia ensaiado um provocativo coro: “Ladrão, ladrão!” Também estão em liberdade os empresários Fábio Monteiro de Barros e José Eduardo Ferraz, sócios da Incal.
Uma situação muito distante da realidade de países onde a Justiça funciona com o mínimo de celeridade. É emblemático o caso da Enron, nos Estados Unidos, a maior falência da história americana até então, provocada por fraudes financeiras. Após a quebra da empresa, em 2001, descobriram-se 13 bilhões de dólares em dívidas. Em menos de cinco anos, os responsáveis pela fraude sentaram no banco dos réus. Em 2006, Ken Lay, ex-presidente da Enron, foi condenado em dez processos por fraude e conspiração. Morreu de infarto antes da definição da pena. No mesmo ano, outro ex-presidente da companhia, Jeffrey Skilling, foi condenado a 24 anos de prisão. Cumpre pena num presídio em Minnesota.
Após quatro anos de paralisação das obras, o Fórum da Barra Funda finalmente foi concluído em 2004. Precisou do aporte de mais 60 milhões de reais. Agora, o moderno edifício de 19 andares abriga as 90 varas trabalhistas da capital, onde circulam 20 mil pessoas diariamente. “A nova sede carrega o estigma do escândalo, mas contribui para melhorar as condições de trabalho e o atendimento dos usuários”, comenta a juíza do Trabalho Maria Cristina Trentini.
Fonte:
Carta Capital::
Lalau, a anedota
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