domingo, 12 de outubro de 2008

Estatais, graças a Deus

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Por Alon Feuerwerker

É notável (oh, os adjetivos) a implicância dos bem-pensantes com o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro). É um fenômeno que vem da segunda metade dos anos 80 do século passado. Coisa portanto antiga. Como nós. Antes, o MDB/PMDB (o partido mudou de nome na reforma política imposta pelo governo Figueiredo) havia adquirido respeitabilidade e musculatura na luta contra o regime militar. O início foi difícil, após a dissolução das legendas pelo AI-2 (1965) e a imposição de regras draconianas que conduziram ao bipartidarismo, cenário em que surgiu o MDB. Na passagem dos anos 70 para os 80, o ainda novinho MDB foi alvo da ira da parcela da esquerda que optara pela luta armada e pregava o voto nulo nas eleições. Chamavam-no, pejorativamente, de "oposição consentida". Já o Partido Comunista Brasileiro (PCB) via no MDB a oportunidade de criar um movimento legal de oposição, pois as organizações de esquerda estavam proscritas. O PCdoB passou a participar do MDB na segunda metade da década de 70, depois da derrota militar na Guerrilha do Araguaia. Em seguida vieram os outros grupos (melhor dizer pessoas) que haviam sobrevivido à repressão. Essa migração da esquerda para o MDB desencadeou a fúria do regime, que simultaneamente passou a editar pacotes com o objetivo de impedir que o MDB vencesse eleições (leia sobre o Pacote de Abril) e a escalar violentamente a perseguição ao PCB e ao PCdoB. Mas a História registra que os espasmos da ditadura apenas atrasaram a redemocratização, não conseguiram evitá-la. Especialmente depois que o segundo grande salto do preço do petróleo desencadeou a crise internacional que engoliu nosso país ao longo da administração Figueiredo. A redemocratização aconteceu porém de maneira torta. O grande líder da oposição no fim da ditadura era Ulysses Guimarães, presidente do PMDB. Só que as eleições diretas para presidente não vieram e o candidato (indireto) acabou sendo Tancredo Neves, que morreu sem tomar posse e deixou o lugar para José Sarney, que vinha de ser o presidente do partido do regime saído. O que aconteceu a partir daí sabe-se: o PMDB e Ulysses Guimarães dominavam o governo e, ao mesmo tempo, faziam oposição. Sarney sobreviveu politicamente porque, além da sabedoria e experiência, teve a iniciativa de lançar sucessivos pacotes econômicos e não deixou seu governo ser engolido pela hiperinflação. Na época, como se recorda, a moda eram os choques heterodoxos, nascidos da convicção de que o vetor fiscal não era importante para a estabilidade da moeda. Convicção que sobreviveu até a crise cambial da passagem do primeiro para o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso. Desde então, o país de certo modo caiu na real. Mas voltemos ao PMDB. Mais para o final dos anos 80, o chique era combater o fisiologismo na política. O que com o tempo acabou se transformando em crítica da política em geral. Um fenômeno que elevou Fernando Collor às alturas e, em seguida, acabou por derrubá-lo. Em contraposição aos "partidos fisiológicos" (PMDB), vitaminavam-se os supostamente "ideológicos", como o PT e o PSDB. O "fim da política" guardou certa simetria com o "fim da História" e o surto antiestatal que cercou e se seguiu ao colapso do socialismo na Europa. Tudo isso agora parece distante, num mundo em que o capital se volta em desespero para o Estado na busca de salvação. (Clique na imagem acima para ler reportagem do The New York Times a respeito.) Em que cresce a fome por regulação e participação do Estado, para proteger a sociedade dos efeitos catastróficos da livre acumulação e circulação do capital. Um mundo em que os países redescobrem a questão nacional como indispensável (leia O velho mundo novo). Vivemos o fim de uma longa noite de homogeneidade artificial do pensamento. O que é bom. Muito bom. Claro que não foi por isso que o PMDB ganhou a eleição municipal. Mas é curiosa a coincidência entre a ressurreição do partido e a ruína do arcabouço ideológico dos que pretendiam sepultá-lo. O título deste post? Trata-se de uma homenagem ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal. Espero que nos ajudem a sair desta. Graças a Deus, não conseguiram privatizá-los, quando isso estava na moda.

Fonte: Blog do Alon

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