domingo, 12 de outubro de 2008

NOURIEL ROUBINI - Revisitando os 12 passos para o desastre financeiro

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NOURIEL ROUBINI

Revisitando os 12 passos para o desastre financeiro

Em fevereiro deste ano, o economista Nouriel Roubini escreveu um artigo resumindo como a crise norte-americana iria se tornar mais severa e virulenta, podendo levar a um derretimento dos mercados financeiros e a uma recessão severa. Roubini começou a prever a catástrofe no mercado dos derivativos imobiliários há cerca de quatro anos. Foi chamado de louco e ridicularizado pelos oráculos de Wall Street.

No último mês de fevereiro - bem antes do colapso do Bear Stearns -, eu escrevi o artigo "O risco de um derretimento financeiro sistêmico: os doze passos para o desastre financeiro", no qual resumi como a crise norte-americana iria se tornar mais severa e virulenta e eventualmente levaria a um derretimento financeiro e a uma recessão severa.

É o caso revisitar agora esses 12 passos para o derretimento financeiro, como os eventos das últimas semanas e meses confirmaram – literalmente, passo a a passo -, os 12 passos que eu então argumentei iriam nos levar ao atual quase-derretimento econômico e financeiro. Abaixo, apresento uma versão sumária desse artigo, em que cada um dos 12 passos desse derretimento financeiro é sumariamente relatado como foi escrito no texto original.

Os passos de 9 a 12 são apresentados em sua versão original integral – não sumária – como se fossem os passos finais cruciais desse cenário de desastre financeiro. Eles se encaixam adequadamente na rápida escalada da tensão de que os mercados financeiros vêm experimentando nos dois últimos meses. Compare você mesmo como os 12 passos apresentados em fevereiro correspondem à atual evolução dos mercados financeiros e da economia real, oito meses após esse artigo ter sido escrito.

Depois de rever o meu cenário dos 12 passos, apresento abaixo algumas recomendações políticas agora urgentemente necessárias para prevenir a ocorrência desse derretimento.

Aqui estão os 12 passos ou estágios de um cenário de derretimento financeiro sistêmico associado a recessão econômica severa.

Primeiro: esta é a pior recessão doméstica da história dos Estados Unidos e não há sinal de que vai acabar tão cedo...

Segundo: as perdas do sistema financeiro com o desastre subprime estão sendo estimadas tão altas como entre 250 a 300 bilhões de dólares. Mas as perdas financeiras não virão apenas das hipotecas subprime e dos seus correlatos RMBs e CDOs. Elas agora estão se espalhando para perto do auge e das hipotecas preferenciais [primes], do mesmo modo como as práticas temerárias de empréstimo nas subprime ...estavam ocorrendo em todo o espectro de hipotecas....Também se estende às perdas e ganhos das instituições financeiras o derretimento de centenas de bilhões de dólares em saldo devedor das modalidades SIVs (Structured Investment Vehicles)...E, porque os gastos com os títulos de seguro do lixo tóxico se propagaram dos bancos para o mercado de capitais e seus investidores nos EUA e no exterior, aumentou assim – e não se reduziu o risco sistêmico – a retração do crédito global.

Terceiro: a recessão vai conduzir – como já está ocorrendo - a um intenso aumento da inadimplência em outras formas de dívida de consumo inseguro: cartões de crédito, empréstimo pessoal, crédito estudantil...

Quarto: enquanto há uma grave incerteza quanto às perdas com que as monolines [seguradoras de crédito] vão arcar diante da insegurança dos RMBs, CDO e outros produtos tóxicos ABS [Asset Backed Securities], está agora claro que essas perdas são muitíssimo maiores do que o pacote de resgate de 10-15 bilhões com que os reguladores estão tentando remendar a situação. Algumas monolines estão na verdade no limite da insolvência e nenhuma delas merece, a essas alturas, uma classificação de risco AAA, sem que se leve em conta o quanto de recapitalização lhe é concedido...A queda dessas seguradoras também levará a perdas maiores – e uma possível fuga – de dinheiro do mercado de fundos que investiu em alguns desses produtos tóxicos. O dinheiro do mercado de fundos que foi assegurado por bancos ou que comprou seguro de liquidez dos bancos contra o risco de queda no NAV (Net Asset Value) pode evitar um fuga, mas esse resgate exacerbará os problemas de capital e de liquidez de suas corretoras...

Quinto: o mercado de empréstimo da propriedade comercial real em breve vai experimentar um derretimento similar ao das subprime...E uma nova invenção de hipotecas das propriedades comerciais reais está, já, semi-congelada; essas hipotecas já estão estão sendo executadas hoje.

Sexto: é possível que algum grande banco regional ou mesmo nacional que está muito exposto a hipotecas, residenciais e comerciais, venha a falir. Então, alguns bancos grandes podem se associar aos mais de 200 credores subprimes que faliram. Isso, assim como no caso do Northern Rock, vai deixar os correntistas em pânico e afeta a segurança dos depósitos. O FED terá de reafirmar a doutrina implícita segundo a qual alguns bancos são muito grandes para se permitirem falir. Mas essas falências bancárias vão ensejar muitas perdas fiscais com a ajuda aos bancos e a efetiva nacionalização das instituições afetadas...

Sétimo: as perdas dos bancos em suas carteiras de empréstimos alavancados são já grandes e crescentes. A capacidade das instituições financeiras de se organizar e assegurar seus investimentos em empréstimo – grande parte desses utilizados para financiar arriscados e temerários LBOs (Leveraged Buyout) – está agora em sério risco. E centenas de bilhões de dólares de investimentos em empréstimos estão agora parados na folha de pagamentos das instituições financeiras com valores nominais bem rebaixados (atualmente uns 90 centavos de dólar, mas logo logo muito menos). Acrescente-se a isso que muitos LBOs temerários (como os sem-sentido LBOs com as dívidas sobre os lucros na razão de sete para oito ter se tornado a norma durante os go-go days da bolha de crédito) agora foram adiados, reestruturados ou cancelados. E some-se a esse problema o fato de que muitos LBOs atuais vão terminar na bancarrota, assim como essas corporações, tomadas privadamente, estão efetivamente falidas numa recessão. Dado o risco de refixação da taxa de juros, empréstimos de tipo convenant-lite (com menos proteção) e “PIK (payment-in-kind) toggles” podem somente adiar – não impedir – essas falências e torná-las ainda mais feias do que elas geralmente são quando eventualmente ocorrem...

Oitavo: uma vez em curso uma recessão severa, uma onda massiva de inadimplência corporativa terá lugar. Num ano típico, a inadimplência nos EUA gira em torno de 3,8% (média do período 1971-2007); em 2006 e 2007 esse quadro foi reduzido a franzinos 0,6%. E numa típica recessão norte-americana essse tipo de default chega na casa dos 10%...O índice do default corporativo vai aumentar durante a recessão de 2008 e chegar bem acima dos 10%, de acordo com estudos recentes. E alguns defaults são maiores e vão ocorrer perdas maciças na expansão do crédito dentre os CDS (Credit Default Swaps), que protegem contra os defaults corporativos...Se as perdas são enormes, algumas das contrapartes que seguravam as corporações – possivelmente grandes instituições como as seguradoras de crédito, alguns fundos hedge ou uma grande corretora de seguros – podem ir à bancarrota, levando a um risco sistêmico ainda maior que o daqueles que compraram seguros de contrapartes que não podem pagar.

Nono: a “sombra do sistema bancário” (como definiram os companheiros do fundo PIMCO) ou mais precisamente a “sombra do sistema financeiro” (como é chamado por instituições financeiras não-bancárias) vai em muito breve enfrentar sérios problemas. Essa sombra do sistema financeiro é composta por instituições financeiras que – como os bancos – pegam emprestado em curto prazo e em formas líquidas e emprestam ou investem em longo prazo ou em ações com menos liquidez. Esse sistema inclui: SIVs, conduits, Money Market Funds [Fundos de Renda Fixa], seguradoras de crédito, bancos de investimento, fundos Hedge e outras instituições financeiras não-bancárias. Todas essas instituições estão sujeitas ao risco de mercado, de crédito (dado o seu risco de investimento) e, especialmente ao risco de liquidez na rolagem das obrigações de curto prazo, que podem facilmente parar de rolar, enquanto seus ativos são mais de longo prazo e sem liquidez.

Diferentemente dos bancos, financeiras não-bancárias não têm acesso direto ou indireto ao Banco Central, em último caso, à medida que elas não são instituições de depósito. Assim, no caso de pânico financeiro e/ou iliquidez, elas podem falir por causa de ambos, a insolvência e/ou a falta de liquidez e a incapacidade para girar ou refinanciar suas obrigações de curto prazo. O aprofundamento dos problemas na economia e nos mercados financeiros e o enfraquecimento das operações de risco vão levar algumas dessas instituições à ruína: alguns grandes fundos Hedge, alguns Money Market Funds, todo o sistema SIV e, possivelmente, uma ou duas grandes e sistemicamente importantes corretoras de seguros. Lidar com o pânico dessa sombra do sistema financeiro será muito problemático, já que esse sistema - esgarçado pelos problemas de liquidez e de crédito – não pode ser diretamente resgatado pelos bancos centrais no modo como bancos podem fazê-lo.

Décimo: os mercados de ações nos EUA e no exterior vão começar a precificar uma grave recessão – mais do que uma suave – e um intenso declínio econômico. A queda no mercado de ações vai resumir como os investidores rapidamente entendem que a retração econômica é muito mais severa, que as seguradoras de crédito não serão resgatadas, que as perdas financeiras vão aumentar e que os lucros vão cair bruscamente numa recessão, não apenas dentre firmas financeiras, mas também dentre as não-financeiras. Alguns poucos fundos Hedge lucrativos vão quebrar em 2008, depois das perdas maciças de muitos fundos Hedge em Agosto, Novembro (de 2007) e, de novo, em janeiro de 2008. Muitas margin calls vão ser alavancadas por grandes investidores “equity” [tipo de atividade que consiste em investir em empresas ainda não listadas em bolsa de valores, com o objetivo de alavancar seu desenvolvimento] e uma outra rodada de expressiva insuficiência de lucro rapidamente terá lugar.

Grandes coberturas e margin calls vão engatilhar um efeito cascata na queda do mercados “equity” nos EUA e nos mercados “equitys” globais. Mercados equity globais e norte-americanos vão se comportar como numa típica recessão norte-americana e o S&P500 [índice composto por 500 ações qualificadas em função do seu tamanho de mercado, liquidez e representação de grupo. É um índice ponderado de valor de mercado; valor do ativo multiplicado pelo número de ações em circulação] cai algo como 28%.

Décimo primeiro: a piora na retração do crédito que está afetando mais mercados creditícios e mercados de créditos derivativos vai terminar levando a uma escassez de liquidez numa miríade de mercados financeiros, inclusive noutros mercados de derivativos bastante líquidos. Outra rodada de crédito retraído no mercado interbancário vai causar risco das contrapartes, falta de confiança, liquidez premia (preferencial) e risco de crédito. Uma variedade de taxas interbancárias – TED spreads, BOR-OIS spreads, BOT-Tbill spreads, política interbancária de taxação de spreads, swap spreads, VIX e outras alavancas para evitar o risco dos investidores – serão solidamente ampliadas, de novo. Mesmo a diminuição da bancarrota após as ações maciças dos bancos centrais nos últimos dezembro e janeiro reverterá como crédito relativo à manutenção de altas taxas interbancárias, a despeito de ulteriores injeções de liquidez através dos bancos centrais.

Décimo segundo: um vicioso círculo de perdas, redução de capital, contração de crédito, liquidação forçada e fire sales de ações abaixo dos preços mínimos resultarão num ciclo crescente e em cascata de perdas e posterior contração de crédito. Num mercado sem liquidez os preços atuais de mercado são ainda mais baixos que o valor mínimo que eles têm agora, dados os problemas de crédito na economia. Os preços de mercado incluem o desconto da vasta falta de liquidez, devido ao crédito e a problemas fundamentais dos ativos underlying que estão sendo reforçados com as dificuldades financeiras. As perdas de capital vão levar ao aumento das margins calls e, posteriormente, à redução da classificação do risco por uma variedade de instituições financeiras que agora estão forçadas a marcar suas posições no mercado. Um fire sale de ações dessa natureza em mercados sem liquidez conduz a perdas futuras que vão contrair o crédito e engatilhar mais demandas por margin calls e desintermediação do crédito.

Com base nas estimativas da Goldman Sachs, 200 bilhões de dólares em perdas no sistema financeiro levarão à contração do crédito em 3 trilhões de dólares, dado que as instituições retêm algo como 10% dos ativos per dolar de capital. A recapitalização dos Fundos de Riqueza Nacional [SWF – Sovereign Wealth Funds] – algo como 80 bilhões de dólares até agora – não terá como interromper essa desintermediação do crédito – (o movimento do balanço financeiro negativo a um balanço equilibrado e o de ações e de dívidas da sombra do sistema bancário para o sistema bancário formal) e a contração resultante no crédito, bem como o aumento de perdas vão controlar em grande medida a recapitalização via SWFs.

Uma contagiosa espiral em cascata da desintermediação do crédito, a contração do crédito, a rápida queda do preço das ações e a intensa ampliação dos spreads no crédito vão, assim, contaminar a maior parte do sistema financeiro. Essa quebra maciça do crédito vai tornar a contração econômica mais severa e levar a perdas futuras. As perdas totais do sistema financeiro vão ultrapassar 1 trilhão de dólares e a recessão econômica vai se tornar mais profunda, duradoura e severa.

Uma próxima recessão econômica global resultará em perdas financeiras e creditícias e a quebra do crédito vai se propagar em todo o mundo. Pânico, fire sales, efeito cascata na queda do preço de ações exacerbarão o medo na economia real e na financeira, assim como um grande e sistemicamente importante número de instituições financeiras vai à bancarrota. É um estilo 1987 de quebra do mercado de ações que ocorre, levando a mais pânico e ao profundo stress econômico e financeiro. O alívio monetário e fiscal não poderá prevenir um desastre financeiro sistêmico, como problemas de insolvência e de crédito e o excesso de problemas de não-liquidez.

A falta de confiança nas contrapartes – dirigidas pela opacidade e falta de transparência nos mercados financeiros, e a incerteza quanto ao tamanho das perdas e quanto a quem está controlando os títulos de lixo tóxico – aumentará a impotência da política monetária e levará à maciça acumulação de liquidez, o que intensifica a quebra do crédito e da liquidez.

Nesse cenário de derretimento, os mercados norte-americano e global terão a experiência da mais severa crise no último quarto de século.

*Nouriel Roubini é economista, diretor da consultoria Roubini Global Economics, e professor da New York University. Roubini começou a prever a catástrofe no mercado de derivativos imobiliários há cerca de quatro anos. No início, foi chamado de louco e idicularizado pelos oráculos de Wall Street. Chegou a expor seu ponto de vista há um ano, numa reunião do FMI, sendo solenemente negligenciado.

Tradução: Katarina Peixoto

Fonte: Agência Carta Maior

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