terça-feira, 31 de março de 2009

Quem é que vai pagar a conta?

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por Luiz Carlos Azenha

Em julho do ano passado o Viomundo publicou um artigo de Mike Whitney, do Counterpunch, prevendo que até a metade de 2009 o governo americano seria obrigado a limitar os saques no sistema bancário dos Estados Unidos, diante do risco de quebradeira generalizada. Parecia uma loucura, então. O artigo está aqui.

Se essa previsão vai se cumprir ou não é uma questão de tempo. O pacote de ajuda do governo Obama ao sistema financeiro inclui uma generosa contribuição estatal: para cada 15 dólares investidos por fontes privadas, o contribuinte americano entra com 85 dólares, no resgate de 100 dólares dos chamados "bens tóxicos". Trocando em miúdos: o papelório sem valor está sendo resgatado graças a um forte subsídio estatal.

O governo Obama acredita que isso será suficiente para permitir que os bancos limpem os seus balanços e voltem a emprestar. Isso e mais o dinheiro que será transferido à população para que ela pague as dívidas... com o sistema financeiro. Mas os pessimistas acham que não será suficiente. Acreditam que a insegurança generalizada em relação a novos investimentos vai parar a economia: ninguem quer emprestar com medo da saúde financeira do cliente. Ninguem quer investir com medo de perder dinheiro. E os próprios consumidores, endividados, vão se retrair cada vez mais. Se eles estiverem certos, o governo Obama será forçado a assumir formalmente o controle do sistema bancário.

Seja como for, um fenômeno que se dá em tempos de crise está se repetindo agora. As empresas tiram dinheiro de suas filiais e levam de volta para a matriz para acertar as contas. E essa fuga de dinheiro para o centro pode causar grave crise econômica e social em dezenas de países, para não falar em golpes de estado e quebra-quebra. A briga política que se dá nesse momento é justamente essa: quem pagará a conta? Os governos darão prioridade ao resgate de suas empresas? Farão corte nos programas sociais? No Brasil, essas decisões estarão no centro da campanha eleitoral de 2010.

O governo Lula agiu com uma certa defasagem em relação à crise. Talvez por causa dos compromissos assumidos no Congresso, continua apostando na coalizão que garantiu a governabilidade desde 2003. Subestimou a crise internacional. Como já escrevi aqui, as decisões de governo, em última instância, definirão quais serão os países ganhadores na crise e quais serão os perdedores. Lá atrás, escrevi: se o Brasil crescer 2% em 2009 deveríamos soltar rojões. Agora eu diria que, se o Brasil crescer alguma coisa em 2009, deveremos ficar felizes. Mesmo que for 0,1%.

A cada dia que passa a situação social nos Estados Unidos está se agravando, por causa do desemprego. Não dá para descartar nem mesmo aquela previsão sombria de que, em algum momento, o governo Obama será obrigado a usar a guarda nacional para evitar saques. Se isso serve de conforto, o governo Lula não esta só: até agora as propostas do governo norte-americano obedecem rigorosamente à lógica do sistema econômico que existia antes da crise. Por exemplo, na ênfase de centralizar as soluções no FMI, cujo controle é exercido de Washington. Quais serão as condicionalidades impostas pelo FMI aos países que quebrarem com a crise? Corte de gastos públicos? Aumento de impostos? É isso o que está em jogo: quem é que vai pagar a conta. E como ela será paga.

Fonte: Vi o Mundo - Luiz Carlos Azenha

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Uma disputa que se resolve na rua

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40 milhões de empregos correm risco

A nova crise da dívida global

por NICHOLAS DEARDEN, no Counterpunch (em inglês)

Mesmo ardentes defensores dos livres mercados acham difícil argumentar que a globalização está melhorando a vida da maioria do mundo. Um sistema de crises inerentes, que abasteceu níveis de desigualdade históricos sem precendentes, desabou, deixando um pesadelo para muitos países em desenvolvimento que descobrem que a globalização do comércio e dos investimentos, dos quais se tornaram dependentes, secou de repente. Em todo o mundo a previsão é da perda de 40 milhões de empregos em 2009.

Neste cenário, líderes mundiais que dizem se preocupar com o destino dos pobres deveriam se perguntar o motivo de terem apoiado o dogma fundamentalista dos mercados livres por tanto tempo. Em vez disso, algumas das novas idéias apresentadas por Gordon Brown e outros poderiam, depois de uma injeção de dinheiro desesperadamente necessária, significar mais das mesmas políticas que provocaram a crise em primeiro lugar.

Irresponsabilidade financeira não é nada nova. Nos anos 70, bancos e governos fizeram enormes empréstimos a países do mundo em desenvolvimento sem considerar para quem estavam emprestando, nem para que. Muitos países passaram os 30 anos subsequentes sob o peso de uma dívida impagável que permitiu ao mundo rico forçá-los a adotar políticas de livre mercado em suas economias.

O ministro das finanças do Chile, Andres Velasco, disse no ano passado que a crise do crédito era "uma versão mais moderna e maior do que a que os mercados emergentes já haviam experimentado nas últimas décadas". E a não ser que os mais pobres do mundo paguem por essa crise da forma que o Terceiro Mundo pagou na crise da dívida dos anos 80 e 90, as soluções dessa vez devem ser radicalmente diferentes.

A lição mais clara da crise atual é que a globalização financeira foi inimiga do desenvolvimento. Um relatório recente da ActionAid claramente mostra que aqueles países que se tornaram dependentes do fluxo de capitais estrangeiros em suas economias são os mais vulneráveis à crise.

Em tempos como esse o capital deixa a periferia e se move para o centro, o que está acontecendo agora. Países sem uma forte base de capital doméstica para financiar o desenvolvimento ficam secos e pendurados.

Em muitos países isso poderia resultar numa crise de dívida completa, especialmente naqueles países que fizeram empréstimos de curto prazo para repagar dívidas de longo prazo. Em 2006 havia 660 bilhões de dólares em dívidas de curto prazo (a serem pagas em um ano ou menos), 43 bilhões deles para países da África sub-sahariana.

O Banco Mundial diz que 43 países estão particularmente vulneráveis à crise financeira. Destes, 38 precisavam do cancelamento de dívidas antes da crise atual. O FMI prevê que se a crise continuar por um ano, o peso da dívida nos países de baixa renda aumentará em média mais 4% do PIB.

Incluídos entre esses países está a Zâmbia, que já recebeu perdão parcial uma vez mas, devido à queda nos preços internacionais do cobre e redução da produção, poderia ver suas dívidas tornarem-se duas vezes maiores que o nível sustentável reconhecido pelo Banco Mundial e o FMI.

As Filipinas, um país de renda média com uma alta dependência de capitais privados, tem enormes 8 bilhões em dívidas a serem pagas este ano, ao mesmo tempo em que a balança comercial entrou no vermelho.

O Bangladesh, dependente da exportação de roupas, provavelmente sofrerá uma grande queda de demanda que tornará difícil pagar as dívidas de curto prazo de 1,7 bilhão de dólares.

Mas as soluções que o G-20 pretende considerar na quinta-feira focam pesadamente em novos empréstimos -- em vez do cancelamento de dívidas -- e em ressuscitar o Fundo Monetário Internacional, a mesma instituição que transformou a quebradeira da Ásia em 1997 em uma crise sem precedentes ao sugerir medidas de austeridade.

Recentes detalhes de empréstimos dados pelo FMI demonstram que ele não aprendeu a lição. Ao Paquistão foi sugerido que aumente os juros e as tarifas de eletricidade, à Hungria que desvalorize a moeda e aumente os juros, à Latvia que reduza os gastos com o governo, à Servia que corte os gastos com o setor público e a El Salvador que não aumente o déficit fiscal.

Numa declaração da semana passada, Brown pediu novos 100 bilhões de dólares para garantir o comércio. Isso significa muito dinheiro para as agências de crédito que foram responsáveis pelo enorme crescimento das dívidas "ilegítimas" nas últimas três décadas -- dívidas que fizeram pouco ou nada para beneficiar as populações dos países que receberam o dinheiro, mas que ajudaram os nossos fabricantes de armas.

Propostas mais sérias, de outra parte, foram feitas recentemente pela Comissão de Especialistas da ONU formada pelo presidente da Assembléia Geral sobre a crise financeira. A comissão, dirigida pelo premio Nobel Joseph Stiglitz, pediu uma profunda reforma da economia global, inclusive com um processo internacional para maior e mais justo cancelamento de dívidas, o fim das condicionalidades obrigatórias e uma nova moeda de reserva para substituir o dólar. O presidente do Banco Central da China ecoou esse pedido na semana passada, sugerindo também um sindicato internacional de comércio -- uma idéia do economista John Maynard Keynes para evitar o acúmulo de enormes déficits ou superávits comerciais como aconteceu em anos recentes.

Estes são sinais de esperança, assim como a proposta de governos da América Latina de finalmente lançar o Banco do Sul, que permitiria aos sócios maior independência do FMI e do Banco Mundial, a partir de maio

Essencialmente, as soluções devem responder não só à economia, mas à política. Mais do que qualquer coisa, os países em desenvolvimento foram roubados de sua soberania e dignidade por mais de 30 anos e precisam reconquistar sua independência. A dependência criada e sustentada pela dívida por décadas precisa ser quebrada para haver qualquer esperança de desenvolvimento global e fim da pobreza.

Mas tais idéias dificilmente serão consideradas pelo G20. Apenas um movimento organizado das pessoas pode trazer as mudanças necessárias. É esse movimento que os protestos desta semana devem lançar, um movimento sem precedentes para enfrentar um momento sem precedentes, tanto de crise quanto de oportunidades.

Fonte: Vi o Mundo - Luiz Carlos Azenha

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A ideologia de livre mercado está longe de acabar

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Naomi Klein: crise não acaba com ideologia do livre mercado

por Naomi Klein
Do New York Times

Ninguém deve acreditar nas propaladas alegações de que a crise do mercado sinaliza a morte da ideologia de "livre mercado". A ideologia de livre mercado sempre serviu aos interesses do capital, e sua presença vai e volta dependendo de sua utilidade a tais interesses.

Em épocas de prosperidade econômica, é lucrativo pregar o laissez faire, pois um governo ausente permite que bolhas especulativas inflem. Quando essas bolhas estouram, a ideologia se torna um estorvo, e fica inativa enquanto o grande governo lidera o resgate.

Mas tenham certeza: a ideologia voltará com força quando as anistias terminarem. As dívidas massivas que o público está acumulando para anistiar os especuladores se tornarão, então, parte de uma crise orçamentária global que será o pressuposto para cortes profundos em programas sociais e para um empurrão renovado em direção à privatização do que foi deixado do setor público. Também nos dirão que nossas esperanças por um futuro verde são, infelizmente, muito onerosas.

O que não sabemos é como o público irá reagir. Vamos considerar que na América do Norte, todos com idades abaixo dos 40 anos cresceram ouvindo que o governo não pode intervir para melhorar nossas vidas, que o governo é o problema, não a solução, que o laissez faire é a única opção. Agora, de repente estamos vendo um governo extremamente ativista, intensamente intervencionista, que parece estar disposto a fazer qualquer coisa para salvar os investidores deles mesmos.

Este espetáculo levanta, necessariamente, uma questão: se o estado pode intervir para salvar corporações que assumiram riscos impensados nos mercados imobiliários, por que não pode intervir para evitar que milhões de americanos sofram a execução de suas hipotecas?

Seguindo o mesmo raciocínio, se US$170 bilhões podem ser instantaneamente disponibilizados para compra da gigante dos seguros AIG, por que o seguro de saúde individual - que protegeria os cidadãos das práticas predatórias das empresas de seguro-saúde - parece ser um sonho inalcançável? E se cada vez mais corporações precisam dos fundos dos contribuintes para se manter, por que os contribuintes não podem reivindicar algo em troca - como limites de juros em pagamentos executivos ou uma garantia contra mais perdas de empregos?

Agora que ficou claro que os governos podem realmente agir em tempos de crise, será muito mais difícil alegar a impossibilidade de agir no futuro. Outra mudança potencial tem a ver com as esperanças do mercado em relação a futuras privatizações.

Por anos, os bancos de investimento global têm feito lobby entre os políticos para a exploração de dois novos mercados: um que viria da privatização de aposentadorias públicas e outro que surgiria de uma nova onda de estradas, pontes e sistemas hídricos privatizados ou parcialmente privatizados.

Ambos esses sonhos acabaram de se tornar muito mais difíceis de vender: os americanos não mais estão dispostos a confiar seus ativos coletivos e individuais a apostadores imprudentes em Wall Street, especialmente porque parece muito provável que os contribuintes terão que pagar para comprar seus próprios ativos de volta quando a próxima bolha estourar.

Esta crise também poderia ser um catalisador para uma abordagem radicalmente alternativa à regulação de mercados mundiais e sistemas financeiros. Já estamos vendo uma movimentação em direção à "soberania alimentar" no mundo em desenvolvimento, ao invés de deixar o acesso aos alimentos aos caprichos dos negociantes de matérias-primas. Finalmente chegou a hora de considerar idéias como a tributação de negociações, que reduziria a velocidade do investimento especulativo, assim como outros controles do capital global.

Hoje, a nacionalização não é mais um palavrão, e as empresas de gás e petróleo devem ficar atentas: alguém precisa pagar pela mudança em direção a um futuro mais verde, e faz mais sentido que a maior parte dos fundos venha do setor altamente lucrativo que é o maior responsável por nossa crise climática. Isso certamente faz mais sentido do que criar outra bolha perigosa resultante da comercialização de carbono.

Contudo, a crise que estamos presenciando demanda mudanças ainda mais profundas do que essa. O motivo pelo qual esses empréstimos podres puderam se proliferar não foi apenas porque os reguladores não entenderam o risco. Foi porque temos um sistema econômico que mede nossa saúde coletiva somente com base no crescimento do produto interno bruto. Enquanto os empréstimos podres estavam estimulando o crescimento econômico, nossos governos os apoiavam ativamente. Assim, o que realmente foi colocado em questão pela crise é o comprometimento inquestionável com o crescimento a qualquer custo. Na verdade, esta crise deveria nos levar a encontrar uma forma radicalmente diferente por meio da qual nossas sociedades possam mensurar saúde e progresso.

Nada disso, no entanto, acontecerá sem uma enorme pressão pública sobre os políticos neste período-chave. Não o lobby educado, mas um retorno às ruas e o tipo de ação direta que mostrou o caminho durante o New Deal, na década de 1930. Sem isso, teremos mudanças superficiais e um retorno, assim que possível, à velha forma de fazer negócios.

Naomi Klein, colunista do The Nation e The Guardian em Londres, é autora de Doutrina do Choque - Ascensão do Capitalismo de Desastre (The Shock Doctrine: The Rise of Disaster Capitalism) e Sem Logo - A tirania das marcas em um planeta vendido .

Artigo distribuído pelo The New York Times Syndicate.

Para ler outro texto da autora, clique aqui.

Fonte: Terra Magazine

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O neoliberalismo não acabou, alerta David Harvey

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Formas secretas do neoliberalismo ainda estão profundamente arraigadas em instituições e estruturas financeiras, diz David Harvey (foto), geógrafo marxista britânico, em entrevista a IHU Online. "Sou a favor de estabilizar o capitalismo através de medidas keynesianas que se transformem em possibilidades marxistas. Um colapso do capitalismo sem nenhuma alternativa pronta para tomar seu lugar causará miséria e sofrimento incalculável para a massa da população, enquanto que a classe capitalista escapará relativamente incólume".

“O pensamento de esquerda não convergiu para algum consenso de propostas para enfrentar as dificuldades presentes, e pode levar algum tempo até que tal consenso surja”, aponta David Harvey, geógrafo marxista britânico. Para ele, a humanidade está vivenciando o “início de uma crise de legitimação”, na qual questiona “se o capitalismo é uma forma viável de satisfazer as necessidades humanas”.

“Sou a favor de se estabilizar o capitalismo através de medidas keynesianas que se transformem em possibilidades marxistas”, afirma David Harvey em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. “Sou favorável a isso porque um colapso ulterior do capitalismo sem nenhuma alternativa pronta para tomar seu lugar causará miséria e sofrimento incalculável para a massa da população, incluindo as pessoas que estão no setor informal, enquanto que a classe capitalista escapará relativamente incólume. A classe capitalista consolidará seu poder numa crise e tentará se proteger pela promoção de formas fascistas. A única maneira que consigo conceber de impedir isso é estabilizar o sistema a fim de criar uma ordem política mais forte para a construção da alternativa”.

Harvey é formado na Universidade de Cambridge, e atualmente é professor da City University of New York, onde trabalha com diversas questões ligadas à geografia urbana. Entre suas obras, citamos A condição pós-moderna (São Paulo: Loyola,1992), O novo imperialismo (São Paulo: Loyola, 2004), Espaços de esperança (São Paulo: Loyola, 2005) e A produção capitalista do Espaço (São Paulo: Annablume, 2005).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Quais são para o senhor, as propostas da esquerda frente à crise internacional?
David Harvey - O pensamento de esquerda não convergiu para algum consenso de propostas para enfrentar as dificuldades presentes, e pode levar algum tempo até que tal consenso surja. Estamos no início de uma crise de legitimação no mundo inteiro, em que um número cada vez maior de pessoas tem de questionar se o capitalismo é uma forma viável de satisfazer as necessidades humanas. Isto, por sua vez, levanta a questão de alternativas. Atualmente, há pessoas que procuram reformar o capitalismo de modo a obter maior igualdade e sustentabilidade ambiental versus aquelas que defendem um caminho mais revolucionário que procuraria derrubar diretamente o capitalismo.

Entre estas últimas, há uma cisma profunda entre as pessoas que consideram vital tomar o poder estatal e revolucioná-lo a caminho do socialismo e aquelas que procuram construir sistemas sociais e político-econômicos fora do capitalismo, do Estado capitalista e de suas instituições dominantes. O que é possível depende muito das circunstâncias políticas e econômicas. Nos Estados Unidos, sou a favor de um caminho de reformas que, gradativamente, leve o sistema na direção de soluções mais revolucionárias e não consigo ver outra forma de fazer isso exceto que as forças progressistas tomem o poder estatal e usem esse poder para desmantelar as estruturas de poder existentes.

IHU On-Line - Como a história da geografia mundial pode nos ajudar a compreender os rumos do capitalismo e a crise atual?
David Harvey - É muito importante entender o desenvolvimento geográfico desigual do capitalismo e que isso produz um terreno geográfico desigual de possíveis movimentos oposicionistas. Nos Estados Unidos, as condições objetivas e subjetivas para se dedicar à luta anticapitalista são radicalmente diferentes das condições existentes na China ou no Brasil, e um movimento global rumo ao socialismo tem de reconhecer essas diferenças e trabalhar com elas para tentar alcançar seus objetivos.

IHU On-Line - Considerando as questões geográficas e a crise do capital, que economia o senhor vislumbra para o futuro? O fato de o leste asiático poder se transformar numa potência é sinal de alguma mudança estrutural na economia?
David Harvey - Já faz alguns anos que os Estados Unidos vêm perdendo sua posição hegemônica dentro da economia global. Eles perderam sua dominância na manufatura nas décadas de 70 e 80, e agora estão perdendo sua dominância nas finanças, bem como sua influência política e autoridade moral (que estão sendo parcialmente recuperadas agora pela eleição de Obama). A única coisa que restou é o poder militar, e ele é limitado em terra, como vemos no Iraque e no Afeganistão.
O mundo está se tornando muito mais multipolar com a ascensão da China e do Leste da Ásia como centro importante de poder, com a formação da União Europeia. As propostas de formar um banco latino-americano sugerem que essa região também poderá se tornar um poder regional mais consolidado.

IHU On-Line - É possível resgatar o capitalismo dos capitalistas e “de sua falsária ideologia neoliberal”? Em que medida isso pode ser feito pela esquerda?
David Harvey - O neoliberalismo não acabou. Formas secretas dele ainda estão profundamente arraigadas em instituições e estruturas financeiras, e, se o neoliberalismo tem a ver com a consolidação do poder de classe, é bem possível que vejamos uma consolidação ulterior disso até chegarmos a ficar sem as legitimações ideológicas da ciência econômica do livre mercado. É a esta consolidação do poder de classe capitalista que a esquerda tem de se opor resolutamente, até nas ruas, se necessário. Esta é grande batalha que tem de ser travada por todas as facções da esquerda.

IHU On-Line - Economistas de todo o mundo recorreram às teorias de Marx e Keynes para pensar em alternativas à crise. Considerando o atual momento, a esquerda pode fazer mais do que isso, ou seja, propor novas alternativas ao invés de ficar atrelada apenas a essas teorias de salvamento da economia?
David Harvey - Esta é uma questão controvertida, de modo que vou dar minha própria opinião. Sou a favor de se estabilizar o capitalismo através de medidas keynesianas que se transformem em possibilidades marxistas. Sou favorável a isso porque um colapso ulterior do capitalismo sem nenhuma alternativa pronta para tomar seu lugar causará miséria e sofrimento incalculável para a massa da população, incluindo as pessoas que estão no setor informal, enquanto que a classe capitalista escapará relativamente incólume. A classe capitalista consolidará seu poder numa crise e tentará se proteger pela promoção de formas fascistas. A única maneira que consigo conceber de impedir isso é estabilizar o sistema a fim de criar uma ordem política mais forte para a construção da alternativa. Mas sei que muitas pessoas discordarão de mim, e não estou totalmente certo de ter razão.

IHU On-Line - Para o senhor, a esquerda de hoje pretende desaparecer com o capitalismo ou reformulá-lo?
David Harvey - O projeto de longo prazo é criar a alternativa ao capitalismo, e o longo prazo não pode ser muito longo porque esta crise nos mostra que o capitalismo como sistema histórico mundial está próximo de seu fim e suas possibilidades estão perto de serem exauridas. Portanto, temos de passar de modo rápido, mas deliberado, pela reforma para a transformação revolucionária.

IHU On-Line - Diante da crise, muitos especialistas tratam da importância de regular o mercado. Nesse sentido, que função deve ser desempenhada pelo Estado? Que estratégia é primordial nesse momento?
David Harvey - Nossos problemas atuais não serão resolvidos pela regulamentação, absolutamente. Essa não é a questão. O Estado tem um papel crucial a desempenhar no lançamento de um programa de estabilização para o capitalismo, mas, por definição, esse programa de estabilização tem de empoderar os trabalhadores, de modo que, quanto mais empoderados estiverem, tanto mais o Estado se tornará um instrumento em suas mãos que pode ser usado para delinear a transição para o socialismo.

IHU On-LineO senhor concorda com as medidas adotadas pelos governos mundiais, que estão disponibilizando dinheiro para salvar instituições falidas? Por que não há uma redistribuição de recursos a favor dos setores mais necessitados da sociedade? Quais serão as consequências disso a longo prazo?
David Harvey - A regra áurea neoliberal, desde a década de 70, tem sido salvar as instituições financeiras às expensas do povo, e é exatamente isto que estamos vendo agora. É por isso que eu digo que o neoliberalismo não acabou. Essa preferência por salvar as instituições financeiras e, ao mesmo tempo, ferrar o povo continuará, a menos que haja uma oposição maciça a ela. Se isso continuar, talvez saiamos da crise atual de tal forma que muitos de nós terão perdido seu ganha-pão e seus ativos, e ainda por cima seremos lançados de novo numa crise mais profunda e mais complicada daqui a cinco anos. A frequência e a profundidade das crises financeiras aumentaram nos últimos 30 anos de dominação neoliberal, e isso não deixará de ser assim até que desmantelemos a versão neoliberal do capitalismo e, em última análise, o próprio capitalismo. Mas temos de fazer isso dando um passo de cada vez.

Fonte: Agência Carta Maior
e IHU online

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Crianças consumidoras: onde se quer chegar?

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Por Reinaldo Canto

É interessante notar como acontecimentos inusitados imprimem em nossa vida constantes transformações, moldando nossos pensamentos e nossas ideias. A chegada de um ser especial faz tudo mudar, ou melhor, traz novos sentidos para muitas das mesmas questões.

A preocupação com a preservação ambiental, com a exaustão dos recursos naturais e com a perda da biodiversidade sempre foram encaradas, sem levar em conta a finitude da minha própria vida. A indignação com o nonsense pela forma como o ser humano tem lidado com o nosso sofrido planeta, já era motivo suficiente para fazer parte da batalha por corações e mentes em busca dessa difícil convivência entre o homem e a natureza.

Aí chega a paternidade e a visão se amplifica e ganha novos horizontes e contornos. Novas velhas perguntas passam a receber um olhar ainda mais crítico e atento: Minha filha vai crescer num planeta mais triste, com mais fome, guerras e destruição? O mundo que conhecemos hoje será muito diferente e pior de se viver daqui há 20, 30, 40 anos?

São perguntas que vêem seguidas de um arrepio na espinha ao imaginar para minha filha, que ainda não completou dois anos de idade, uma herança bastante amarga.. Fatos não faltam para fazer esse tipo de afirmação. Escassez de água e de produção de alimentos não são visões de catastrofistas de plantão, mas a pura realidade com sinais bastante claros para nenhum cartesiano colocar dúvida.

Das atuais para as próximas gerações

A esperança reside na expectativa de que, se soubermos orientar e educar as nossas crianças e jovens para frear o consumo e o desperdício desenfreado, além de respeitar as outras criaturas que habitam o planeta, estaremos contribuindo para formar as novas gerações com valores muito mais positivos em prol da sustentabilidade.. Agora, a tarefa não é nada fácil. Começando pela simples observação de que temos feito muito pouco para mudar essa realidade.

A nossa geração já tem elementos e informação suficientes sobre as graves conseqüências que a sociedade de consumo, ávida por energia e recursos naturais, vem causando notadamente nos últimos anos. Mesmo assim continua a consumir muito mais do que o planeta consegue repor. Nossos lixões e aterros sanitários, principalmente em grandes capitais brasileiras como São Paulo e Rio de Janeiro, entraram em colapso, como já alertou o jornalista Washington Novaes, em seus artigos no jornal O Estado de São Paulo. E, muitos desses materiais, ou melhor, pelo menos 30% de tudo o que vai abarrotar esses lixões e aterros sanitários são perfeitamente reaproveitáveis ou recicláveis e poderiam ter um destino mais nobre e reduzir os impactos ambientais causados pelas cadeias produtivas e seus consequentes descartes.

Recentemente, o escritor uruguaio Eduardo Galeano escreveu um artigo indignado contra a cultura do descartável. Galeano lembrou a sua infância e a utilização quase total de todo tipo de material. No Uruguai de 50 anos atrás, tudo era reaproveitado e até mesmo transformado em brinquedos como tampas e latas. Desperdício de alimentos, então, nem pensar. Cascas e restos de alimentos viravam doces, compotas deliciosas, o que aliás não diferencia muito das antigas estórias de muitas famílias brasileiras.

Não é que não existam mudanças ou novas atitudes em busca de um mundo mais sustentável. Aqui e ali surgem projetos dignos de nota: projetos de reciclagem, de redução de gastos de energia, de reaproveitamento de água e por aí afora. Mas convenhamos que diante do comportamento da maioria, é caminhar a passos de tartaruga, enquanto os efeitos do aquecimento global, da perda de florestas, da contaminação da água, correm a jato. Todos nós, uns mais outros menos consumimos mais do que das nossas reais necessidades e as possíveis exceções só confirmam a regra.

É exatamente aí que quero chegar: que lições estamos passando para as futuras gerações? E quais as contribuições que podemos dar aos nossos filhos?

Com certeza, o primeiro passo é ampliar nossas ações. Pensar nos 3 Rs - acrescidos de um R inicial proposto pelo Instituto Akatu pelo Consumo Consciente (Repensar; Reduzir; Reutilizar e Reciclar. Depois colocar em prática e viver uma vida mais simples e saudável.

No caso das crianças, trocar o material, ou seja, mais uma boneca, ou um novo carrinho por mais afeto e compartilhamento de momentos em família, como um passeio ao ar livre, por exemplo. Os terapeutas são unânimes em afirmar que o afeto é mais importante que o material e o contato com a natureza é a melhor maneira de fazer com que as crianças a admirem e respeitem.

Se elas vão receber um planeta mais caótico para se viver, nós temos no mínimo, o dever de orientá-las desde os seus primeiros passos. E isso, é claro, não é responsabilidade apenas dos pais, mas da escola, dos governos e também das empresas que precisam fazer a sua parte em prol de um mundo melhor.

Bombardeio publicitário

Se a vida já não parece fácil, a nossa tarefa, como pais, fica ainda mais difícil e complicada quando assistimos pasmos, a publicidade insana voltada para as crianças. São anúncios na televisão, outdoors e vitrines de supermercados que se utilizam de todos os recursos para atrair os pequenos. São brinquedos e alimentos muito atraentes na sua apresentação e pouco saudáveis em muitos sentidos, seja para o planeta, como também para a saúde das crianças. É o caso de brindes associados a alimentos industrializados e fast-foods pouco nutritivos e muito calóricos responsáveis pela incidência da obesidade infantil.

Organizações de defesa do consumidor, como o IDEC e o Instituto Alana, há tempos lutam contra a publicidade infantil que, aliás, já é proibida em muitos países desenvolvidos. Em recente entrevista, a coordenadora de educação e pesquisa do Instituto Alana, Laís Pereira, afirmou que crianças até os 12 anos ainda não formaram um pensamento crítico sendo presas fáceis da publicidade irresponsável. Outra informação da pesquisadora, que é também bastante preocupante para pais e educadores, se refere às crianças de até quatro anos de idade. Segundo ela, nessa faixa etária, a criança não distingue a diferença entre publicidade e conteúdo de um programa.

As agências de propaganda e as indústrias responsáveis por esses produtos costumam alegar que quaisquer proibições aos anúncios constituem restrições a liberdade de expressão e de informação. Não creio que isso faça sentido. Antes de mais nada essas bem vindas restrições viriam ao encontro do que estabelece o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Instrumentos do mais alto nível que vem contribuindo e muito para o aprimoramento da democracia e da cidadania em nosso país e proteger os direitos mais elementares da nossa sociedade e das nossas crianças.

Esses são apenas alguns exemplos dos enormes desafios pelos quais nós pais temos que lutar. E é evidente que tais lutas vão muito além de nossas atitudes pessoais. É preciso agir também coletivamente ao participar e enfrentar forças que, muitas vezes, tem como interesse apenas os ganhos imediatos e como resultado final, enormes prejuízos sociais. O futuro dos nossos filhos é uma boa razão para manter a espinha ereta e o olhar firme no horizonte. As crianças merecem essa chance.

*Reinaldo Canto – Jornalista (Ex-Diretor de Comunicação do Greenpeace e Ex-Coordenador de Comunicação do Instituto Akatu)

BLOG – www.cantodasustentabilidade.zip.net

Fonte: Envolverde

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PUBLICIDADE INFANTIL - Multinacionais ignoram compromissos e mantêm anúncios

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por Henrique Costa - Observatório do Direito à Comunicação

As crianças brasileiras não merecem o mesmo tratamento das européias e estadunidenses quando o assunto é o respeito aos seus direitos. Esta é a situação revelada por um levantamento sobre as práticas publicitárias de 12 corporações multinacionais que demonstrou o desrespeito no Brasil aos limites que estes grupos se propuseram a adotar na Europa e nos EUA. O estudo foi produzido pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e pelo Projeto Criança e Consumo, do Instituto Alana, e divulgado neste mês.

A iniciativa surgiu após a divulgação de compromissos assumidos pelas 12 empresas - Burger King, Cadbury Adams, Coca-Cola, Danone, Ferrero, Kelloggs, Kraft Foods, Mars, McDonalds, Nestlé, Pepsico e Unilever - em tratados com a União Européia, os EUA e com a Organização Mundial da Saúde (OMS) de não produzir mais anúncios publicitários ou adotar práticas de marketing de alimentos e bebidas não saudáveis voltados a crianças de até 12 anos. Alguns grupos decidiram, inclusive, abolir aqueles personagens promocionais e até não fazer nenhuma publicidade mesmo que a composição nutricional dos alimentos permita.

No Brasil, no entanto, a postura é bastante distinta. As filiais instaladas no país insistem em uma prática cujos malefícios já haviam sido reconhecidos por suas matrizes. Os compromissos assumidos em outros países partiram do reconhecimento de que as peças publicitárias voltadas a crianças têm fortes impactos nos seus hábitos de consumo. Apesar disso, elas continuam sendo veiculadas normalmente nos meios de comunicação nacionais.

Para realizar a comparação, as organizações promotoras monitoraram a publicidade televisiva de alimentos e bebidas nas emissoras Globo, SBT, Discovery Kids e Cartoon Network, além de sites na Internet. A análise foi feita a partir do mês de janeiro, data estipulada para a entrada em vigor na União Européia dos compromissos de auto-regulamentação assumidos pelas empresas.

O estudo mostra que todas as 12 corporações adotam de alguma forma o chamado “duplo padrão de conduta”, ou seja, patrocinam no Brasil campanhas publicitárias que não poderiam ser realizadas na União Européia e nos Estados Unidos. Mesmo aquelas que não fazem publicidade na televisão ou na Internet utilizam-se de outras técnicas, como o uso de personagens.

“A postura das empresas nos parece preconceituosa. Há um tratamento desigual em relação ao Brasil”, afirma Isabela Henriques, coordenadora do Projeto Criança e Consumo do Instituto Alana. Ela conta que algumas empresas assumiram a restrição à publicidade infantil como um compromisso global. Contudo, só europeus e estadunidenses parecem saber disso. A Nestlé, que divulgou recentemente a disposição em aplicar a auto-regulamentação, ainda não o fez.

‘Liberdade de expressão comercial’

Em solo brasileiro, as empresas não apenas refutam o que suas matrizes fazem como caminham justamente em sentido contrário. A criação, no Congresso Nacional, da Frente Parlamentar da Comunicação Social deu fôlego para que publicitários e empresários cunhassem um novo conceito, o da “liberdade de expressão comercial”. De acordo com Isabela Henriques, este termo é inexistente, tendo sido “inventado pelo mercado”.

A advogada do Idec Daniela Trettel endossa a crítica argumentando que comunicação mercadológica não é manifestação de idéias, mas tem como objetivo a venda de mercadorias e serviços. Este tipo de comunicação, acrescenta, não consta no capitulo dos direitos fundamentais da Constituição Federal e a sua exploração indiscriminada pode chocar-se com direitos da população, especialmente os de crianças e adolescentes. “Entre proteger o direito da empresa de anunciar ou o da criança, é preciso escolher a criança”, defende.

Isabella Henriques acredita que este discurso arrefeceu nos últimos meses e espera que as corporações da área alimentícia tenham compreendido a questão. “As empresas estão entendendo que há um debate ético e que negá-lo é ruim para a imagem delas”, espera.

Iniciativas legais

Atualmente, este tema também está em discussão no Congresso Nacional. Na Câmara dos Deputados, tramita o Projeto de Lei 5921/2001, do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), que proíbe qualquer tipo de publicidade ou comunicação mercadológica dirigida a crianças, em qualquer horário e por meio de qualquer mídia. Ele precisa ainda ser apreciado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde será votado um substitutivo da deputada Maria do Carmo Lara (PT-MG), para ir a plenário.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por sua vez, propôs um regulamento que visa a disciplinar a publicidade e outras estratégias de marketing de alimentos com elevada quantidade de açúcar, sódio, gordura saturada, gordura trans e bebidas de baixo teor nutricional. Segundo Maria José Delgado, gerente de monitoramento e fiscalização da Agência, o objetivo é “proteger os princípios da alimentação saudável e o público infantil de práticas comerciais que possam dificultar a implementação de hábitos alimentares saudáveis e, assim, minimizar o impacto do ambiente obesogênico na saúde da população.”

A falta de regulamentação é uma limitação à institucionalização do disciplinamento desta prática já condenada em outros países. No entanto, as representantes do Idec e do Instituto Alana concordam que, se as empresas aplicassem no Brasil as mesmas condutas que assumiram na Europa e EUA, já seria uma medida intermediária importante. “Se as empresas fizessem aqui o que fazem lá fora já seria ótimo”, acredita Isabela.

Fonte: Observatório do Direito à Comunicação

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Parlamentares radiodifusores dominam comissões no Congresso Nacional

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por
Mariana Martins - Observatório do Direito à Comunicação

Levantamento realizado pelo Laboratório de Políticas de Comunicação da Universidade de Brasília (Lapcom-UnB), repassado ao Observatório do Direito à Comunicação, revela que 37,5% dos membros titulares da Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados (CCTCI) e 47% dos titulares da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado (CCT) são proprietários de emissoras de Rádio e TV ou têm familiares controladores destes tipos de veículos de comunicação.

O estudo mapeou as concessões que cada parlamentar ou familiares do mesmo possuem e chegou à alarmante conclusão de que quase metade dos integrantes titulares das comissões responsáveis pelas atividades legislativas da área das comunicações são radiodifusores, ou seja, diretamente interessados nos resultados dos trabalhos estas instâncias. Entre eles estão a avaliação do mérito dos processos de outorga e renovação de concessões de rádio e TV e a apreciação de projetos relacionados à legislação da área das comunicações.

No total, a listagem do Lapcom mostra que 15 dos 40 deputados integrantes da CCTCI na condição de titulares estão envolvidos direta ou indiretamente com emissoras de rádio ou televisão. Entre os 39 suplentes, a pesquisa encontrou outros 10 parlamentares que possuem esse tipo de relação, totalizando 32,91%. A contagem da suplência se deu com um parlamentar a menos porque Barbosa Neto (PDT-PR), sócio da Rádio Brasil Sul, do Paraná, saiu licenciado para ocupar a prefeitura de Londrina (PR).

No Senado, a pesquisa atual denuncia que, dos 17 membros titulares, oito controlam direta ou indiretamente a emissoras de rádio ou TV. Dos 17 suplentes, seis também possuem ou estão nesta condição. Se considerados todos os membros, um total de 34, a presença de radiodifusores chega a 14 integrantes (41%) .

Conflito de interesses públicos e privados

Na avaliação de Bia Barbosa, membro do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, a grande presença de parlamentares radiodifusores gera um conflito entre interesses públicos e privados. “Cada vez mais, a gente vê as bancadas formadas com objetivos e interesses próprios. E aí não importa se a concessão está no nome do parlamentar ou da sua mulher, do seu filho. O que importa é que os interesses privados do parlamentar vão entrar em contradição com o interesse público que deve ser o da concessão”, enfatiza.

Segundo a Deputada Luiza Erundina (PSB–SP), apesar de grave essa situação não é novidade na CCTCI. “Estou nessa comissão há dez anos e esse é um fato que já foi denunciado inúmeras vezes até mesmo pela grande mídia. É uma realidade que sugere a existência de falhas, alimentadas pelas brechas na legislação”, analisa.

Entre essas, a principal é o Artigo 54 da Constituição Federal, cuja redação sobre as restrições nas relações entre parlamentares e concessões públicas não deixa claro a proibição de que aqueles sejam proprietários de entes que exploram estas. Os parlamentares radiodifusores apóiam-se nesta ambigüidade para rebater as críticas ao conflito de interesses estabelecido nesta “dupla condição”.

Este vácuo jurídico foi uma das principais preocupações do relatório final da Subcomissão de Radiodifusão que funcionou na CCTCI durante o ano de 2008, presidida por Luiza Erundina. O documento sugere uma emenda ao Artigo 54 que visa defini-lo mais claramente ao estender a qualquer ocupante de cargos públicos a proibição de “firmar ou estabelecer contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público”.

Na opinião da deputada paulista, “só vamos corrigir essa problemática na CCTCI se mudarmos a regulação do setor e é neste sentido que devem apontar os resultados da Conferência Nacional de Comunicação que vai acontecer no final do ano”.

Problema histórico

Levantamento semelhante ao produzido pelo Lapcom foi feito pelo Professor Venício Lima analisando a presença de parlamentares radiodifusores nas comissões e sua atuação em causa própria nos de 2003 e 2004. A pesquisa detectou que os deputados Corauci Sobrinho (PFL-SP), à época presidente da CCTCI, e Nelson Proença (PPS-RS), membro titular da comissão, participaram e votaram favoravelmente nas renovações de suas próprias concessões de rádio. Proença continua na CCTCI e aparece na listagem apresentada pelo Lapcom.

Para Venício Lima, a despeito da falta de clareza do Artigo 54 da Constituição, o parágrafo 6º do artigo 180 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados e o artigo 306 do Regimento Interno do Senado Federal deixam claro que os deputados e senadores devem se declarar impedidos caso a matéria em votação seja relativa à causa própria ou a assunto de interesse pessoal.

Lima recorda que esse é um problema histórico, tendo ocorrido repetidas vezes durante a Assembléia Constituinte que construiu a atual Carta Magna brasileira. “Dentro da própria subcomissão da Constituinte que tinha a reponsabilidade de discutir o capítulo da comunicação social, por muitas vezes foi solicitado dos parlamentares envolvidos com meios de comunicação que se dessem por impedidos, mas isso não aconteceu. Hoje a coisa se dá da mesma forma”, compara.

Outro cruzamento de informações semelhante foi feito pela agência Repórter Social em 2006 [veja aqui ]. Nos dados levantados pela pesquisa, que cruzou informações fornecidas pelos parlamentares aos Tribunais Regionais Eleitorais com as pesquisas realizadas por Venício Lima e pelo Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação (EPCOM), a Repórter Social revelou que 80 parlamentares eleitos em 2006 para o quadriênio 2007-2010 controlam emissoras de rádio e televisão.

Segundo a pesquisa, “entre os detentores diretos ou indiretos de concessões estão dois ex-presidentes, José Sarney (PMDB-AP) e Fernando Collor de Mello (PTB- AL), e 11 ex-governadores: Antonio Carlos Magalhães [falecido depois da pesquisa] e César Borges (PFL-BA), Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), Mão Santa (PMDB-PI), Garibaldi Alves (PMDB-RN), Jayme Campos (PFL-MT), Jorge Bornhausen (PFL-SC), José Maranhão (PMDB-PB), Edison Lobão e Roseana Sarney (PFL-MA) e Tasso Jereissati (PSDB-CE)”.

Na época, o relatório também indicou que, do total de parlamentares radiodifusores eleitos, 11 integravam a CCTCI: Aníbal Gomes e Eunício Oliveira (PMDB-CE), Jader Barbalho, Fábio Souto (PFL-BA), José Bezerra (PFL-PE), José Rocha (PFL-BA), Júlio César (PFL-PI) e Ricardo Barros (PP-PR), todos como titulares, e dos suplentes Henrique Alves, Arolde de Oliveira (PFL-RJ) e Manoel Salviano (PSDB-CE).

Três anos depois, a presença na principal comissão da área na Câmara dos Deputados aumentou em 27,2%, chegando a 15. Dos parlamentares listados pela pesquisa do Repórter Social em 2006, seis continuam na listagem do Lapcom de 2009: Eunício Oliveira, Jader Barbalho, José Rocha, Manoel Salviano, (titulares) José Bezerra, Arolde de Oliveira (suplentes). No Senado, a comparação fica prejudicada pelo fato da CCT ter sido criada recentemente.

A visão dos parlamentares

O senador Welligton Salgado (PMDB- MG), identificado na listagem do Lapcom como um dos parlamentares ligado ao maior número de concessões, defende que os membros das comissões devem entender do assunto de que trata a instância. Salgado afirma ter deixado de gerir os veículos dos quais é concessionário desde que assumiu a vaga no Senado. Ele diz ainda que se lembra de ter se retirado da presidência de uma comissão por entender que havia conflito de interesses em um caso específico.

Salgado pondera que, se a proibição defendida para a área da comunicação fosse também aplicada a todas as comissões, parlamentares com o título de procuradores, por exemplo, não poderia compor a Comissão de Constituição e Justiça. “Dessa forma as comissões vão ser compostas por quem não entende do assunto. Assim o Brasil não vai para frente”, opina.

José Agripino (DEM-RN), também entre os dez parlamentares com maior número de concessões próprias, acredita não haver conflitos de interesses em ser radiodifusor e compor a CCT do senado. “Eu sou herdeiro, o sócio era o meu pai que, em vida, cedeu ações para mim e para os meus irmãos. Eu não vejo nenhum inconveniente. Não vejo porque o meu voto é apenas um dentro do colegiado e a renovação das concessões é objeto de debate antes da votação. Se tiver algum problema, ele é exposto”, justifica.

Reforma regulatória necessária

O professor Venício Lima acredita que sem uma reforma na legislação que possa promover mudanças em todo sistema de radiodifusão essa situação só tende a piorar. “Essa é uma situação absurda e insanável com a regulamentação que se tem para radiodifusão. O levantamento do Lapcom mostra que a quantidade de parlamentares envolvidos com veículos de comunicação aumentou com relação à pesquisa realizada há cinco anos. Caso não haja uma legislação que reprima esse tipo de relação isso vai se repetir nas próximas eleições”, pontuou o pesquisador.

Uma importante oportunidade para isso é a Conferência Nacional de Comunicação, prevista para o final do ano de 2009. Para Bia Barbosa, do Intervozes, pela primeira vez os movimentos que historicamente lutam pela democratização das comunicações vão ter a chance de quebrar esta lógica privada que foi incorporada historicamente à comunicação.

Ela identifica ainda a relação entre parlamentares e meios de comunicação como um dos maiores desafios a serem superados no marco regulatório brasileiro. “É fundamental que pesquisas como essa sejam publicizadas para esclarecer ao máximo a população. A gente sabe que a maior parte do povo não sabe que os meios de comunicação são concessões públicas. A comunicação não é vista como um direito humano, sequer é gerida como um serviço público e figura mais no campo do interesse comercial, como pode ser visto na pesquisa”, comenta.

Para a Deputada Luiza Erundina (PSB-SP), a Conferência Nacional de Comunicação, para resolver todos os problemas da área, deve ser democrática e ter representação plural. Contudo, ela mostra receio com relação à forma como o processo vai ser organizado, principalmente quanto à correlação de forças na Comissão Organizadora Nacional que será criada.

“O decreto ainda não foi assinado, o que indica que deve estar havendo negociação das representações. Se não chegarmos na Conferência com uma boa correlação de forças e com representação de segmentos de toda a sociedade organizada, vamos estar fortalecendo o setor empresarial. Não podemos deixar a Conferência para discutir apenas questões relacionas a plataforma digital”, reforça.

A pesquisa do Laboratório de Políticas de Comunicação da UNB pode ser vista na íntegra aqui .

Fonte: Observatório do Direito à Comunicação

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Mendes e o STF

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OGlobo
Gilmar Mendes, supremo presidente do STF

Caso o presidente do STF fosse síndico de prédio, não teria dúvida quanto à sua destituição por assembleia de condôminos.

por Wálter Fanganiello Maierovitch*


Das perguntas que me chegam, as mais frequentes referem-se à passividade dos dez pares do ministro Gilmar Mendes diante do seu comportamento público, à frente da presidência do Supremo Tribunal Federal (STF). Caso o ministro fosse síndico de prédio, e após a sua sabatina no jornal Folha de S.Paulo, não teria dúvida quanto à sua destituição por assembleia extraordinária de condôminos.

No momento, não sei informar se o presidente Mendes já foi questionado ou censurado em privado por algum outro ministro do STF. Também ignoro se algum dos colegas lembrou-lhe de um fundamental ensinamento de Rui Barbosa: “A majestade dos tribunais assenta na estima pública”.

Basta atentar para as seções de cartas de leitores nos jornais ou em comentários nos blogs para se aferir a reprovação ao ministro. O pior é que o seu desprestígio respinga na imagem do STF.

O ministro Mendes, pelo que se infere da sabatina na Folha, não mais possui anteriores e diamantinas certezas sobre ter sido feito por agentes da Abin ou da Polícia Federal o “grampo sem áudio” (falta de prova da materialidade delitiva) de que teria sido vítima. Muitos suspeitam de “armação” do próprio ministro. Tudo, sem prejuízo das suas abusivas condutas, ao chamar o presidente às falas e de exigir o afastamento do delegado Paulo Lacerda.

Durante a sessão de julgamento do segundo habeas corpus de Daniel Dantas, ficou claro contar o ministro Mendes com o apoio da maioria dos seus pares. O ministro Eros Grau, por exemplo, e depois do voto esmiuçado e fundamentado do ministro Marco Aurélio Mello, que denegou a ordem de habeas corpus a favor de Dantas, pareceu não ter lido os autos. Nem mesmo compreendido que a segunda decisão, impositiva de prisão preventiva, tinha fundamento completamente diverso da anterior, de prisão temporária. Mais estava a segunda decisão do juiz Fausto De Sanctis fulcrada em provas novas, a evidenciar a necessidade de uma prisão cautelar, de espécie diversa da anterior.

A indignada reação popular pós-soltura liminar de Dantas, em face de decisão a contrariar jurisprudência sumulada, e a solidariedade ao juiz De Sanctis, que responde a absurdo procedimento administrativo a afrontar a independência em matéria jurisdicional conferida aos juízes pela Lei Maior, parece calcada na certeza expressa pelo filósofo grego Sólon, falecido em 558 a.C.: “A Justiça é como uma teia de aranha; prende os insetos pequenos, enquanto os grandes rompem a tela e permanecem livres”.

Na supracitada sabatina, Mendes destacou ter a imposição da segunda prisão do banqueiro Dantas sido realizada com o intuito de desmoralizar o STF. Pela reação da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), em nota tornada pública, está claro que Mendes é quem desmoraliza o STF: “É imperioso lembrar que, ao julgar o habeas corpus impetrado no Supremo Tribunal Federal em favor do banqueiro Daniel Dantas, um dos membros desta Corte, o ministro Marco Aurélio, negou a ordem, reconhecendo a existência de fundamento para a decretação da prisão. Não se pode dizer que, ao assim decidir, esse ministro, um dos mais antigos da Corte, o tenha feito para desmoralizá-la. Portanto, rejeita-se com veemência essa lamentável afirmação”.

Não bastasse o juízo canhestro sobre a desmoralização do órgão supremo do Judiciário, Mendes sustentou terem juízes pressionado desembargadores para a não concessão de habeas corpus a Dantas. Segundo a Ajufe, a assertiva do presidente do STF foi leviana. O incrível, a respeito, é o fato de Mendes não ter provocado, no CNJ, nenhum procedimento disciplinar contra os juízes que acusou de pressionarem desembargadores, como se isso fosse possível.

O divórcio entre os prejulgamentos feitos por Mendes e as decisões de juízes das cortes regionais causa escândalo entre os cultores do Direito e das tradições da Suprema Corte, que teve ministros cassados pela ditadura. Nesta semana, a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal negou habeas corpus em favor de Dantas, para trancamento da ação penal por corrupção. Considerou-se legal a cooperação entre a Abin e a Polícia Federal na Operação Satiagraha.

Sobre o caso Battisti, em breve na pauta do STF, já se conhece a posição de Mendes. Ele anunciou que a jurisprudência poderá mudar. Segundo o ministro, como o Brasil, desde 1998, celebrou um tratado de cooperação judiciária com a Itália, sendo ele expresso sobre extradição, a última palavra ficará com o Supremo. Não com o presidente Lula, como se deu no caso do traficante colombiano Juan Carlos Abadía. A respeito, o erro do ministro está em antecipar posições e não no seu entendimento. Esse entendimento poderá ajudar Lula a se livrar da infeliz decisão de Tarso Genro, de a Itália não ter condições de preservar a vida de Battisti: uma decisão sem fundamento em prova de dentro e de fora dos autos. Ou seja, uma decisão arbitrária.

*Wálter Fanganiello Maierovitch , 60 anos, é comentarista da CBN, colunista da revista Carta Capital e colaborador da revista italiana Narco-Mafie. Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e presidente e fundador do Instituto Brasileiro Giovanni Falcone de Ciências Criminais, é também professor de pós-graduação em direito penal e processual penal, além de professor-visitante da Universidade de Georgetown (Washington-EUA). É conselheiro da Associação Brasileira dos Constitucionalistas-Instituto Pimenta Bueno da Universidade de São Paulo (USP), ex-secretário nacional antidrogas da Presidência da República, titular da cadeira 28 da Academia Paulista de História.

Fonte: Carta Capital

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A FOLHA E A DITADURA ARGENTINA

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por Eliakim Araújo

Videla, Viola, Galtieri e Bignone.

Parece uma linha de zagueiros de alguma seleção argentina, não? Na verdade, são os sobrenomes dos quatro militares que governaram o país no período de 1976 a 1983, quando a América Latina conheceu uma das mais sangrentas ditaduras de que se tem notícia.

Depois de derrubar a presidente Maria Estela (Isabelita) Martinez de Perón, pela qual fora nomeado comandante em chefe do Exército, o General Jorge Videla implantou no país vizinho um regime de força, onde os direitos humanos viraram letra morta, na mais pura acepção da palavra. Videla foi o que governou mais tempo, de 76 a 81, e sem dúvida o mais cruel de todos. Tortura, assassinatos e desaparecimento de intelectuais e oposicionistas viraram rotina. No curto espaço de sete anos, trinta mil pessoas foram mortas ou desapareceram nos porões da ditadura argentina.

Dos quatro, apenas Videla e Bignone estão vivos. Ambos tiveram que acertar as contas com a justiça por crime de genocídio. Condenados, vivem hoje em prisão domiciliar (têm mais de 80 anos), depois de passarem uns poucos anos atrás das grades.

Com certeza, a condenação desses e de outros carrascos da repressão na Argentina não vai consolar os corações de mães, mulheres e filhos das vítimas. Na história do país, fica irremediavelmente uma dolorosa mancha.

Esse triste episódio da história da Argentina é agora relembrado todos os anos no dia 24 de março, quando se comemora o Dia Nacional da Memória pela Verdade e Justiça, um feriado instituído há três anos pelo ex-presidente Kirchner. Na última terça-feira, milhares de pessoas ocuparam as ruas de Buenos Aires e outras cidades do país para relembrar os mortos e pedir justiça. As mães de Plaza de Mayo, mulheres que durante décadas têm cobrado justiça e a entrega dos restos mortais de seus filhos, e que hoje já são avós, lideraram a passeata.

A dor e a luta das mães da Plaza de Mayo sempre me impressionaram. Tanto quanto elas, mães brasileiras choram até hoje a morte e o desaparecimento de seus filhos abatidos pela repressão da ditadura militar brasileira. Não tantas quanto as argentinas, mas igualmente sofridas e vítimas do mesmo terrorismo do estado.

Por isso mesmo, dá um certo asco lembrar do editorial da Folha de São Paulo que classificou as ditaduras em mais ou menos brandas, de acordo com o número de mortos. A expressão “ditabranda” entra para a galeria do pensamento estúpido da mídia brasileira, sobretudo porque partiu de um jornal sabidamente cúmplice editorial e material do golpe de 1964.



Mudando de assunto. O que dói nos adversários do presidente Lula é que suas frases matam a pau. Logo que o novo governo norte-americano tomou posse, ele definiu com precisão: “Obama está com um pepinaço nas mãos”.

Semana passada, diante de Gordon Brown, o primeiro-ministro inglês, ele usou uma expressão em sentido figurado para dizer quem são os responsáveis pelo aperto que o mundo está passando: “A crise foi causada por comportamentos irracionais de gente branca de olhos azuis, que antes pareciam saber de tudo e agora demonstram não saber de nada”.

Nada mais perfeito, sobretudo quando o FMI, não faz muito tempo, ditava a cartilha para os subdesenvolvidos. E as agências de risco, hoje completamente desmoralizadas, colocavam o Brasil entre os países mais perigosos para se investir.




Fonte: Direto da Redação

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O MARANHÃO DAS CICATRIZES

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por Mário Augusto Jakobskind

Não costumo escrever artigo na primeira pessoa, mas neste caso não tem jeito, pois o principal protagonista é o próprio autor destas mal traçadas, que me deixou verdadeiramente com a pulga atrás da orelha.

Fui a São Luís do Maranhão participar de um Fórum sobre Jornalismo e Direitos Humanos a convite da coordenadoria de Comunicação Social da Faculdade São Luís, numa oportunidade de debater com os universitários em uma cidade onde existem 12 jornais diários, talvez um recorde brasileiro.

Deparei-me com futuros jornalistas - estavam inscritos no Fórum também estudantes de Direito e Administração - antenados com as questões atuais da mídia. Em síntese, procurei demonstrar que a mídia tem responsabilidade que não pode fugir e que os setores conservadores procuram a todo custo incutir na opinião pública preconceitos do tipo “direito humano é coisa de bandido” etc. Creditei este estereótipo ao gênero senso comum, lembrando que o então Governador Leonel Brizola foi linchado pela mídia hegemônica exatamente por exigir que a polícia do Estado, militar e civil, respeitasse os direitos humanos em áreas pobres da cidade. Lembrei que uma semana antes da morte de Brizola, um articulista de O Globo, em junho de 2004, acusava o ex-governador de ser o responsável pela onda de violência que se abatia (e continua até hoje) sobre o Rio.

Na minha passagem pela capital maranhense aproveitei a oportunidade para realizar uma reportagem sobre a crise política que se abateu sobre o Estado com a decisão do Tribunal Superior Eleitoral de cassar o mandato do Governador Jackson Lago sob a alegação de “abuso do poder econômico” na eleição de outubro de 2006. Consegui me deslocar até o município de Santa Rita, a cerca de 70 quilômetros de São Luís, para ver a “Marcha Balaiada em defesa do voto”, organizado por movimentos sociais maranhenses, com destaque para o MST, e partidos políticos como o PT e PDT. Os manifestantes vinham de uma caminhada de 600 quilômetros denunciando o que consideravam um golpe da família Sarney contra a vontade popular.

Com uma máquina de filmar digital registrei a manifestação, que culminou com um comício do qual participou o ex-Ministro das Cidades e ex-governador do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra. Fiquei radiante, pois tinha certeza que as imagens colhidas seriam possivelmente inéditas no Rio de Janeiro e mesmo em outras cidades brasileiras.

No dia seguinte, quando tinha pautado filmar a fachada do Tribunal de Contas do Estado, que tem o nome de Roseana Sarney, estampado em bronze, fui surpreendido com um assalto, na lagoa Jansen, praticado por cinco jovens (possivelmente nenhum deles tinha mais de 20 anos) que foram diretos na bolsa que eu levava no ombro, onde se encontrava, devidamente protegida, a máquina filmadora. Tinha colocado dentro da bolsa, juntamente uma câmara fotográfica, exatamente para não chamar a atenção, pois sabia que atualmente nas grandes cidades brasileiras todo o cuidado é pouco para estas coisas.

Dentro do possível procurei resistir à investida, mas não foi possível. De quebra os ladrões ainda esfaquearam a minha mão direita, abrindo uma “avenida”, o que exigiu que tivesse de levar cinco pontos num posto de saúde. Fiquei com a pulga atrás da orelha inclusive pelo fato de os ladrões não terem se interessado pelo relógio de pulso que eu portava e o dinheiro que levava no bolso. Depois, ainda por cima fui informado que uma patrulha da PM que fazia a ronda preventiva no local estava momentaneamente parada, pois os soldados tinham ido “almoçar”.

Fiquei ainda mais intrigado com uma nota do jornal O Estado do Maranhão, de propriedade da família Sarney, que afirmava na coluna “Estado Maior” que a “maioria dos balaios (participantes da caminhada em defesa do voto) é de jovens entre 20 e 35 anos, todos bens nutridos e com aparência urbana que não conseguiam esconder nem usando chapéu”.

As imagens que colhi numa fita mini-dv, que os ladrões também levaram, desmentiam a afirmação da página 3, da sexta-feira 27 de março de O Estado do Maranhão. Constatei que a maioria dos manifestantes, ao contrário do que afirmava o jornal da família Sarney, era integrada por representantes de movimentos sociais maranhenses, sobretudo do MST, verdadeiramente com aparência de gente não tão “bem nutrida”.

Como se sabe, ao decidir, por 4 a 3, pela cassação do mandato de Jackson Lago, o TSE ordenou que a concorrente segunda colocada, exatamente Roseana Sarney, assumisse no lugar do governador impedido. Os advogados de Lago ainda entraram com um recurso final para evitar a cassação, enquanto partidos políticos tentavam na Justiça que fosse revogada a decisão que ordenava a posse de Roseana. O recurso pedia que o governador substituto fosse escolhido ou pela Assembléia Legislativa ou pelo voto.

Não posso afirmar que os cinco ladrões que levaram a máquina de filmar e todos os meus documentos e anotações jornalísticas fizeram isso - porque sabiam o que iam encontrar - estariam cumprindo uma “missão”, ou o incidente foi apenas mera coincidência.

Prefiro que os leitores concluam. O certo é que regressei frustrado, sobretudo por não ter as imagens colhidas na caminhada que passava pelo município de Santa Rita. A lamentável ocorrência está registrada no 9º Distrito Policial de São Luís. Continuo com os cinco pontos na mão direita. É o Brasil com muitas cicatrizes.



Fonte: Direto da Redação

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Parlamentares pressionam Genro em defesa de Protógenes

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por Paulo Henrique Amorim

Nery não entende por que Genro persegue o investigador e não o criminoso

Nery não entende por que Genro persegue o investigador e não o criminoso


O Conversa Afiada falou com o senador José Nery, que fez parte de um grupo de parlamentares que foi ao ministro da Justiça Tarso Genro reclamar da conduta que a Polícia Federal contra o ínclito delegado Protógenes Queiroz

Os parlamentares ressaltaram que assistem a uma situação que beneficia o crime, por que o perseguido não é o criminoso, mas quem o investiga.

Os parlamentares também reclamaram da tentativa de invalidar a operação da Satiagraha por causa da participação da ABIN.

Essa atitude comprometeria o trabalho de centenas de outras investigações em que houve o compartilhamento de informações da Polícia Federal com outros órgãos do Governo.

Além do ministro da Justiça Tarso Genro e de um representante da Corregedoria da PF, participaram da reunião os seguintes parlamentares:

José Nery (PSOL/PA)
Janete Capiberibi (PSB/AP)
Pedro Simon (PMDB/RS)
Antonio Carlos Biscaia (PT/RJ)

Chico Alencar (PSOL/RJ)
Ivan Valente (PSOL/SP)
Ademir Camilo (PDT MG)

Veja a seguir a íntegra do que o senador José Nery disse ao Conversa Afiada.

“O ministro nos informou que será feito agora o processo disciplinar interno baseado no inquérito que pediu o indiciamento dele por violação de sigilo funcional e outras questões que eles avaliam que pode ter havido. Eles não tem uma posição conclusiva até porque o inquérito de fato (disciplinar interno) vai ser ainda realizado.

Nós argumentamos que o compartilhamento de dados é absolutamente legal, por que é previsto na lei e ratificado por decisão do Tribunal Regional Federal de São Paulo, e também sobre a questão de ter um repórter da Globo na prisão do Celso Pitta, que é outra infração. Então pedimos ao Ministro que verificasse se as últimas 114 operações em que teve a colaboração direta da ABIN, que mereceria também ser investigada.

Ele nos afirmou que o processo disciplinar interno seria realizado e que nos aguardássemos. Eles não tem nenhuma intenção de condenar previamente o delegado Protógenes, mas acham que tiveram procedimentos inadequados no processo de investigação e que o inquérito no final pode determinar quais teriam sido essas irregularidades.

Por outro lado nos argumentamos ao ministro que essa conduta de compartilhamento de dados foi usada por vários delegados em investigações do gênero que, sendo assim, haveria a necessidade de todos serem investigados por conduta e eventuais ilegalidades que teriam cometido.

Nos avaliamos essa resposta como ruim, muito ruim. A condenação do delegado Protógenes pode ser um desestímulo para atividade da Polícia Federal. Pode também significar para a população brasileira que o crime compensa e aqueles que investigam o crime na verdade é que acabam sendo investigados, quem sabe até condenados.

O ministro nos comunicou que vai iniciar nesses dias o processo disciplinar interno baseado no pedido de indiciamento do inquérito policial, mas estará assegurado ao delegado Protógenes ampla defesa. Além disso, manifestamos profunda preocupação que qualquer movimento feito pela Polícia Federal venha na contramão que estamos querendo: a punição de criminosos como Daniel Dantas e que uma eventual condenação do delegado pode representar um descrédito da atuação da própria PF em apurar esses crimes.”

Fonte: Conversa Afiada

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ESTADO DE DIREITO - Liberdade de imprensa, ao gosto

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Por Venício A. de Lima*

Um dos pontos que chama a atenção no relatório da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol) sobre o estado atual da liberdade de imprensa no Brasil, divulgado no Paraguai em 17 de março (íntegra aqui) e comentado neste Observatório ("As lições de democracia da SIP"), é que de dez fatos apontados como "afetando" a liberdade de imprensa entre nós, quatro são decisões judiciais tomadas dentro dos parâmetros legais em vigor no país.

Trata-se de decisões de quatro juízes eleitorais, em três estados diferentes – Santa Catarina, Rio de Janeiro e São Paulo –, referentes à disputa eleitoral local de 2008.

Da mesma forma, no domingo (29/3), o jornal Estado de Minas, de Belo Horizonte, deu manchete de primeira página – retranca "De Volta À Ditadura", título "TRF afasta ameaça à liberdade de imprensa" – à concessão de liminar do Tribunal Regional Federal da 1ª Região contra decisão de juiz da 4ª Vara da Justiça Federal em Minas, que mandava o jornal publicar direito de resposta solicitado legalmente pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

A matéria, que também foi publicada com destaque no Correio Braziliense, é acompanhada de outra com o título "ANJ repudia tentativa de intimidação", que descreve nota da Associação Nacional de Jornais em repúdio à decisão do juiz da 4ª Vara e evoca o Código de Ética e Auto-regulação da própria ANJ (esta nota não foi encontrada no site da ANJ em 29/3/2009).

Comportamento curioso

O comportamento da grande mídia em relação às decisões judiciais é, no mínimo, curioso. Decisões que contrariam seus interesses são "repudiadas" como ameaças à "liberdade de imprensa" e recebem grande destaque; decisões que interessam ao cidadão e dizem respeito aos seus direitos constitucionais, são escondidas ou ignoradas.

Um exemplo: passou praticamente despercebida a decisão de juiz da 18ª Vara Cível do Rio de Janeiro que acatou ação promovida pelo Sindicato das Secretárias do Estado do Rio de Janeiro (Sinserj) contra a Infoglobo Comunicações, iniciada em 2005, e que levou à publicação da nota abaixo na coluna "Gente Boa" do "Segundo Caderno" de O Globo, no último dia 17 de março.

"Em razão da publicação, por este jornal, de nota ofensiva às secretárias, alusiva ao seu dia comemorativo (30/09), o Juízo da 18ª Vara Cível proferiu sentença em que o ato ilícito foi reconhecido, tendo sido arbitrada indenização de R$ 25.000 a ser revertida para o sindicato da classe, condenando-se, ainda, o jornal a publicar a presente nota, para ciência dos interessados."

O Sinserj, representante das secretárias do Rio de Janeiro, solicitou reparação moral em razão de nota publicada em outubro de 2005, na coluna "Gente Boa", por relacionar o Dia da Secretária com o aumento de movimento dos motéis. Vale a pena citar parte da sentença:

"Cumpre aqui transcrever a nota em questão, publicada na coluna `Gente Boa´ do Segundo Caderno do jornal O Globo:

O dia delas

A sexta-feira passada, Dia da Secretária, foi ótima para os motéis. O Bambina, em Botafogo, acusou aumento de 30% no movimento. Noventa por cento dos casais chegaram na hora do almoço. Saíram uma hora depois.

Em primeiro lugar, ressalte-se que não há comprovação quanto à veracidade da informação constante da nota. Muito pelo contrário, tanto assim que a direção do Hotel Bambina, em correspondência dirigida ao jornal, desmentiu tal afirmação (fls. 74), não tendo havido réplica por parte do jornal quanto a tal desmentido quando da publicação da carta. (...)

Sendo assim, não há de se acolher a alegação da ré no sentido de que se tratou de nota jornalística. Absolutamente.

O que se depreende da situação é que o jornal apressou-se em divulgar, com intenção nitidamente sarcástica, informação não comprovada sobre o alegado aumento no movimento do hotel em questão no dia das secretárias.

Pelo conteúdo da nota, percebe-se obviamente que não houve qualquer intenção de informar, mas sim de tratar com malícia e ironia a informação supostamente passada por funcionário do hotel, a fim de `brincar´ com o velho preconceito pelo qual se põem as secretárias no papel de amantes de seus patrões.(...)

Ou seja, foi a nota claramente dirigida ao "entretenimento", e não à informação dos leitores.(...)

Atingiu-se, assim, a honra e dignidade de toda uma classe profissional, formada notadamente em sua maior parte por mulheres, podendo se considerar, a propósito, que a nota não somente é ofensiva às secretárias, mas é, também, machista."

Acima da lei?

Estariam os grupos de mídia, que alegam monitorar a "liberdade de imprensa" em defesa da democracia, se rebelando contra as decisões judiciais? Será que os empresários de comunicação consideram seus códigos auto-reguladores como estando acima da legislação em vigor?

Por que consideram ameaçadoras à "liberdade de imprensa" decisões tomadas legalmente dentro do Estado de Direito e das regras democráticas? Por que não se dá a devida cobertura às decisões judiciais que protegem os interesses dos cidadãos-consumidores, fim último e razão de existência da própria "liberdade de imprensa"? Estariam eles se colocando acima da Justiça quando se refere a casos e decisões que afetam seus interesses diretos?

*Venício A. de Lima - Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)

Fonte: Observatório da Imprensa

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Procuradora lamenta liberação de investigados

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foto: Márcio Fernandes/Agência Estado
Diretores da construtora Camargo Corrêa são libertados em São Paulo


por Claudio Leal

Em nota, a procuradora da República, Karen Louise Jeanette Kahn, lamentou a decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª região, que liberou os investigados presos na Operação Castelo de Areia, da Polícia Federal.

A procuradora defende ainda os pedidos de prisão e as buscas cautelares. Ressalta que o foco não são doações ilegais a partidos políticos, mas as "fartas provas de crimes financeiros e de lavagem de dinheiro".

- Em momento nenhum, os pedidos de prisão preventiva e temporária foram utilizados para garantir a conclusão dos interrogatórios dos investigados, nem, tampouco, como antecipação de pena. Tais medidas estiveram estritamente inseridas dentro de um contexto de legalidade, encontrando-se respaldadas, inclusive, por precedentes de Tribunais Superiores - afirma Karen Kahn.

Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) apontaram "excessos" na Operação da PF, principalmente na prisão de suspeitos para interrogatórios. Na nota, a procuradora rebate as críticas e defende a decisão de primeira instância:

- ...O mesmo se dá com relação ao Supremo Tribunal Federal, que segundo veicula a imprensa, sem ter tido acesso aos autos, estaria, por meio de alguns de seus ministros, veiculando prejulgamentos contrários à forma de deflagração da operação...

Leia a íntegra da nota:

"Diante de prejulgamentos que surgem no noticiário da imprensa sobre a Operação Castelo de Areia, o Ministério Público Federal, como órgão responsável pelo acompanhamento das investigações e como fiscal da lei, tem o dever de consignar e comunicar à sociedade o que segue:

1) O conjunto probatório constante dos autos, lamentavelmente, não foi levado, na sua integralidade, ao conhecimento do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que, por intermédio da digna Relatora do habeas corpus impetrado, e sob tais circunstâncias, decidiu liminarmente pela liberação dos diretores da Camargo Corrêa ora investigados e indiciados. O mesmo se dá com relação ao Supremo Tribunal Federal, que segundo veicula a imprensa, sem ter tido acesso aos autos, estaria, por meio de alguns de seus ministros, veiculando prejulgamentos contrários à forma de deflagração da operação;

2) O MPF, ao formular os pedidos de prisão preventiva e temporária dos investigados, assim como os de busca e apreensão, agiu no exercício de sua estrita responsabilidade legal e social, analisando tanto o conteúdo das provas materiais já constantes dos autos - e que apontam para a efetiva prática de crimes financeiros e de lavagem de dinheiro - como os pressupostos processuais legais que autorizaram as medidas constritivas adotadas pelo Juízo Federal de primeiro grau, inclusive as ordens de prisão cautelar;

3) Em momento nenhum, os pedidos de prisão preventiva e temporária foram utilizados para garantir a conclusão dos interrogatórios dos investigados, nem, tampouco, como antecipação de pena. Tais medidas estiveram estritamente inseridas dentro de um contexto de legalidade, encontrando-se respaldadas, inclusive, por precedentes de Tribunais Superiores - que, em circunstâncias coincidentes, com a participação de pessoas de perfis e condutas semelhantes aos dos investigados, vem, ao contrário do quanto propalado na imprensa, autorizando as prisões preventivas e temporárias nos crimes financeiros e de lavagem de dinheiro;

4) Independentemente da fundamentação que tenha sido utilizada na decisão judicial de primeira instância, que decretou a prisão dos investigados e dos óbices levantados pelos seus advogados, é preciso registrar que a deflagração da Operação Castelo de Areia pela Polícia Federal, com ampla participação e respaldo por parte do Ministério Público Federal, manifestado nos contundentes, mas imprescindíveis pedidos de prisões e buscas cautelares, se constituiu numa ação responsável, pautada pelo direito e pelos critérios processuais e jurisprudenciais que norteiam decisões desse quilate, como se deu em inúmeros casos assemelhados e os quais, não obstante impugnados via recursal, jamais tiveram a sua idoneidade questionada;

5) As buscas e apreensões no âmbito da empresa Camargo Corrêa seguiram os parâmetros legais, inclusive no espaço reservado à prestação de assistência jurídica ao próprio Grupo. Em preceito algum, a Lei 11.767/2008 ressalva os escritórios de advocacia (ou departamentos jurídicos de empresas) como redutos revestidos de inviolabilidade absoluta, justamente para se evitar a blindagem intencional, por parte de pessoas físicas ou jurídicas que possam deles se utilizar para encobrir o possível cometimento de crimes. Os diretores da Camargo Corrêa investigados têm a seu dispor escritório de advocacia instalado no mesmo prédio. Sob tal justificativa, foi convocado representante da OAB ao local para acompanhar a execução das medidas - fato ignorado nas reportagens. Portanto, não pareceu ao MPF como caracterizada, sob nenhum aspecto, muito menos técnico, a ocorrência de qualquer excesso ou mesmo ilegalidade na adoção de tal medida judicial;

6) O envolvimento dos investigados com doações a partidos políticos não fundamentou os pedidos de prisão e de busca, baseados, essencialmente, nas já consistentes provas de crimes financeiros e de lavagem de dinheiro constantes dos autos. Entretanto, a descoberta, nas buscas e apreensões, de eventuais elementos que venham indicar a suposta prática de crimes eleitorais serão, oportunamente e ao final da análise de toda a documentação apreendida, enviadas ao Ministério Público Eleitoral competente;

7) Por esta razão, e em defesa incondicional da legalidade e constitucionalidade que sempre norteou as ações do Ministério Público Federal, manifesto nossa inteira credibilidade na Justiça, em todos os seus níveis - inobstante questionamentos judiciais manifestados no decorrer das investigações - ações estas que estiveram e continuarão pautadas na sua serena, legítima e independente busca pela verdade real e pelo seu integral compartilhamento com as autoridades responsáveis pela condução e eventual revisão da investigação, com vistas à sua à detalhada e suficiente conclusão.

São Paulo, 31 de março de 2009

KAREN LOUISE JEANETTE KAHN

Procuradora da República"


Fonte: Terra Magazine

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A doméstica e a filha de FHC: qual a diferença?

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por Rodrigo Vianna

Abaixo, trasnscrevo parte da reportagem publicada ontem pelo "Jornal Nacional", da Globo. Trata do caso de Isolda: contratada como assessora parlamentar, trabalha na casa de um deputado licenciado do PMDB, como empregada doméstica.

"Isolda da Silva Lima é contratada pelo gabinete do deputado Osório Adriano como secretária parlamentar. Disse que recebe R$ 1.080 por mês. Mas presta serviço particular ao secretário de transportes do Distrito Federal, Alberto Fraga, deputado licenciado do PMDB.

Segundo o jornal Folha de São Paulo, Isolda trabalha como empregada doméstica na residência de Fraga. Ela dorme na casa dele. “Minha família gosta muito da família dele. Pedi para ele para ver se podia dormir lá”, conta Isolda.
"

Agora, pergunta este "Escrevinhador": qual a diferença de Isolda para a filha de Fernando Henrique Cardoso, Luciana?

A filha de FHC é contratada pelo gabinete do senador Heráclito Fortes, mas não vai ao Senado. Prefere prestar serviços em casa. É uma doméstica de luxo.

Veja o que publicou o Estadão:

BRASÍLIA - A filha do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Luciana Cardoso, ocupa um cargo de confiança do Senado desde abril de 2003. Ela foi nomeada secretaria parlamentar, com salário de R$7,6 mil, pelo senador e atual primeiro-secretário da Casa, Heráclito Fortes (DEM-PI). Luciana foi secretária particular de seu pai nos dois mandatos, de 1995 a 2003. Seu contrato com o Senado só se tornou público agora, já que ela não frequenta o gabinete de Heráclito. Luciana não foi localizada pelo Estado.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, Luciana afirmou que prefere trabalhar em casa, cuidando das "coisas pessoais do senador" porque o gabinete de Heráclito "é um trem mínimo e a bagunça, eterna". Nesta sexta-feira, 27, o senador se recusou a comentar o assunto. A divulgação do fato ocorre no momento em que o primeiro-secretário se diz empenhado em moralizar a distribuição dos cargos de confiança do Senado.
Vou dizer qual a diferença: Isolda foi demitida, Luciana (a filha do sociólogo) segue ganhando seu dinheirinho, sem ser incomodada.
A imprensa está em campanha, para melhorar a imagem do ex-presidente. Escrevi sobre isso aqui.
Mas, há jornalistas que seguem fazendo seu trabalho. É o caso de Mônica Bergamo, que revelou esse caso da filha de FHC, em sua coluna na "Folha".

Só que essa história tem tudo para cair no esquecimento. A imagem de FHC precisa ser "trabalhada", pra não atrapalhar (muito) Serra em 2010. Então, o negócio é praticar a indignação seletiva: "demitam a empregada do deputado do baixo clero, mas deixem a filha do FHC sossegada".

Até porque, FHC é um especialisa em esconder filhos. No Senado, ou na Espanha.

Fonte: Blog O Escrevinhador - Rodrigo Vianna

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1964: democratas e ditatoriais

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por Emir Sader

Os golpistas – incluída toda a imprensa, menos a Última Hora – insistiam em dizer que a data era 31 de março; nós, que era primeiro de abril. Ainda mais que eles tentavam dizer que tinha sido uma “revolução”, confessando o prestigio da palavra revolução – até ali identificado com a revolução cubana.

O que são 45 anos – transcorridos desde aquele primeiro de abril até hoje? O que foi aquilo? O que restou daquilo?

Medido no tempo, parece algo distante. Afinal, tinham transcorridos apenas 34 anos desde a revolução de 30 - o momento de maior ruptura progressista na história brasileira. Período que incluiu os 15 anos do primeiro governo de Getúlio e os 19 de democracia liberal, incluídos os 4 do novo mandato de Getúlio e os 5 do JK.

Nem é necessário discorrer muito para dizer que se tratou de um golpe militar, que introduziu uma ditadura militar. Nem a “ditabranda” da FSP (Força Serra Presidente), nem o “autoritarismo” de FHC – todas tentativas de suavizar o regime. Um regime dirigido formal e realmente pela alta oficialidade das FFAA, que reorganizou o Estado em torno dessas instituições, tendo o SNI como seu instrumento de militarização das relações sociais. Um regime que atuou politicamente a favor da hegemonia do grande capital nacional e internacional. Para isso, entre suas primeiras medidas estiveram a intervenção militar em todos os sindicatos e o arrocho salarial – a proibição de qualquer campanha salarial, sonho de todo grande empresário.

Para que se criasse um clima que desembocou no golpe militar, foi montada uma campanha de desestabilização que – hoje se sabe, pelas atas do Senado dos EUA – tinha sua condução diretamente naquele país, com participação direta do então embaixador norte-americano e a cumplicidade ativa da grande mídia – que até hoje não fizeram autocrítica do papel ditatorial que tiveram, nem mesmo a FSP, que emprestou seus carros para ações repressivas da Oban -, somada às mobilizações feitas pela Igreja Católica e pelos partidos de direita – com o lacerdismo moralizante na cabeça.

Nunca como naquele período as grandes empresas privadas lucraram tanto. Foram elas as maiores beneficiárias da repressão – prisões arbitrárias, torturas, fuzilamentos, desaparições, entre outras formas de violência de um regime do terror. Foram o setor economicamente hegemônico durante a ditadura –ao contrário da visão inconsistente de FHC, de que uma suposta “burguesia de Estado” seria o setor hegemônico, para absolver os grandes monopólios nacionais e internacionais.

O Brasil vinha vivendo um processo importante de democratização social, política e cultural. O movimento sindical se expandia, os funcionários públicos passavam a incorporar-se a ele, os militares de baixa graduação passavam a poder se organizar e se candidatar ao Parlamento, se desenvolvia a sindicalização rural, acelerava-se a criação de uma forte e diversificada cultural popular – no cinema, no teatro, nas artes plásticas, -, um movimento editorial de esquerda se fortalecia muito.

Foi para brecar a construção da democracia que o golpe foi dado. Com um caráter abertamente antidemocrático e fortemente antipopular – como as decisões imediatas contra os sindicatos e campanhas salariais demonstram -, foi um instrumento do grande capital e da estratégia de guerra fria dos EUA na região.

1964 se constituiu em um momento de forte inflexão na história brasileira. O modelo de desenvolvimento industrial passou a se centrar na produção para a alta esfera do consumo e a para a exportação, acentuando a concentração de renda e a desigualdade social, assim como a dependência.

O Brasil que saiu da ditadura, 21 anos depois, era um país diferente daquele de 1964. As organizações democráticas e populares haviam sido duramente golpeadas. A imprensa havia sido depurada dos órgãos de esquerda. (Não esquecer que a resistência na imprensa foi feita pela chamada imprensa nanica, por si só uma denúncia da imprensa tradicional.) O país havia se transformado no mais desigual do continente mais desigual do mundo.

Vários dirigentes da ditadura ainda andam por aí, junto com seus filhos e netos, dando lições de democracia, sendo entrevistados e escrevendo artigos na imprensa. A imprensa não dirá nada ou tentará, uma vez mais, se passar por vítima da ditadura, escondendo o papel real que desempenhou. (Que tal republicar as manchetes de cada órgão naquele primeiro de abril de 1964?) Na resistência e na oposição à ditadura se provou quem era e é democrata no Brasil.

Fonte: Blog do Emir Sader - Agência Carta Maior

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Lições de Exxon Valdez

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Ao longo dos 20 anos de batalhas judiciais, 6 mil autores da inicial da ação já morreram. A ExxonMobil, com seus ganhos milionários e exércitos de advogados, pode fazer com que o caso Valdez permaneça nos tribunais durante décadas, enquanto os pescadores prejudicados vão morrendo pouco a pouco.

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Faz vinte anos que o navio petroleiro Exxon Valdez derramou ao menos 11 milhões de galões de petróleo nas águas prístinas no canal Prince William, no Alasca. As consequências do derramamento foram desastrosas e até hoje continuam sendo. O incidente teve um grande impacto no meio ambiente e na economia. No lugar de considerá-lo simplesmente como um caso de contaminação, Riki Ott acredita que o desastre do Exxon Valdez é uma ameaça fundamental à democracia estadunidense.

Ott, que é uma bióloga marinha e pescadora comercial de salmão, natural de Cordova, Alasca, começa seu livro sobre o desastre, “Not One Drop” (Nenhuma gota), com uma citação de Albert Einstein: “Nenhum poblema pode ser solucionado com o mesmo nível de consciência que o gerou”.

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O derramamento massivo se estendeu em 1900 quilômetros a partir do local do acidente, e cobriu 5150 quilômetros da costa e uma área de 25.900 quilômetros quadrados no total. Em 24 de março de 1989, Ott, que era membro do Conselho Diretor do Sindicato de Pescadores do Distrito de Cordova, estava inspecionando num vôo: “Era uma cena surreal. Era simplesmente maravilhoso, março, o amanhecer, as montanhas rosadas brilhando com a luz do sol e, de repente, chegamos ao local onde estava o convés vermelho do navio petroleiro, que é da largura de três quadras de futebol. A água mansa, de cor azul profundo, e esta mancha negra, como de tinta, que se estendia no mar”

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A notícia do derramamento ficou conhecida em todo mundo, e muita gente foi a cidade de Valdez, no Alasca, para começar a limpeza. A vida marinha foi devastada. Ott disse que quase meio milhão de pássaros marinhos morreram, além de 5000 lontras marinhas, 300 ou mais focas da Groelândia e milhões de salmões jovens, ovos de espécies e espécies jovens. A morte dos ovos das espécies provocou impacto, ainda que retardado, de longo prazo na pesca do arenque e do salmão no Canal de Prince William. Em 1993, a indústria pesqueira estava quebrada. As famílias perderam seu sustento depois de terem tomado empréstimos para comprar botes obter permissões custosas de pesca. Mesmo que a pesca de salmão tenha melhorado, os arenques nunca mais voltaram.

Esta situação econômica desfavorável é uma das bases da ação legal contra a ExxonMobil, a maior empresa petroleira do mundo. O complexo litígio vem se prolongando há décadas, e a ExxonMobil está ganhando. Há 22.000 pessoas processando a ExxonMobil. Um júri outorgou uma indenização de 5 bilhões de dólares aos autores da ação, por danos e prejuízos, que equivalem ao que eram, naquele momento, os lucros da Exxon. Esta cifra foi reduzida pela metade no Tribunal Federal de Apelações, e finalmente foi reduzida a pouco mais de 500 milhões de dólares pela Corte Suprema. Ao longo dos 20 anos de batalhas judiciais, 6000 autores da inicial da ação já morreram. A ExxonMobil, com seus ganhos milionários anuais e exércitos de advogados, pode fazer com que o caso Valdez permaneça nos tribunais durante décadas, enquanto os pescadores prejudicados vão morrendo pouco a pouco.

O poder da ExxonMobil para travar uma batalha contra dezenas de milhares de cidadãos fez com que Ott se unisse ao crescente número de ativistas que querem pôr as empresas em seus lugares, retirando-lhes seus status jurídico de “pessoa”. Uma decisão da Corte Suprema dos Estados Unidos no século XIX deu às empresas o status de “pessoa”, dando-lhes o acesso a proteções amparadas pela Carta de Direitos.

Ironicamente, este direito surge da “Cláusula de Proteção Igualitária” da 14ºª Emenda, adotada para proteger os escravos liberados das leis estatais opressores depois da Guerra Civil. Historicamente, as empresas era habilitadas pelos estados para realizar suas atividades. Os estados podiam revogar a autorização das empresas se houvesse descumprimento da lei ou se a empresa desempenhasse algum papel além do que lhe tinha sido autorizado.

Riki Ott me disse: “Durante os primeiros quarenta anos após a apropriação dessa lei, apresentaram-se 307 demandas judiciais, 19 das quais por parte dos afroamericanos e o resto por empresas. E, nesse momento, quando a Décima Quarta emenda foi aprovada para as empresas, surgiu isto que se chama pessoa empresarial. E a pessoa empresarial, aos olhos da lei, pode ter acesso a direitos, direitos humanos, à Carta de Direitos, a proteções constitucionais. Isso está errado. A palavra 'empresa' nunca aparece na Constituição nem na Carta de Direitos. É assim que perdemos a liberdade de expressão. Ainda temos, enquanto povo, a Primeira Emenda, mas essa também o tem as empresas”.

Considera-se liberdade de expressão das empresas inclusive contribuições em campanhas políticas e lobby no Congresso. As pessoas que descumprem a lei podem ser presas; quando uma empresa descumpre a lei – ainda que cometa crime doloso, provocando morte – as consequências não são mais do que uma multa, que a empresa pode cancelar via pagamento de impostos. Como diz Ott: “Se as leis conhecidas por 'three strikes and you're out' pode na prática pôr alguém em prisão perpétua, por que não acontece o mesmo com as empresas?”. A chamada reforma das leis de indenização('”tort reform”) do direito estadunidense está erodindo a capacidade dos indivíduos acionarem às empresas de modo a dissuadí-las do cometimento de atos ilícitos e a capacidade dos tribunais de avaliarem os danos e prejuízos, de modo tal que afastaria as empresas do cometimento de ilícitos.

Ott e outras pessoas redigiram uma “28ª Emenda” à Constituição que retiraria o status de “pessoa” das empresas, submetendo-as à mesma supervisão que existia nos primeiros 100 anos de história dos EUA.

Com a atual crise econômica mundial e a crescente indignação pública com os excessos dos executivos da AIG e de outros beneficiários do resgate financeiro, poderia ser o momento agora de ampliar o compromisso público para acabar com o desequilíbrio de poder existente entre as pessoas e as empresas que têm solapado a democracia.

Denis Moynihan colaborou com a pesquisa para essa coluna

Tradução: Katarina Peixoto

*Amy Goodman é apresentadora de "Democracy Now!" um noticiário internacional diário, nos EUA, de uma hora de duração que emite para mais de 550 emissoras de rádio e televisão em inglês e em 200 emissoras em Espanhol. Em 2008 foi distinguida com o "Right Livelihood Award" também conhecido como o "Premio Nobel Alternativo", outorgado no Parlamento Sueco em Dezembro.

Fonte: Agência Carta Maior

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