quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Paraísos fiscais - Hillary saberá negociar

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Custará caro à Suiça manter, ao menos em parte, o segredo bancário.

Por Gianni Carta, de Lausanne

As secretas e misteriosas negociações extrajudiciárias entre a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, e sua homóloga suíça, Michelle Calmy-Rey, sobre o caso do banco suíço UBS, cujos clientes teriam sonegado milhões de dólares, é “satisfatória”. Pelo menos é isso que nos dizem essas duas senhoras. Mas em jogo está o sigilo bancário suíço – o qual, é óbvio, envolve cidadãos endinheirados de todas nacionalidades. Para se ter uma ideia da amplidão do caso, procuradores de Miami pedem a quebra do sigilo de 52 mil clientes americanos. Eles teriam, por meio do UBS, supostamente sonegado, via contas offshore, cerca de 20 bilhões de dólares. Cinco mil clientes americanos do UBS poderão ser entregues às autoridades americanas.

Nesse contexto, o juiz da corte de Miami, Alan Gold, aceitou postergar o início do processo iniciado pelo Fisco americano, apoiado pelo Departamento de Justiça dos EUA, para 10 de agosto. Enquanto isso, as secretas e misteriosas negociações extrajudiciárias entre Hillary Clinton e Michelle Calmy-Rey parecem render frutos. Ambas se dizem “satisfeitas” com as negociações. Estaria em jogo o fim do sigilo bancário suíço? Sébastien Guex, renomado historiador da Universidade de Lausanne, e autor de vários artigos sobre o assunto, tem suas dúvidas.

CartaCapital: Acredita que um acordo entre Berna e Washington envolvendo a revelação de 5 mil nomes de 52 mil clientes americanos do UBS será um forte golpe para o sigilo bancário suíço?

Sebastién Guex:
Sem dúvida será um golpe. Mas o problema, pelo menos por ora, é que não podemos avaliar a amplidão do caso. Não é a primeira vez na história da Suíça que isso ocorre. Governos sempre tentaram restringir a seus cidadãos a possibilidade de usar a Suíça como paraíso fiscal. Houve numerosos ataques contra o sigilo bancário desde sua implementação, há cerca de cem anos. Houve golpes importantes contra o sigilo após as duas grandes guerras mundiais. Na verdade, a história do segredo bancário suíço é recheada de tentativas de governos estrangeiros ávidos de cercear a margem de manobra de bancos suíços. Houve períodos nos quais bancos suíços e meios governamentais helvéticos tiveram de firmar compromissos. Por exemplo, o Acordo de Washington (1946), entre a Suíça e os EUA, França e Reino Unido, levou bancos suíços a indicarem os nomes de milhares de clientes aos seus respectivos governos. No atual caso do UBS, mais uma vez, teremos de ver o conteúdo do acordo para avaliar o golpe dado no segredo bancário.

CC: Negociações extrajudiciais são sempre pelo menos parcialmente secretas. Mas nesse caso não sabemos nada. Contudo, Hillary Clinton e Calmy-Rey se dizem bastante “satisfeitas” com a evolução das negociações...

SG:
O governo americano quer colocar grande pressão nos casos de fraude fiscal. Mas pretende, ao mesmo tempo, fazer um negócio lucrativo para os EUA com a Suíça. Os americanos estão longe de ser tontos. Querem um acordo envolvendo um recuo significativo da Suíça sobre a questão do segredo bancário e da fraude fiscal. Ao mesmo tempo, não querem acabar com a fraude fiscal. O motivo? As autoridades americanas querem que a Suíça pague um preço alto. Se os EUA deixarem a Suíça manter o essencial do segredo bancário, Washington não exigirá a troca automática de informações entre administrações, então Berna deverá pagar um preço por isso. Esse preço é sempre custoso, no plano monetário, comercial... Ninguém sabe nada sobre o atual caso. Talvez saibamos – ou desconfiemos – dentro de alguns meses. Por exemplo, quando for anunciado um novo acordo comercial assinado pela Suíça e os EUA. No acordo, Berna comprará, por exemplo, um sistema antirradar americano de defesa.

CC: Pode citar algum exemplo de negociação do gênero?

SG:
Houve, por exemplo, uma grande ofensiva da União Européia no fim dos anos 90 para acabar com o segredo bancário: a Suíça vendeu a companhia aérea Swiss Air para a Lufthansa. Teria sido perfeitamente possível salvar a Swiss Air. Curiosamente, o governo suíço não colocou os capitais necessários para recapitalizar a Swiss Air. E eram somas bastante baixas. E assim venderam a Swiss Air para a Lufthansa, alegando que a companhia aérea suíça não era mais rentável. Na minha opinião, e isso não foi dito na mídia, o governo alemão aceitou parar de pressionar a Suíça contra a fraude fiscal e seu sigilo bancário em troca dessa transação comercial.

CC: Quais seriam as astúcias nas atuais negociações entre Hillary Clinton e Calmy-Rey?
SG:
Poderia ser um acordo comercial. Poderia ser monetário. Os suíços poderiam, por exemplo, apoiar o franco suíço em relação ao dólar. Nesse caso, a Suíça aumentaria as taxas de câmbio do franco suíço em relação ao dólar. Digamos, 1,20 franco suíço para 1 dólar em vez do atual 1,05 franco suíço para o dólar. Isso quer dizer que as exportações da Suíça para os Estados Unidos diminuiriam, e as exportações americanas para a Suíça aumentariam. Assim, seria favorecido um déficit da balança comercial suíça em relação aos EUA.

CC: Mas essa negociação pode não ser rentável para a União Européia...

SG:
O objetivo é evitar que os suíços façam um bom negócio com a UE. Por exemplo, é melhor para Washington que o franco suíço aumente em relação ao dólar e não ao euro. É mais vantajoso para Washington que Berna compre aviões de combate dos EUA e não europeus. Por sua vez, Berna pretende selar um acordo com Washington para não ter de lidar, ao mesmo tempo, com dois frontes, no caso Washington e Bruxelas. E Washington e Bruxelas estão conscientes disso. Portanto, a UE segue de perto qual será o acordo entre a Suíça e os Estados Unidos. Dependendo do provável sucesso, a UE terá dificuldades em obter algo mais dos suíços. É por isso que, por ora, Washington e Berna, negociam nos bastidores.

CC: Em relação a fevereiro, quando o UBS teve de revelar os nomes de 255 clientes ao governo americano, onde está a diferença com o atual caso?

SG:
Existe uma diferença. Acho que hoje bancos suíços jamais entregariam 50 mil nomes. Porque 50 mil nomes equivalem à troca automática de informações. Mas não se trata apenas de uma questão numérica. Isso faz parte do jogo do UBS para não pagar uma multa.
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CC: E como o UBS faz isso?

SG:
O banco se dispõe a pagar os impostos, ou a indenização judicial do cliente. Em troca, o cliente não pode (ou não deveria) deixar o UBS. Se o fizer, não poderá fazer má publicidade dos negócios do banco num jogo de golfe, por exemplo. Se a cliente disser aos seus parceiros que o UBS não é confiável, a credibilidade do banco, claro, sofre. Mas tudo depende do estado de saúde do banco. Se a multa que o UBS tiver de pagar ao governo americano não for alta, o banco suíço poderá ajudar seus clientes a suavizar suas enrascadas. Caso contrário, os jogadores de golfe do UBS farão uma má publicidade do UBS.

Fonte: Carta Capital

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