segunda-feira, 17 de agosto de 2009

O neoliberalismo sanitário da Folha

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por Luis Nassif

Depois que o Carlos Alberto Sardenberg resolveu até questionar políticas públicas de saúde, defendendo que o setor privado competisse na venda de remédios contra endemias, o samba do crioulo doido entrou na discussão.

O editorial de hoje da Folha, “Saúde em questão”, aborda um tema complexo - o da saúde suplementar - e o submete ao simplismo de propor total independência em relação ao Estado. (clique aqui).

O sistema de saúde brasileiro é composto por uma perna de financiamento público (o SUS), uma estrutura de hospitais públicos, privados e de benemerência, um conjunto amplo de prestadores de serviços privados e um setor de saúde suplementar - as operadoras de planos de saúde - fundamental para se alcançar a universalização da saúde.

Os pontos defendidos pelo editorial denotam uma enorme dificuldade em entender a natureza da saúde suplementar:

(…) O setor vem apresentando crescimento considerável de beneficiários, cerca de 5% ao ano desde 2004, segundo dados da ANS, variação superior ao PIB e ao crescimento populacional. Tal desempenho, entretanto, não deve obscurecer o fato de que o segmento de planos privados de saúde ainda tem uma forte dependência da esfera pública, por vezes injustificável e pouco transparente.

Qual a dependência mesmo?

1. Do lado da demanda, pelo incentivo fiscal representado pela possibilidade de desconto das despesas com saúde do Imposto de Renda.

Esse benefício não é dos planos, é do usuário. A Constituição consagrou a universalização da saúde como ponto central. O SUS não tem recursos para atender a todo o universo de brasileiros. Entre outros pontos, pela defesa intransigente que a própria mídia fez do modelo econômico-financeiro adotado pós-Real, que exauriu todos os recursos públicos para pagamento de juros.

O cliente do plano de saúde paga impostos que ajudam a financiar o SUS. Depois, paga um sobrepreço - a mensalidade do plano - para poder ter acesso aos serviços não suportados pelo SUS. É uma dupla tributação. O que abate do IR é uma fração mínima do sobrepreço pago.

2. Compra de planos por entidade do próprio setor público para seus funcionários.

Os maiores planos de saúde do setor público são de auto-gestão, portanto não entram operadoras privadas. E o funcionário público paga IR também, que ajuda a sustentar o SUS e a levar atendimento aos que não têm recursos. O incentivo fiscal é do funcionário público e do funcionário da Folha, não das empresas.

3. “Pelo lado da oferta, grande parte dos estabelecimentos que fornecem serviços de assistência aos planos de saúde são entidades sem fins lucrativos, que também são prestadores do Sistema Único de Saúde (SUS)”.

Se houvesse um mínimo de cuidado com a informação, se veria que grande parte desses estabelecimentos consegue completar os recursos para atendimento ao SUS prestando serviços aos clientes de planos de saúde.

4. Isso lhes permite isenção de uma série de tributos, além da contribuição patronal ao INSS. Essa atuação nos dois sistemas acaba por fornecer um fôlego financeiro para os prestadores, o que ajuda a explicar o tamanho e a taxa de expansão do setor.

O jornal trata um dado auspicioso - o crescimento anual dos sistemas de saúde - como se fosse um crescimento parasitário.

5. Além disso, em muitas ocasiões, detentores de planos de saúde acabam se utilizando dos serviços do SUS. Nesses casos, a legislação determina o retorno dos recursos que o sistema público gasta com atendimentos a segurados de planos privados. Apesar disso, o governo ainda não conseguiu operacionalizar de modo adequado o ressarcimento ao SUS.

O usuário tem o direito de utilizar o SUS - como qualquer brasileiro vivo, de acordo com a Constituição. Se usa o SUS e paga o plano de saúde, o ressarcimento deveria ser ao usuário, não ao SUS nem ao hospital.

6. É preciso avançar na eliminação das interfaces perversas entres os sistemas público e privado de saúde. Se o gasto em saúde pública no Brasil não é dos maiores, quando comparado ao de outros países, o dispêndio de recursos do erário no sistema privado de saúde ainda é elevado.

Onde está a lógica? Os gastos de saúde de um país são representados pelos gastos diretos do Estado (com o SUS) mais os gastos dos contribuintes com saúde suplementar.

Em sua gestão como Ministro da Saúde, José Serra transferiu à população dos atendidos por planos privados, uma ampliação dos custos da saúde, como maneira de contornar a escassez crônica de recursos do SUS.

Sem conhecimento histórico, sem avaliação nenhuma sobre as restrições orçamentárias, a Folha decreta que o modelo é espúrio, devido às “interfaces perversas” com o Estado.

Só tem um remédio para a falta de informação: leitura e estudo.

Fonte: Luis Nassif Online

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