segunda-feira, 17 de agosto de 2009

O Brasil não cabe em um pacto de Punto Fijo

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por Luiz Carlos Azenha

O resultado da mais recente pesquisa Datafolha provocou uma reação febril na blogosfera.

Como o Emerson, não acredito que os números sejam tão bons assim para o José Serra. Dentro da margem de erro, ele continua em queda e parece ter um teto de perto de 40% dos votos, mais ou menos o que obteve em 2002. E isso depois da maior campanha de promoção televisiva de um governador de estado em rede nacional de televisão de que tenho memória, por conta da lei antifumo e outras ações de governo.

Há, ainda, que considerar a possibilidade de, como escreveu Eduardo Guimarães, tratar-se de Datafraude. Sinceramente, não acredito que o Datafolha chegaria ao ponto de distorcer completamente uma pesquisa. Mas, como notou o Eduardo, cadê a simulação do segundo turno? Estranho.

Não se deve descartar, nunca, em nenhuma hipótese, o uso de pesquisas manipuladas em 2010. O Viomundo foi um dos primeiros sites do Brasil a publicar sistematicamente informações a respeito do uso de pesquisas distorcidas na Venezuela.

Leia aqui A pesquisa como arma eleitoral

Quando a lei proibiu a divulgação de pesquisas no país, chegou-se ao ponto de divulgá-las em Nova York e propagá-las através da mídia local.

Havemos de considerar que em 2010 estarão em jogo os bilhões de dólares do pré-sal.

Lembro também que testemunhei ao vivo o descompasso entre o Datafolha e a realidade. Foi na eleição entre Jânio Quadros e FHC para a prefeitura de São Paulo, nos anos 80. O Datafolha chegou a divulgar pesquisa de boca-de-urna dando a vitória a FHC. Eu, como repórter da TV Manchete, divulguei os dados da pesquisa ao vivo, da redação do jornal, no dia da eleição. O diretor do Datafolha insistiu até tarde na confiabilidade da pesquisa, alegando que a apuração dos votos havia começado por urnas que favoreciam Jânio Quadros.

Jânio venceu por pouco. É dessa eleição a frase histórica de Jânio, depois de limpar com álcool a cadeira de prefeito onde FHC havia se sentado prematuramente: "Desinfeto porque nádegas indevidas se sentaram nela".

Veja aqui o exemplo do que poderá acontecer no Brasil em 2010. Já aconteceu no México. Já aconteceu na Bolívia. Já aconteceu na Venezuela. Já aconteceu nos Estados Unidos.

Dito isso, é importante registrar que o Brasil de 2010 não é o Brasil de 1984. Há mais de um instituto de pesquisa e outros poderão ser convidados a vir de fora para fazer levantamentos eleitorais. A mídia ainda é controlada majoritariamente por um pequeno grupo de famílias, mas há dezenas de meios com um alcance relativamente grande para fazer um estrago razoável nos descaradamente mentirosos.

Além disso, quem disse que José Serra não é o candidato preferido do Planalto? Pessoalmente, acho que é. Acho que fora dos aquários das redações e dos bairros nobres da classe média brasileira ele não tem entrada para enfrentar com sucesso um candidato com endosso do presidente Lula num quadro de crescimento econômico.

Por outro lado, estou entre os que acreditam que tão importante quanto preservar os projetos de inclusão social e promover a verdadeira democratização do Brasil é evitar a tentação de setores do PT e do PSDB de acordarem numa espécie de pacto de Punto Fijo.

Punto Fijo é o nome de uma cidade da Venezuela onde, em 1958, os principais líderes políticos fizeram um acerto pelo qual eles se sucederiam no poder. Fora do pacto ficou o Partido Comunista. O acordão sobreviveu aos trancos e barrancos até 1999, quando foi implodido por Hugo Chávez, cavalgando as demandas sociais que ficaram represadas por mais de 40 anos.

O acordão PT/PSDB seria uma forma de represar as demandas sociais, preservando o modelo de concentração de renda e propriedade existente no Brasil de hoje.

É por isso que eu, pessoalmente, acredito que Ciro Gomes deve insistir em sua candidatura presidencial, como representante do bloco PSB-PDT-PCdoB. É por isso que acredito que Marina Silva deve receber as boas vindas como candidata do PV. É por isso que Aécio Neves deveria sair como candidato do PMDB.

Em primeiro lugar, para detonar qualquer possibilidade de um Punto Fijo entre petistas e tucanos.

Em segundo lugar, para tirar de José Serra o monopólio de ser o candidato "da oposição".

Em terceiro lugar, para garantir representatividade nos debates presidenciais -- e num futuro governo -- de todas as demandas sociais existentes, dentre as quais a da reforma agrária, a da democratização dos meios de comunicação e a da reforma política.

A "posse" de terras, de vagas no Congresso e de meios de comunicação se combina para tornar o sistema político brasileiro conservador, excludente e elitista.

Mais importante do que embarcar no Fla x Flu entre petistas e tucanos, quem quer transformar esse modelo deve lutar pelo não represamento das demandas sociais. A Confecom é importante. A expansão da rede de banda larga é importante. O financiamento público de campanhas é importante. Um debate sério sobre o pré-sal é importante. A luta contra os monopólios e oligopólios é importante. Tudo isso é mais importante que a personalidade deste ou daquele candidato.

Sinceramente, acho mais importante alargar a base de pessoas que efetivamente participam da vida nacional -- sejam elas de esquerda, de direita ou de centro --, dando a elas instrumentos para o exercício da cidadania, do que a cor dos olhos da Dilma ou do Serra. É por isso que torço para que Ciro e Marina concorram com projetos independentes no primeiro turno. No segundo turno a conversa será outra.

Fonte: Vi o Mundo

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