sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Mídia - Globo e Record usam espaço público para disputa comercial

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Para o professor de comunicação da USP, Laurindo Leal Filho, o embate travado nesta semana entre Globo e Record é, na realidade, uma "disputa empresarial". "São duas empresas que se utilizam do espaço público para resolver pendências comerciais", diz. "Isso é absolutamente incompatível com o Estado democrático".


Montagem: Vitor Hugo Soares/Reprodução
Para o professor Laurindo Leal Filho, o telespectador não tem nada a ver com a disputa empresarial travada entre Globo e Record
Para o professor Laurindo Leal Filho, o telespectador "não tem nada a ver" com a disputa empresarial travada entre Globo e Record


por Diego Salmen

Quinta-feira, 13, 20h00. Abertura dos telejornais nas duas maiores emissoras do país. Começa mais um capítulo da batalha televisiva iniciada um dia antes entre as redes Globo e Record.

Para além da disputa pela audiência, o incidente desnuda o uso indevido de espaços públicos para disputas particulares. A avaliação é de Laurindo Leal Filho, doutor em ciências da comunicação pela USP (Universidade de São Paulo) e professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade.

- São duas empresas comerciais que se utilizam do espaço público - que não é delas, é da sociedade - para resolver pendências comerciais e empresariais. Isso é absolutamente incompatível com o Estado democrático.

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Autor de diversos livros sobre o assunto ("A TV sob controle, a resposta da sociedade ao poder da televisão" e "A melhor TV do mundo, o modelo britânico de televisão", dentre outros), Laurindo avalia, nesta entrevista a Terra Magazine, que a disputa comercial entre os dois canais tem como ponto positivo a exposição da história de "relações promíscuas" da Rede Globo. Além de evidenciar a defesagem e a falta de legislação para o setor de telecomunicações.

O estopim da luta de foice entre os dois canais foi a publicação de reportagem com mais de 10 minutos de duração pelo Jornal Nacional na terça-feira, 11, repercutindo denúncia do Ministério Público de São Paulo que incriminou o bispo Edir Macedo e outros nove membros da Igreja Universal por formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.

No dia seguinte, o revide. Em reportagem de cerca de 15 minutos veiculada pelo Jornal da Record, a emissora - controlada pela Universal - recorreu a imagens de arquivo para vincular a Globo à ditadura militar e aos escândalos Time-Life e Proconsult. E destacou que a emissora carioca ignorou o movimento Diretas-Já, em 1984.

Nesta quinta-feira, novo round, com os mesmíssimos ingredientes.

Em nota enviada a Terra Magazine, a Central Globo de Comunicação afirma que está dando ao caso Universal "tratamento equivalente" ao que deu a outros fatos jornalísticos, como a deflagração da Operação Satiagraha, em julho de 2008. A central de comunicação da Rede Record afirmou, por sua vez, que a emissora "não está atacando ninguém, apenas respondendo às acusações feitas e aos ataques que partiram da Rede Globo".

"O que o cidadão em casa tem a ver com a briga entre a empresa Record e a empresa Globo? Ele não tem nada a ver com isso", critica Laurindo. " Ele tem que receber um serviço público correto de rádio e TV, que atenda aos seus interesses e as suas necessidades Laurindo".

Confira a entrevista:

Terra Magazine - Como o senhor avalia o embate entre Globo e Record observado nos últimos dias?
Laurindo Leal Filho -
Sem dúvida é uma luta pela audiência. o fato de a Record a cada momento subir mais aceleradamente no Ibope, com resultados que nunca foram obtidos desde o surgimento da Globo. Desde que ela assumiu a liderança, nunca sofreu um abalo de audiência tão grande. Essa, sem dúvida alguma, é a razão central da investida da Globo contra a Record, ampliando e amplificando a manifestação do Ministério Público contra os proprietários da Record. Essa é a realidade. Agora, o problema que me parece mais grave para o Brasil e para o setor de comunicações é o fato de que duas empresas se utilizam do espaço público, já que ambas são concessões públicas, para fazerem trocarem acusações e fazerem ataques em defesas de seus interesses empesariais.

Sim...
Ou seja: são duas empresas comerciais que se utilizam do espaço público - que não é delas, é da sociedade - para resolver pendências comerciais e empresariais. Isso é absolutamente incompatível com o Estado democrático, onde o espaço público de rádio e televisão tem de ser organizado em função dos interesses da sociedade, e não dos interesses particulares e comerciais de Globo e Record. Esse é o grande problema que não está sendo discutido. O que o cidadão em casa tem a ver com a briga entre a empresa Record e a empresa Globo? Ele não tem nada a ver com isso. Ele tem que receber um serviço público correto de rádio e TV, que atenda aos seus interesses e as suas necessidades.

A Record diz que, por conta do domínio da Globo, o Brasil hoje vive um "monopólio" na TV... Isso é real? Essa disputa não dá sinais de que estejamos caminhando para uma espécie de duopólio?
É verdade. Se há algo positivo nessa crise, é o fato de o monopólio da Globo estar sendo arranhado. Isso acontece tanto do ponto de vista da audiência... O fato de o reality show A Fazenda estar derrotando a Globo no domingo mostra que o monopólio está abalado. Esse é um fato importante, embora eu acredite que poderia ter sido abalado com outras armas, não com instrumentos semelhantes aos da Globo. O outro aspecto positivo é o fato de que a Record esta colocando no ar, para milhoes de brasileiros, informações sobre a história da Rede Globo que poucas pessoas conheciam. Todos nós na área de comunicação e na Universidade sabíamos desses fatos, mas a grande maioria da população com certeza não sabia quais eram as relações promíscuas que marcaram toda a história da Globo com todos os governos da República. Esse é um fato positivo: colocar para o grande público a história real da Globo.

A Record também acusa a Globo de estar com medo da concorrência; no entanto, em que medida há uma concorrência real? A programação dos dois canais é muito semelhante...
A concorrência existe. Basta ver os números do Ibope, eles mostram que a Record está roubando a audiência (da Globo). Ela rouba tendo como base a estrutura de programação da TV Globo, mas ela adiciona elementos novos e mais sofisticados até do que os da Globo. Na verdade a Record até aproveita um certo cansaço da fórmula global e dá a ela um novo dinamismo, algumas novas características. Quer dizer: a base é a mesma, mas a Record consegue, em alguns momentos, fazer um produto um pouco mais sofisticado e atraente do que o da Globo.

É um processo "antropofágico"...
É isso, é isso.

O que se tem no horizonte para equacionar esse problema? Qual seria a vantagem de a Record empatar com a Globo ou até mesmo superá-la na audiência?
Para o telespectador, nenhuma. Haja vista o que está acontecendo agora na disputa pelo segundo lugar na audiência com a troca de jornalistas entre o SBT e a Record. Para o telespectador continua exatamente a mesma coisa. Essas grandes emissoras têm um temos muito grande em investir em qualquer experimentação, e apostam naquilo em que, com quase plena certeza, dará audiência. Isso é muito ruim para a o cenário da televisão e da cultura brasileira.

Há um conservadorismo enorme...
Claro, porque são sempre os mesmos padrões, as mesmas fórmulas, e isso acaba inibindo uma grande produção cultural que existe pelo Brasil afora e que não tem canais para se manifestar para todo o público brasileiro. Essa disputa, para o telespectador, não traz nenhum benefício.

E por que o governo não consegue fazer valer a concessão pública às emissoras de TV como algo público de fato?
Porque todos os governos têm temor de mexer com a comunicação, especialmente a comunicação eletrônica. E, infelizmente, nós não temos no Brasil uma legislação que dê conta da situação atual. Basta ver que a lei que regula a rádiodifusão é de 1962, e continua em vigor. Essa área vira uma selva, uma terra de ninguém. Seria absolutamente impossível ocorrer esta guerra pública nos telejornais da Record e da Globo se houvesse por aqui o que há nos países democráticos: órgãos reguladores. É absolutamente incocebível que, num país sério, uma emissora coloque sete, oito, dez minutos de reportagem para falar mal da concorrente. Isso um órgão regulador jamais permitiria.

Só para deixar claro: órgão regulador não significa restrições à liberdade de expressão, como os proprietários de mídia alegam.
Não, são órgãos reguladores desse tipo de serviço público fundamentados na lei. É o que tem na Inglaterra, na França, em Portugal, na Espanha, nos Estados Unidos... O que é um espaço público precisa ser regulado pelo Estado em nome do público. Não tem nada a ver com censura. Mas estabelece parâmetros de funcionamento. Isso não existe no Brasil, e é isso que permite esse fenômeno que está ocorrendo agora.

A internet pode pressionar por uma mudança nesse panorama, não?
É, ela ajuda bastante, sem dúvida. Ela diversifica as fontes de informação e oferece algum tipo de alternativa. Mas ainda tem um poder muito reduzido se comparado ao da televisão aberta.

Fonte: Terra Magazine

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3 comentários:

Anônimo disse...

Até agora estava tudo bem. Cada qual na sua. A Globo, utilizando seus noticiários, forjava "verdades" em prol do projeto político das oposições ao governo Lula para 2010 e as demais redes de TV (Band, SBT e Record, inclusive) se limitavam a repercutir em seus noticiários as inverdades da Globo. Funcionavam todas como periféricas e como se afiliadas fossem.
E agora? Como se comportará a Record? Continuará maria-vai-com-as-outras ou estruturará um jornalismo sério, independente e compromissado com a verdade?
O povo brasileiro merece uma alternativa a isso que aí está.
Otto (de Floripa)

Anônimo disse...

caro Otto,
É esse o ponto: o espaço público sendo usado por defender interesses empresariais particulares - todos sabem os "poderes" de cada um. Na conveniências da guerra de audiência , apresentam seus "fatos novos"... E o mais absurdo disso é que muitos tomam partido esquecendo o essencial: são concessões públicas.
E, ainda mais complexo, nesta data os grandes grupos empresariais fogem de um forum de debates , o Confecom, de forma bem articulada entre eles. Ou seja, os confrontos empresarial X público está em processo, e não podemos nós - o respeitável público - sermos reduzidos a massa, sem que possamos manifestar nossos interesses e cobrar nossos objetivos.
Força à Alê
Força aos Blogs
Força à organização.
A discussão leva a reflexão e sabermos juntar forças para mudar " tudo isso que aí está...." [créditos ao velho Briza]
Abraço
AndreB

Anônimo disse...

Interessante para ampliara a discussão :

http://www.direitoacomunicacao.org.br/novo/content.php?option=com_content&task=view&id=5374

AndreB