terça-feira, 4 de agosto de 2009

Honduras: mais sobre a lógica do golpe

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por Idelber Avelar

Não é necessariamente um problema oferecer uma teoria da conspiração para explicar um acontecimento. Acho fraco o recurso à desqualificação de uma “teoria da conspiração” sem mais argumentar, como se o fato de uma explicação recorrer a um enredo conspiratório a invalidasse ou tornasse falsa sempre. Se o acontecimento em pauta é um golpe militar, bem, é tautológico dizer houve uma conspiração. O tema é se você desvenda a conspiração certa ou a errada.

O que o excelente trabalho jornalístico do Página 12 demonstra é que não dá para se entender o golpe em Honduras sem remissão aos norte-americanos, inclusive por razões históricas. A relação de Honduras com os Estados Unidos não é comparável à de nenhuma república centro-americana. Ao contrário de Nicarágua, El Salvador e Guatemala, Honduras não passou por processo revolucionário durante os anos 80. Foi, inclusive, a base americana para o lançamento da contra-revolução que derrotou o regime sandinista, e que levou a Guatemala e El Salvador às piores matanças de todos os tempos no istmo. Honduras já servira de base para o golpe militar que derrubou o Presidente Arbenz, na Guatemala, em 1954 e também para a tentativa de invasão de Cuba em 1961. Trata-se de uma história singular, marcada pela relação com os EUA como poder imperialista. Todos esses cachimbos, claro, deixam uma vasta coleção de bocas tortas.

Mas na leitura de Petras – que é, eu suponho, como uma força política tipo PSTU, no Brasil, leria o golpe hondurenho --, os militares americanos da base de Soto Cano, o embaixador Hugo Llorens, o Pentágono, Hillary Clinton, a Casa Branca de Obama e a oligarquia golpista hondurenha se transformam numa massa indiferenciada, como se não houvesse contradições entre esses elementos. Elas existem, mas Petras não as vê.


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Foto: Gustavo Amador, daqui.


É fato que Llorens se reuniu com os golpistas e que ele tem uma história anterior, na Argentina, de lobismo e articulações com os setores mais reacionários. Para o Página 12, enquanto Tom Shannon, subsecretário para a região, chega transmitindo o recado não intervencionista de Obama -- “não fomentaremos golpes” --, as forças golpistas já haviam convencido Llorens de que havia uma alternativa para impedir que Honduras caísse de vez na órbita chavista, e era o golpe militar. O equivalente americano dessa postura é a interpretação paranoica da realidade, que vê o continente supostamente ameaçado pelo “expansionismo” chavista. Não surpreende que as justificativas do golpe (e mesmo algumas de suas análises "ponderadas") recorram à lógica do ia, inventando, por exemplo, uma tentativa de segundo mandato de Zelaya que jamais havia estado em pauta ou tomado parte na consulta popular.

O que mostra o Página 12 é a contradição que vive Obama: para ser coerente com sua política externa, teria que condenar o golpe e trabalhar pela restauração da legalidade. Mas pela própria dinâmica dos acontecimentos, a restauração pura e simples de Zelaya significaria um triunfo de Hugo Chávez, cuja foto vitoriosa é tudo o que a direita americana sonha para apresentar Obama como fraco em política externa. A hipótese do Página 12 me parece correta: não há que se esperar que Obama polarize a cena política americana para ser o paladino da legalidade hondurenha em vésperas de votação do seu plano de reforma da saúde.

Daí a necessidade que os EUA tiveram de instalar a mediação do presidente Óscar Arias, de tantos serviços prestados a eles durante as matanças dos anos 80. Enquanto a Casa Branca vacilava, a OEA – liderada pela Alba, deixando, quiçá pela primeira vez, os EUA a reboque --, havia condenado o golpe em termos inequívocos. O plano apresentado por Arias forçava Zelaya a uma série de concessões mas, para a surpresa de muitos, foram os golpistas que não o aceitaram.

A sinuca de bico em que se encontra a administração democrata é um componente chave para se explicar o porquê dessa situação tão insólita: um mês de golpe em Honduras, o governo de fato não foi reconhecido por país nenhum, mas ainda assim ele se sustenta, em parte pelo jogo ambíguo feito pelos EUA. A situação no país centro-americano é, evidentemente, cada vez pior. Ontem a Liga Camponesa anunciou que já contabilizara pelo menos 184 desaparecidos.

Fonte: O Biscoito Fino e a Massa

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