por Leonardo Sakamoto
A jornalista Maíra Kubik Mano postou um texto sobre a morte de uma refugiada palestina no Brasil que merece ser lido. Os médicos dizem que o motivo foi pneumonia, mas ao ver a história percebe-se que Nusha foi assassinada por descaso. “Perdi muitos irmãos, mas lá havia uma causa, a guerra”, disse seu filho. “Viemos para cá para nos salvar, e não morrer de graça.”
Todas as mortes são estúpidas, eu sei. Agora mesmo, uma adolescente morreu - ao que tudo indica - de pneumonia, em pleno vôo, ao voltar de férias nos Estados Unidos. Pelo o que é possível constatar, ela poderia ter sido salva se medicada a tempo.
Mas há algumas mais estúpidas que outras. Como a morte da palestina Nusha. Porque ela permaneceu viva quando o óbvio dizia que ela deveria morrer. E morreu quando o mais provável era viver.
É por essas e por outras que o governo brasileiro faz me rir ao reivindicar um papel importante no cenário internacional. Como, se não conseguimos nem fazer o feijão com arroz mais básico que é garantir que refugiados de guerra não morram desamparados em nosso território? Afinal é mais fácil soltar notas oficiais para deplorar a expulsão de palestinos de suas casas em Jerusalém Oriental, como fez nesta segunda, do que agir para garantir dignidade a quem veio em busca de refúgio. Segue o texto:
“Li hoje uma notícia de partir o coração: uma refugiada palestina recém-chegada ao Brasil morreu em Mogi das Cruzes por falta de assistência médica e social. Parece quase banal, eu sei. Isso certamente acontece todos os dias em nosso país, seja a pessoa estrangeira ou não, mas não deixo de me entristecer.
Há pouco mais de três meses, Nusha el Loh deixou a Faixa de Gaza rumo ao hemisfério sul. Finalmente iria se juntar ao filho Hossan, que não via há 10 anos, desde que a família foi separada pelo conflito entre Israel e Palestina.
A vida que encontrou no interior de São Paulo não tinha muito conforto, sem sequer uma cama para dormir ou um cobertor para enfrentar o frio do inverno – outra situação bem conhecida por aqui. Os refugiados, mesmo os que chegaram há mais tempo, ainda enfrentam muitas dificuldades para se adaptar. Dos costumes até a língua, tudo é novo e há pouca ou quase nenhuma estrutura para recebê-los, seja do governo federal, das Nações Unidas ou da Cáritas, organização responsável por amparar sua estadia no Brasil. Muitos estão desempregados e não vêem um futuro animador pela frente.
Inserida nesse cotidiano precário, Nusha adoeceu e acabou falecendo de pneumonia. “Nós não tínhamos condições de comprar uma cama para ela. Já pedimos ajuda para o Cáritas, mas ninguém ouve. Os médicos disseram que era para minha mãe estar viva, se tivesse recebido a assistência que precisávamos desde quando chegou aqui. Perdi muitos irmãos, mas lá havia uma causa, a guerra. Viemos para cá para nos salvar, e não morrer de graça”, desabafou Hossan para um jornal local.
“Morrer de graça”. Apesar de Hossan pensar diferente, para mim essa expressão serve também àqueles que tombaram no Oriente Médio. Não consigo deixar de pensar nisso, principalmente após as notícias que circularam na semana passada e que demonstram um recrudescimento ainda maior por parte do Estado de Israel.
São questões simples, mas que refletem a intolerância e a violência velada no dia-a-dia. Exemplo: nos territórios palestinos e nas áreas israelenses, as placas de rua são escritas em três idiomas – hebraico, árabe e inglês. Agora, por decisão do governo de Israel, as últimas duas línguas serão apagadas da sinalização pública.
Além disso, determinou-se que a expressão “nakba” (“desastre” ou “catástrofe”, utilizada pelos árabes para se referir à fundação do Estado de Israel, em 1948) e toda a versão palestina do conflito seriam retiradas dos livros de história israelenses. “Isso enfraquece a nação”, argumentou o governo.
Nusha saiu de uma guerra para um país em que a desigualdade social e a falta de estrutura também provocam um confronto de realidades violento. Se Israel não tivesse invadido a Faixa de Gaza no final do ano passado, talvez ela ainda vivesse em sua terra. Ou, quem sabe, se o conflito lá esboçasse qualquer solução palpável no horizonte, Hossan não imigraria para o Brasil. São muitas possibilidades, todas já no passado: aos 65 anos, Nusha está morta e teve uma vida severina. Foi uma palestina severina. E existe hoje outro caminho para esse povo?”
Fonte: Blog do Sakamoto
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